quarta-feira, 31 de março de 2010

O filósofo francês e o grande frasista nacional

Ninguém está livre de dizer tolices; o imperdoável é dizê-las solenemente.
Michel de Montaigne (prevendo frases como a que Pedro Bial diria 400 anos após a sua morte):
"Hoje vamos fingir que este paredão é uma fábula: o pavão e a sumaúma. Quando se exibe, o pavão também está dizendo: 'Olha como eu, contrário à aerodinâmica, consigo até voar. Eu me garanto, e garanto que meus genes merecem ser transmitidos para as gerações'. Como o Max, nosso querido pavão. E temos a sumaúma, uma árvore extraordinária, enorme, que reina sobre a floresta com raízes mínimas sob a terra. Estas raízes são as pernas de Milena. Quando tomba a grande árvore, as plantinhas à sombra morrem com o sol. Minha sumaúma frondosa, hoje abre-se um clarão na floresta. Milena está eliminada."

Postado por Sandro Sell

A punição como diversão a despeito da dor

Durante o Império Romano, báraros vencidos, marginais e contestadores à ordem romana, enfim, os que rompiam as normas, eram levados aos anfiteatros para lutarem contra “semelhantes” ou leões, a fim de divertirem ou entreterem aquele microcosmo social representado nas arquibancadas (GUARNIELO, Norberto Luiz. Violência como espetáculo: o pão, o sangue e o circo.).

No Ancien Régime, em frente ao Hôtel-De-Ville, durante os séculos XIV e XVIII, uma multidão se acotovelava para assistir e vibrar com enforcamentos, esquartejamentos, torturas e incinerações. Após a Revolução Francesa a assistência também lá comparecia, mas então, para assistirem o funcionamento da guilhotina. Comenta-se, inclusive, que quando da primeira execução por este instrumento – de Nicolas JacquesPelletier – a multidão saiu decepcionada com a rapidez do processo. O jornal francês La Chronique referendou o caráter “humanitário” da nova ferramenta: "Ela não mancha a mão de um homem da morte de seu semelhante, e a prontidão com a qual abate o culpado está mais de acordo com o espírito da lei, que pode muitas vezes ser severa, mas que não deve jamais ser cruel".
    No Brasil, em 27 de março de 2010, após a leitura do veredito da condenação de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, por volta das 0h 20min, centenas de pessoas, entre elas crianças levadas pelos pais, aplaudiam a decisão, acendiam fogos de artifícios e, em êxtase, gritavam e cantavam: “eia, eia, eia, eles vão para a cadeia!!”, "Pega lá, pega lá, pega lá, pra nós linchar!!!”...
   A população comemora e sorri! Apesar de todas as vidas desgraçadas... Da mãe e de sua família; dos pais e dos filhos de Alexandre e Anna Carolina e, principalmente, de Isabella. O silêncio teria sido a melhor manifestação de respeito ao drama familiar que todos nós assistimos.

                                              O tempo passa e a sede por sangue é a mesma...


