domingo, 9 de maio de 2010

Dia das mães 1, 2 e 3

1.Visão doce-ingênua
Mãe é sacrifício. Merece todo nosso amor para compensar a ingratidão cotidiana dos filhos; a incompreensão intolerante dos relógios, que sempre soam meio-dia antes do arroz estar pronto; que sempre soam meia-noite quando o filho carente quer brincar, que montar na cavalinha, quer história de lobo, quer mantê-la acordada para manter-se sem medo, sem dor ou sem tédio.
Como não gastar o dinheiro de uma mísera batedeira com esse anjo? (dinheiro que será revertido ao doador na forma de bolos e sobremesas...). Como não dizer "eu te amo” (como essa bobona implora todo dia), pelo menos uma vez por mera e espontânea liberalidade...
Como não concordar com os dizeres daquele cartão ali na mesa: “Como Deus não podia estar em todos os lugares ao mesmo tempo, me deu você para cuidar de mim. Obrigado, mamãe”.

2.Visão amargurada-conspirativa
Dia das mães é comercio e ideologia. É feito para vender batedeiras com a intenção de que as mães esquecem o quanto já lhe bateram na cara. É feito para agradar os comerciantes e diminuir o remorso da má repartição do trabalho doméstico. É ideologia a colocar uma fantasia de rainha na gata borralheira, que hoje deve se sentir grandiosa por ter se aniquilado tanto; que deve se sentir grata por ter seres que, um dia ao menos, não falam mal de sua comida – até porque foram comer num restaurante. Parafraseando o conhecido poema, ser mãe é padecer na realidade e ter que engolir que isso é o paraíso.

3.Visão heróica-funcionalista
As tarefas dos homens são aquelas que as máquinas também podem fazer. Homens empregam a força e o cálculo racional para enfrentar problemas que, salvo alterações climáticas, são só seguir o manual e pronto! Missão cumprida. Plantar, caçar, calcular, construir, destruir, pilhar, empilhar, copular ou trocar pneus, faz-se com grande certeza do que se quer atingir. E há métodos e livros que ensinam, de verdade, como tais objetivos podem ser atingidos (do manual do carro ao kama sutra, não tem erro).
Agora (tarefas maternas), agradar, educar, medicar sem ser médico, docelar sem ser doceira, arrumar a gosto de cada freguês, tem que ser feito no feeling. Não há cálculo ou manual que os garanta. E os manuais, tipo “Limite na Medida certa”, são uma piada. O que é limite na medida certa? “Isso há de ser descoberto em cada ocasião” – responde uma das manualistas. Então o limite na medida certa tem que ser construído, inventado, arriscado, em cada situação por mim mesma? “Sim, te vira, infeliz.”
Se a colheita não der frutos, culpa-se a terra e o clima; se a guerra é perdida, culpam-se os heróis do outro lado, se a casa não está pronta, culpa-se à economia. Agora se o filho não se educou como deveria, culpa-se a mãe? Não precisa: ela se culpa sozinha. Culpa-se inclusive por ter escolhido um pai ausente, um pai severo demais ou frouxo demais: culpa-se por não ter escolhido um pai na medida certa! Culpa-se a sim mesma – e não a economia – pela fome dos seus filhos; culpa-se a si mesma – e não ao caos da saúde - pela doença da criança; culpa-se a si mesma e não ao mundo inteiro, por ter relaxado consigo própria, por ter terceirizado sua felicidade em nome da prole, por ter se posto embaixo da mesa para que os outros pudessem ascender ao trono...
Essa tarefa sem-sentido de cada mãe, essa tarefa contraditória absoluta (manter a casa arrumada e os filhos felizes/ deixar o marido aceso e as crianças com sono no momento exato/ agradecer a batedeira e aceitar que as coisas são assim mesmo, quando se sabe que podiam não ser...
Isso é tarefa para herói. Que enfrenta o sem-sentido do cotidiano, não porque não tenha alternativas, mas porque não se permite alternar. Alguém que tem que assumir as coisas difíceis, de uma forma tão disfarçada que o herói da casa continua sendo aquele outro, o que é chamado para enfrentar as terríveis baratas ou colar o cano debaixo da pia, dois anos após o primeiro chamado. Papai é o cara!

Reconhecer esse herói-mãe, para que não desista de sua função, é um dos sentidos da celebração desse dia.

Fazer de conta que crê nas palavras dessa data é apenas uma atitude defensiva, pois se de fato os filhos dela acreditam na felicidade da batedeira é porque ela fracassou na educação. Melhor, então, pensar que isso é um jogo: e o presente e as homenagens não passam de uma sacanagem.

Sandro Sell

2 comentários:

  1. Esse sarcasmo no final... Muito bom, professor!

    Abraço

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  2. Querido Sandro: alguma batedeira já te bateu? Pois você bem que merecia. Pois não é que minha mãe me pediu exatamente isso? Fui obriagada a ler sua postagem para ela e o que ela disse: "eu me sinto feliz quando faço um bolo que meus filhos (hoje netos) gostam. O que há de errado nisso?". Pois é, meu caro amigo, responda para a Dona Lúcia.
    Abraço

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