A teoria da escolha racional
Seria a queda no mundo do crime resultado de uma doença, de uma incapacidade moral, da falta de educação ou de alternativas sociais? Todas essas respostas já foram dadas como afirmativas, com maior ou menor ênfase, ao longo da história. Porém, raro é admitir a tese de que o crime poderia ser o resultado de uma escolha racional por parte de seus praticantes. O que acontece quando separamos o estudo do crime do estudo de sua moralidade? Podemos nos surpreender. O crime pode trazer sucesso financeiro e reconhecimento social numa velocidade dificilmente alcançável por outros meios. O número de heróis-bandidos, com direito à primeira página dos jornais, entrevistas exclusivas, aptos a se tornarem temas de livros, apresentarem suas coleções de automóveis, e a receberem orientação jurídica de destacados profissionais não pára de subir. Sim, o crime muitas vezes compensa.
O modelo da escolha racional objetiva explicar o comportamento humano afirmando que este deriva, preferencialmente, da opção do indivíduo pelas alternativas capazes de maximizar seus benefícios sociais. O criminoso, então, analisaria suas possibilidades de obter seus objetivos sociais honestamente. Ponderaria questões como sua qualificação profissional, grau de empregabilidade, possibilidade de conseguir uma vida confortável pelo trabalho etc. Se possuísse uma avaliação negativa desses quesitos, ao lado de uma avaliação confirmativa da ineficácia da polícia e da impunidade da justiça, acabaria por ver no crime uma saída racionalmente justificável ao seu desejo de ascensão social.
Veja-se que, neste modelo, o raciocínio que levaria à escolha do crime seria o resultado de uma ponderação acerca dos meios disponíveis ao enriquecimento lícito e da probabilidade de ser punido pela prática do delito. Quanto menor a probabilidade de enriquecer por meios lícitos e de ser punido pela escolha criminosa, mais certeira é a conclusão pelo crime. Isso se ajustaria ao fato de a classe baixa ser freqüentemente apontada como a mais tendente ao crime (estou aqui fazendo vistas grossas ao fato de que os pobres são mais vezes selecionados pelas agências punitivas). Sua chance de obter benefícios financeiros pelo trabalho honesto (devido à menor qualificação, rede de relações mais pobre, inexistência de herança etc.) é bem menor do que a das classes mais altas, que já partem de um patamar elevado de capital acumulado por sua família, maior grau de educação formal e rede de relações influentes.
Do ponto de vista sociológico, a incapacidade de a sociedade garantir meios lícitos à obtenção do patamar de sucesso pessoal considerado dignificante, é chamada de anomia. Ela ocorre sempre que a sociedade cava um fosso intransponível, ou só excepcionalmente transponível, entre os objetivos sociais (riqueza, conforto, segurança etc.) e os meios recomendáveis para atingi-los (estudo e trabalho honesto). Quando as pessoas começam a ter consciência de que seguir o que a sociedade manda (estudar, trabalhar etc.) não as retirará dos níveis inferiores da pirâmide social, o crime se torna uma alternativa a ser levada em consideração.
Então, por que tantas pessoas das classes ricas entrariam para o mundo do crime? Como explicar, por exemplo, a corrupção endêmica das elites brasileiras? Por tal teoria, isso seria explicado pela mesma equação. A vida de crime é escolhida tanto em função da falta de alternativas honestas para obtenção do modo de vida desejado quanto pela baixa probabilidade de ser punido por sua prática. Embora muitos dos apontados corruptos possuam meios alternativos para a obtenção legal de uma vida confortável, a baixíssima probabilidade de serem punidos faz do crime uma alternativa sem par em termos de empreendimento financeiro.
Simplificando: os mais pobres entrariam no crime por ser esta a escolha que mais provavelmente os levaria a possuir o que desejam, enquanto os mais ricos entrariam no crime por nele ver um empreendimento lucrativo e com poucos riscos. O combate à criminalidade numa sociedade divida em classes sociais se daria, portanto, em dois planos: dando-se possibilidades honestas e reais de vida confortável aos mais pobres e, paralelamente, sendo extremamente punitivo para com as elites criminosas.
Mas pode uma sociedade dar oportunidades de vida confortável a todos? Bem, primeiramente é preciso definir o que seria essa vida confortável. Em regra, uma vida confortável é definitiva comparativamente em relação ao grupo de referência de quem a procura. Reis comparam-se com reis; advogados, com médicos ou outros advogados; vizinhos, com vizinhos etc. Costumamos fazer comparações prioritariamente dentro de grupos em que estamos ou que acreditamos poder fazer parte. O fato de um milionário texano comprar o décimo iate não costuma gerar inveja no trabalhador que possui uma pequena lancha para passear aos domingos. Mas o fato de seus vizinhos terem lanchas maiores e melhores, provavelmente, atiçará seu desejo de consumo comparativo.
“Diga-me com quem te comparas e eu te direi o que consideras um padrão de vida confortável.” Esse é o axioma do desejo material. Na Idade Média, um plebeu típico não invejaria um nobre, pois estava claro, na visão de mundo da época, que o primeiro não tinha o direito de ser o segundo. Mas, nas sociedades modernas de consumo, os dogmas de igualdade e liberdade (todos podem lutar para obter qualquer coisa), associados ao marketing de consumo, têm levado as pessoas a fugirem da regra de se medirem apenas pelos que lhes são socialmente próximos. Artistas famosos, atletas milionários e ricos de toda ordem são apresentados como modelos de sucesso possíveis de serem imitados. Assim, é gerado um padrão de conforto desejável muito além do razoável, em termos de possibilidades distributivas, mas com o qual as pessoas comuns passam a sonhar. A distância, porém, entre tal padrão de vida e os meios concretos para sua obtenção leva os mais pobres, na melhor das hipóteses, à frustração e, na pior, ao crime.