Postado por Felipe Moreira de Oliveira

terça-feira, 30 de março de 2010

BOM E RUIM: APENAS MODOS DE PENSAR

É tendência dos seres humanos formar idéias universais e contrapor modelos, seja em relação às coisas da natureza, seja aquelas criadas a partir delas. Sim, criamos idéias que uma vez generalizadas se apresentam como modelos ideais a serem seguidos por todos e todas, sob pena de rejeição e/ou invisibilidade (por exemplo, o bom e o ruim, o perfeito e o imperfeito). Ocorre, porém, que quando as pessoas começaram a construir idéias universais, assim como a preferir um modelo ao invés de outros, resultou que cada qual chamou de bom ou perfeito aquilo que parecia acomodar-se aos ideais universais que se formaram e, ao contrário, nomeou de ruim ou imperfeito o que se apresentou com menor grau de acomodação em relação ao conceito do modelo imposto. E, de fato, na medida em que reduzimos as coisas a um único (e universal) grupo e as comparamos entre si, verificamos que umas são mais perfeitas (ou melhores) que as outras, ou, na medida em que lhe atribuímos alguma carga negativa, as consideramos imperfeitas (ou piores). Não há nada de errado nisto! Somos assim: valoramos e julgamos! Mas, temos que ser cientes que o bom e o ruim, o perfeito e o imperfeito, são apenas modos de pensar, noções que formamos a partir da comparação das coisas entre si. Nada mais. Ora, uma mesma coisa pode ser ao mesmo tempo boa, ruim ou indiferente. Por exemplo, uma música: para seus compositores ela pode ser boa, para os ouvintes ela pode ser ruim e para os surdos ela pode ser indiferente. Mas não é a música em si que é boa ou ruim! É a nossa que noção sobre ela. Consideramos as coisas na medida em que percebemos que elas nos afetam de alegria ou tristeza, nessa medida as chamamos de boas ou ruins. O importante é respeitar a diversidade de pensamentos e não excluir aquelas visões alternativas às nossas. É dizer: vincular e não separar!

Por: Prof. Ruben Rockenbach
(em 23/03/2010)

O escândalo da moderação ao comentário de todo gênero neste blog!

Amiguinho, leitor:

A equipe do blog foi acusada de contradição: como pode um espaço chamado cultura do controle ter moderador de comentários para controlar o que se fala? Colegas administrativistas, constitucionalistas, processualistas, mas, sobretudo eles, os civilistas, nos pegaram nesse lapso delituoso. Eles tem razão. Mea culpa explicitado. Vamos mudar. Tiraremos a moderação. Comentários imoderados passam a ser bem-vindos (ai, temo pela minha careca, pelas minhas orelhas de abano, pelo meu narizinho ostentoso, pelos meus erros do passado, minhas mal talhadas idéias, minha gravata lilás... - nossa, preciso de um livro de auto-ajuda!).
Além de cessar a odiosa prática censuresca, aceitamos penas restritivas de direitos, na modalidade "cesta básica" (sic), que doaremos para a sala dos professores.
Internamente, instauraremos uma sindicância  para ver quem pecou por ação (eu e/ou Ruben) e quem por omissão, todos os demais signatários do blog!, já que tinham a senha e são parceiros aqui, possuiam o dever e o poder de agir para evitar o resultado (crime omissivo impróprio contra a liberdade de expressão), sua não ação gerou - por causalidade jurídica não naturalística (hehe) - o resultado.
Inteligência da máxima: "Amigo que é amigo confessa co-autoria". 
A redação pede desculpas ao leitor: Desculpa: leitor!

Postado por Sandro Sell
    

Farra do boi e farra da sociedade

Não tenho simpatia pela farra do boi, como também não tenho por touradas, rodeios ou manifestações do gênero. Para mim poderiam acabar. Tenho sim, e muita, simpatia por churrascarias, circos com números de animais e não me importo muito sobre a forma com que os frangos são criados nas granjas, ou os porcos são transportados até os matadouros, desde que, é claro, cheguem ao açougue antes de sexta-feira. Acho que minha vontade de comer em rodízios de carne, até passar mal, é legítima, culturalmente estabelecida, e, por isso mesmo fora de discussão, não interessa quantos animais sejam necessários sacrificar para me satisfazer o apetite. Bois, búfalos, porcos, ovelhas, javalis, coelhos, frangos, codornas quero todos no meu prato, afinal estou pagando!
      Não concordo que crianças trabalhem, em hipótese alguma, ajudando seus pais a vender milho na praia, carpindo na roça ou faxinando no lar. Acho que isso irá comprometer-lhes o futuro. Defendo que lugar de criança é na escola, numa boa escola! E espero que nos horários de folga brinquem com seus pais, passeiem ao ar livre e comam bastante vegetais, sucos e coisas saudáveis. Amo muito tudo isso! Aceito, entretanto, que crianças-show trabalhem nas passarelas e, sobretudo, nas novelas, que possam ter aí sua carreira desde os cinco anos, que brilhem, "porque gente é pra brilhar", se não der tempo de freqüentar a escola? Ora, a televisão e o teatro são excelentes escolas. Depois, sempre é possível conciliar os horários de gravação com estudos por correspondência. Acho até que o lema protetivo dos pequenos deveria ser: "lugar de criança é na escola, salvo se estiver no palco".
      Os dois parágrafos acima ilustram bem o senso comum moral da sociedade classe-média brasileira do qual, em alguma medida, todos nós compartilhamos. Em sintonia esses parágrafos possuem não apenas a óbvia manifestação de hipocrisia relativista ("o que eu aceito é ético"), revelam também a intolerância absolutista ("o que eu não aceito, ou não compreendo, ou não faz parte da minha realidade, eu quero que seja, em qualquer hipótese, proibido"). Faz parte desse mesmo senso comum moral a limitação ideológica do âmbito do que pode ser discutido. Assim quando um defensor da farra do boi lembra a violência contra os animais em rodeios, nosso simplório moralista sentencia mais uma das pérolas poéticas do debate acusatório: "um erro não compensa o outro", que deve ser entendida como: "estamos aqui para discutir sua falta de ética, a minha é problema meu".
     No plano moral, os bois merecem respeito. No plano jurídico, a lei proíbe abusos, maus-tratos, feridas ou mutilações aos animais (art. 32 da Lei 9.605/98). Esse é o óbvio. O que é igualmente óbvio é que qualquer interpretação que se dê a essa lei – ou a qualquer outra - irá no sentido de proteger o pensamento cultural dominante. Ou seja: correr atrás do boi até ele cair de exaustão é conduta típica, criminosa; persegui-lo e matá-lo para converte-lo em salsicha é atividade econômica, legítima e correta; fazer o boi entrar no mar por medo dos farristas é abuso; fazer o tigre pular o círculo de fogo sob o chicote do domador é um espetáculo. São casos em que desrespeitando a velha regra de que se a conduta menos lesiva está proibida (cansar o boi) a mais lesiva (matá-lo) também deveria estar, o tal do argumento a fortiori, pois fica estranho quando se persegue o mínimo enquanto se autoriza o máximo.
      Ah, é claro, o que varia, nos casos acima citados, é a intenção de quem pratica a ação lesiva ao boi, o tal do dolodo agente. A intenção do farrista é se divertir à custa do boi, algo reprovável sob qualquer ponto de vista. Já a do cliente de churrascaria, não: quando vamos a esses templos de abuso da carne alheia (dos animais) não é com intuito de nos divertirmos à custa deles, não. Vamos às churrascarias por necessidade, pois quem freqüenta essas casas, que vendem rodízios a mais de 20 reais por pessoa, não dispõem de meios alternativos – menos lesivos - de matar a fome. Sendo assim, no mínimo, estaria o freqüentador de churrascaria isento de culpa, pois sua conduta cairia naquele negócio de inexigibilidade de conduta diversa: ninguém pode ser punido por fazer aquilo que não poderia ser feito de outra forma, se comer no rodízio me é uma necessidade imponderável, não posso ser reprovado por fazer essa única coisa que poderia ter feito.
     Tudo bem, se a solução pela isenção de culpa apresentada acima parece irônica demais, há outras saídas para continuar a dizer que quem corre atrás do boi é do mal enquanto quem financia a morte de muitos bois é do bem. Vamos apelar para o erro quanto à tipicidade da conduta: quem vai a uma churrascaria sequer se lembra de que o que lhe é servido à mesa tem alguma coisa a ver com as vidas que viviam em pastos; alucinado pela gula, algo plenamente justificável pelas circunstâncias, não tinha como saber que aquele porco que lhe está sendo agora servido foi aquele mesmo que berrou, mais do que os presos nos porões da ditadura, quando começaram os trabalhos do carrasco do matadouro. Acostumado a ver carnes de animais apenas acondicionadas em embalagens a vácuo, o cidadão comum confunde, justificadamente, um boi com uma fábrica de proteínas saborosas. Ironicamente, é só quando os farristas correm atrás de sua usina de proteínas é que o bom pai de família, agora convertido em telespectador da barbárie humana, se lembra de que onde há vida pode haver dor, o que, entretanto, não vai lhe impedir de enviar alguém à cozinha para ver se a costela já está no ponto.