Já se disse que não é a pobreza dos “favelados” que os leva ao mundo do tráfico de drogas, mas a riqueza do tráfico de drogas que leva os pobres a se enveredarem por seus caminhos, na busca de atingir o tão difundido conforto a que, pelos discursos populistas da mídia comercial, fazem jus. Convencidos de que os objetos materiais que devem possuir são os mesmos das classes altas (marcas de tênis, roupas, aparelhos de som etc.), cada vez mais os jovens pobres trilham as sendas do crime.
Se tal raciocínio é correto, haveria uma menor taxa de criminalização se pudéssemos convencer as classes baixas de que certas formas de consumo não são a elas destinadas. E isso não pela questão meramente óbvia de que não possuem recursos para tal, mas por uma questão mais delicada de moral elitista, do tipo: “quem nasce pobre não deve querer ser rico”. A ideologia cristã tradicional, por exemplo, ao associar riqueza e pecado ("É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus" – Mateus, 19), e ao eleger os pobres como os mais próximos de Deus (cf. Mateus 5, 3), procurava compensar no mundo das crenças as desvantagens no mundo material, tendo sido um elemento equilibrador numa sociedade desequilibrada.
No entanto, hoje é inaceitável crer que os mais pobres voltariam a se conformar com as ideologias que sustentam que aquilo que têm é tudo o que precisam, que não devem invejar os ricos e coisas dessa ordem. Afinal, a sociedade de consumo vive de espalhar sonhos a todos. O que se poderia fazer, então? Quem sabe retomar a velha tese de que é preciso reduzir o patamar de riqueza no topo da pirâmide social, para que estes sejam modelos mais “copiáveis” pelos outros segmentos sociais, utilizando-se de meios lícitos. E com os recursos assim mais distribuídos por toda a sociedade, criar meios efetivos de ascensão social honesta.
Um outro comportamento, típico entre os criminosos, que a teoria da escolha racional explica é o do free rider (carona). Para maximizar os próprios benefícios, o melhor – estrategicamente falando - é parasitar o sistema das regras de honestidade social. Enquanto os cidadãos normais contribuem para um mundo não violento pela obediência às regras de civilidade, os criminosos maltratam os demais e exigem que, ao serem capturados, sejam tratados com humanidade e respeito. Exigem que se lhes dê em benefício aquilo que se negam a dar à sociedade. Vivem como caronas: não precisam contribuir com o abastecimento ou conservação do automóvel social que os transporta e, se isso lhes for benéfico, assassinarão o condutor que os transporta. Mas ao caírem nas garras da lei, exigirão que sejam tratados não como caronas, mas como passageiros pagantes, dignos de toda consideração. Requerem assim a melhor resultante estratégica: barbarizar a vida alheia sem correr o risco de ter sua própria vida barbarizada.
Ao dar poucas alternativas de sucesso aos indivíduos em geral, ao ser pouco eficaz nas punições aos criminosos (sobretudo com os de classe alta), e ao permitir que os delinqüentes possam agir como caronas do sistema social, a sociedade age como fator criminógeno. Enquanto o crime permanecer uma estratégia moralmente desastrosa, mas racionalmente eficiente, amargaremos o resultado das escolhas ambiciosas e violentas de alguns de nossos semelhantes.
Do livro Comportamento social e anti-social humano, de Sandro SellA ilustração acima é a representação gráfica do famoso dilema do prisioneiro, formulado por Merrill Flood e Melvin Dresher, em 1950. Mais tarde, Albert W. Tucker fez a sua formalização com o tema da pena de prisão e deu ao problema geral esse nome específico. O dilema do prisioneiro (DP) dito clássico funciona da seguinte forma:
Dois suspeitos, A e B, são presos pela polícia. A polícia tem provas insuficientes para os condenar, mas, separando os prisioneiros, oferece a ambos o mesmo acordo: se um dos prisioneiros, confessando, testemunhar contra o outro e esse outro permanecer em silêncio, o que confessou sai livre enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos de sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só pode condená-los a 6 meses de cadeia cada um. Se ambos traírem o comparsa, cada um leva 5 anos de cadeia. Cada prisioneiro faz a sua decisão sem saber que decisão o outro vai tomar, e nenhum tem certeza da decisão do outro. A questão que o dilema propõe é: o que vai acontecer? Como o prisioneiro vai reagir? Como você reagiria?
O fato é que pode haver dois vencedores no jogo, sendo esta última solução a melhor para ambos, quando analisada em conjunto. Entretanto, os jogadores confrontam-se com alguns problemas: Confiam no cúmplice e permanecem negando o crime, mesmo correndo o risco de serem colocados numa situação ainda pior, ou confessam e esperam ser libertados, apesar de que, se ele fizer o mesmo, ambos ficarão numa situação pior do que se permanecessem calados?
Postado pelo Sandro Sell
Essa é sua posição ou você só está explicando uma teoria?
ResponderExcluirSuzana
Minha posição é muito fluida, Suzana. E teria que parar e pensar em qual ela é hoje. Posições definitivas só possuem os mortos, os loucos e os preguiçosos mentais. Mas acho que essa teoria explica alguma coisa, muitos casos. Enfim, gosto dela, embora reconheça que ela é um tanto ingênua...
ResponderExcluirSandro Sell