     Juridicamente falando, matar muitos animais para saciar muita gula e pouca fome seria conduta não criminosa, todos sabemos, por ser socialmente aceitável, portanto desprovida de antijuridicidade. Seria mesmo um exercício regular de direito. Então se saliente que o que está em discussão quando se pretende criminalizar a farra do boi não é se o boi deve ser protegido de toda forma de sofrimento desnecessário, quer sirva à diversão ou à gula humana, o que está em questão é que práticas de violência igualmente culturais (churrascarias, rodeios ou farras do boi) teremos por socialmente aceitáveis. Portanto, o que está em jogo na farra do boi não é, como pensam muitos, um conflito entre natureza e cultura, entre direitos dos animais e direitos culturais. Não, esse é um debate cultura-cultura: entre a cultura de violência contra os animais exercida pela maioria moral (tida como legítima) e a cultura de violência contra os animais de minorias cultuarias (tida como escandalosa). Violência pratica-se cá e lá, o que varia é apenas sua legitimidade social.
   Tradicionalmente, práticas culturais de licitude duvidosas (circos de animais, atiradores de faca e crianças no trapézio, touradas, motéis, farras do boi, rodeios, churrascarias e boates privês) só conseguem o tão sonhado aceite social – a sua tão sonhada exclusão de ilicitude - caso se convertam em atividades econômicas, atraiam turistas e gerem empregos. Nesses casos, nossos freios morais amolecem, a lei evapora, os tribunais dizem que cada caso é um caso e que a melhor doutrina, para o caso, é aquela que diz que este caso não é o caso. Sustentam, então, nossos juristas, que os tempos são outros, que as leis devem ser interpretadas conforme sua historicidade e pronto. Todos nós concordamos. Mas e as crianças no circo? E os animais no picadeiro? E as moças profissionais das boates? E os touros para serem derrubados à unha? E os locais destinados a encontros para fins libidinosos? Ora, que eu pare com isso, a sociedade precisa de válvulas de escape. Precisa, sobretudo de válvulas de escape à sua própria hipocrisia.
     Dogmaticamente, dirão alguns, esse assunto da farra do boi não deve mais sequer ser discutido, afinal até mesmo o STF considerou que a prática da farra do boi é crime. Ao que dogmaticamente se poderia então responder: a farra do boi então é um tipo penal? E foi o STF que criou um crime, um tipo penal, ao arrepio do princípio da legalidade? Nullum crimen, nulla poena sine lege. Qual é a conduta típica? Farrear o boi? Em Santa Catarina, pela ação da polícia, parece ter virado conduta típica transportar bois na semana santa, tê-los em depósito, balançar camisetas à sua frente, beber nas proximidades de locais tradicionais de farra, fazer apologia da tal farra, correr atrás de boi, provocá-lo com palavras e atos (logo, logo será também por pensamento)... Nem o tipo penal do tráfico foi capaz de elencar tantas possibilidades de condutas típicas! Farrear o boi é daqueles tipos de crime (sic) envolventes, abertos, sem defesa, cabe nele tudo o que se quiser e mais um pouco. Daqueles que deixam o cidadão comum encarcerado, a comunidade revoltada e os juristas alienados pela falta de coragem profissional de – contra o peso da maioria moral e de suas próprias convicções particulares – alegar que, ainda que não simpatizemos com a tal prática, há regras e princípios estabelecidos a respeitar antes de se sair por aí anunciando que "por decisão de tal tribunal" a farra do boi tornou-se crime.
        Ah, estou me esquecendo das pedradas que muitas vezes sofrem os bois, dos ignorantes que machucam o animal, como se seu sofrer aumentasse a diversão? Não, desses casos não é preciso sequer falar, pois qualquer um sabe que, se houver tais atos, estaremos diante de crimes que merecem punição. Não o de "farra do boi", claro, mas outros devidamente definidos em nosso ordenamento jurídico. Não há dúvida, abusos sempre há. No futebol e suas torcidas, nos shows de rock, nos bailes funk, no trânsito e no carnaval. Vamos proibir tudo isso e evitaremos certamente que os abusados se passem.
       Punir os abusos, as ilegalidades, é dever das autoridades, mas presumir abusos, colocar malvados e brincalhões no mesmo saco, isso é igualmente abusivo. Quer eu ou a sociedade simpatizem ou não com as práticas alheias, esses alheios estão protegidos das minhas intervenções de antipatia pelo império da lei. Crie-se uma lei proibindo a farra do boi, seguindo os princípios da estrita legalidade penal e então poderemos discutir dogmaticamente sua ilicitude. Por enquanto, está um a zero para os farristas: farreamos as regras da dogmática para criar um tipo penal ad hoc.
       O problema é que quando uma prática cultural no seu todo é considerada errada – mesmo que haja nela vários aspectos legítimos e não criminosos - é que se a joga completamente para a clandestinidade, para fora do âmbito de supervisão da autoridade que poderia agir mantendo-a dentro do âmbito da licitude (não é essa a função de tantos policiais nas partidas de futebol?). Quando toda uma prática cultural torna-se clandestina, tendo que ser feita de madrugada, no mato, longe da mídia e da polícia, aqueles que pretendem apenas brincar com o boi terão que conviver lado a lado com os perversos, e todos serão igualmente tidos como criminosos. Não há mais trigo, tudo vira joio.
     Logo será sexta-feira santa. Católicos não irão a churrascarias. Será um dia de trégua na gula sobre a carne de outras espécies de vida. Sexta será, portanto, o único dia em que desprovidos de hipocrisia podemos legitimamente condenar a farra do boi. A partir do dia seguinte, o consumo exagerado de carne que já foi vida nos pastos será liberada, e com ela toda nossa hipocrisia.

Postado por Sandro Sell
Texto inserido no Jus Navigandi nº 1403 (5.5.2007).

Elaborado por Sandro C. Sell  em 04.2007

segunda-feira, 29 de março de 2010

A verdade e o caso Isabella

A verdade apurada num processo penal não é necessariamente a verdade "verdadeira", mas aquela que resulta da confluência entre os elementos probatórios apresentados nos autos e a capacidade de ligá-los de forma coerente (espera-se) e razoavelmente consistente (exige-se) à tese que deve sair vencedora (condenação/absolvição ou seus intermediários). Nem tudo que é consistente pode ser prova (as provas devem ser lícitas), e nem tudo que é inconsistente não pode vir a sê-lo se, por erro ou preconceito dos julgadores, vier a ser admitida como tal.
As provas aprovadas previamente serão então submetidas ao crivo do contraditório e, se ambos, defesa e acusação, forem sagazes e zelosos, acredita-se que só aquelas de fato relevantes para o deslinde da questão sobreviverão ao debate. A falsidade, o erro e a malícia, eventualmente travestidos de prova, cairão por terra, serão desmascarados entre as falas e as réplicas. E os julgadores poderão dar sua decisão de direito esclarecida, uma vez que já não tem mais dúvidas sobre o fato.

Mas, fragilidade das coisas humanas, as provas são o quê? Banalidades como falas de testemunhas (nem sempre honestas ou cientes do que afirmam), cenas de crime (quase nunca adequadamente preservadas), opinião de peritos (os fatos só falam “por si” nos seriados do CSI ou para quem é analfabeto filosófico), inferências de julgadores – juízes ou jurados – nem sempre muito profundos em seus raciocínios.

Hoje se julga os Nardoni. Serão condenados, segundo a aposta de todos. A opinião pública (opinião publicada) fará com que as únicas ligações possíveis entre tantas provas e presunções levem a inferência dos julgadores para um único lugar: ambos, pai e madrasta, são culpados. Talvez sejam mesmo. Mas em que medida deve ser atribuída à culpa de cada um? Igualá-la por presunção (os dois quiseram e fizeram tudo junto) só confirma a distância entre processo e verdade. Há tantas possibilidades de narrar a mesma morte com os mesmos elementos de maneiras tão diversas!

Isabella morreu e não havia motivos lógicos, morais, jurídicos ou de qualquer ordem para ter morrido. Foi uma perda cruel, que tocou no coração de todos nós. Aqueles que provocaram tão triste fato merecem a pena correspondente à sua culpabilidade. Não há, por óbvio, uma pena exata. Entre os 12 e os 30 anos previstos para o homicídio doloso qualificado há muita margem para o juiz dar sua pessoal valoração ao caso. É da regra do jogo. Uma opinião pessoal fundamentada ainda é uma opinião pessoal. A disparidade de pena para crimes semelhantes e pessoas com histórico penal igualmente semelhante dá uma idéia clara disso (e o argumento de que “cada caso é um caso”, dado sua obviedade desnecessária, só pode significar um recurso retórico para esconder que cada julgador – ainda que no mesmo caso – é um julgador diferenciado e um caso à parte).

Voltando aos Nardoni: se o resultado do julgamento coincidir com a expectativa popular, a Nação talvez se sinta aliviada com a idéia de que “a justiça” foi feita. Mas nos juristas e pessoas esclarecidas permanecerá a dúvida de sempre. A conclusão do julgamento dirá o que se decidiu ser “a verdade”, mas, como qualquer verdade decidida no voto, será uma mera convenção, um mero decidir acerca de possibilidades. Quatro votos de sete estabelecerão a verdade no mundo paralelo do Direito. Mas o que aconteceu definitivamente naquele triste fim de tarde para Isabella, isso permanecerá um mistério. A decisão judicial pode encerrar a questão jurídica sobre a verdade do processo, mas não a questão epistemológica sobre a verdade dos fatos. È nosso limite. O limite humano do conhecimento.

Haveria outra saída? Parece que não. A verdade estabelecida no processo é a melhor garantia contra erros e injustiças que conseguimos construir enquanto humanidade, mas ainda assim é precária e arriscada. É a solução funcional que a civilização encontrou pra lidar com o problema da imputação criminal, mas confundi-la com a verdade “verdadeira”, aí já é estar dando prova de outro fato: de que não se entendeu nada, da verdade ou do processo.

Bibliografia:
BLACKBURN, Simon. Truth: a guide for the perplexed. London: Oxford Press, 2005.
BOUDON, Raymond. O justo e o verdadeiro. Lisboa: Piaget, 1996
GUZMÁN, Nicolás. La verdad em El processo penal. Buenos Aires: Porto, 2006.
MUNOZ CONDE, Francisco. La busca de La verdad en el processo penal. Buenos Aires: Hammurabi, 2000.


Elaborado em 23/03/2010
Postado por Sandro Sell

domingo, 28 de março de 2010

Dom Quixote em 5 frases


Cada um é como Deus o fez, e muitas vezes até pior.
Um homen não é mais que o outro, apenas um faz mais que o outro.
Uma fé que não duvida, é uma fé morta.
Enquanto se ameaça, descansa o ameaçado.
Ah, memória, inimiga mortal do meu repouso!







Postado por Sandro Sell

Os civilistas, os penalistas e as Frenéticas

Diziam as impagáveis  Frenéticas (crianças abaixo de 30 anos consultem o youtube): "Mas o que mais me dói, mais o que mais me dói: você escolheu errado seu super-herói". E ouvir essa música 20 anos depois da última ouvida ("última oitiva" diriam os juristas que não tem ouvido e sim oivido), somado ao vício de escrever sobre Direito, levou-me a seguinte reflexão que, como a música das meninas citadas, deve chegar ao mundo cheia de não-me-toques e data-vênias:
O herói do vizinho é sempre mais verdinho que o nosso? Ele será sempre mais green, mais Hulk, mais super? Tipo: manda o seu herói lá em casa que o meu já se entregou para Jesus e para a kiptonita?
Com efeito (um tanto retardado, admito), minhas conversas com os amigos civilistas (particularmente os professores de Direito Civil) em comparação as que tenho com meus amigos penalistas (professores de Direito Penal, sobretudo) tem me levado à paradoxal conclusão (conclusão pessoal e intuitiva) de que: enquanto os penalistas querem cada vez menos penas e uma relativização das punições, os civilistas tendem a acreditar que mais penas é o que falta para consertar à sociedade. É como se, diante de uma briguinha de boate, os penalistas fossem da turma do deixa-disso, enquanto os civilistas iriam em marcha convicta às delegacias para fazer a competente notitia criminis. Será que é possível inferir que os penalistas achariam que uma indenização civil daria um jeito em brigas desse tipo, enquanto os civilistas prefeririam os acusados na cadeia? Os penalistas acharaim que a pena não resolve nada enquanto os civilistas achariam que indenização por si só é pouco? "Me empresta a tua grama, vizinho, que a minha vive com dor de cabeça".
Vai saber.
Com a palavra meus ilustrados amigos professores civilistas: Márcio Harger, Geyson Gonçalves, Denise, Doris, Eliseu e toda essa galera inteligente, bem-humorada e muitíssimo bem-vestida da área Cívil.
Volto à oitiva das Frenéticas no youtube.
Postado por Sandro Sell (a propósito, além do Ruben, alguém mais posta nesse blog?) 

sábado, 27 de março de 2010

O advogado é o terceiro acusado


O advogado Roberto Podval: vaias e pontapés para quem defende


A imprensa divulgou que o Advogado do casal acusado de matar a menina Isabella Nardoni foi vaiado e agredido nas imediações do Fórum de Santana, lugar do julgamento. É um fato a se lamentar muito, porque quem agride um advogado por seu trabalho:
1)Não sabe que é um direito básico de toda pessoa (inocente ou culpada) ter um defensor ao seu lado;
2) Não sabe o que é um laudo pericial, pois se soubesse também teria suas dúvidas sobre os que até agora foram apresentados como "definitivos" no caso Isabella;
3) Deveria rasgar a Constituição e se mudar para uma ditadura onde não haja diferença entre suspeitos e culpados;
4) Não sabe que se não houvesse um advogado na defesa não haveria julgamento, e sim justiçamento primitivo;
5) Não sabe que toda parcialidade que eventualmente se possa atribuir ao advogado está presente também no lado da acusação (ou seu grau de maturidade é tão raso que ainda acredita que um lado é sempre bandido e o outro sempre e somente mocinho?);
6) Não acredita na justiça - nem na dos homens (porque acha que o advogado pode destruí-la) nem na de Deus (porque acha que o advogado pode confundir até a Onisciência);
7) Diz-se defensor da sociedade mas não passa de um histérico que, sem autocontrole, transforma sua opinião em agressão criminosa (parece que é de um descontrole semelhante que o casal Nardoni é acusado);
8) É alguém que se continuar agindo assim, vai logo ter que contratar um advogado para defendê-lo!


Volto a minha opinião de sempre: não sei o que aconteceu no caso Isabella. Suspeito dos acusados (como todo mundo que só ouviu as mesmas fontes), mas como profissional não tenho opinião formada. Parece que muitos que tiveram acesso aos autos também não. Meu interesse - pessoal e profissional - é que haja uma resposta, uma penalização, para aqueles que de fato cometeram o crime (provavelmente os próprios) e na medida da sua culpabilidade. Se eles serão condenados ou não, dependerá de outras pessoas que estão escutando todas as informações relevantes (da acusação e da defesa) sobre o triste evento. Defendo sobretudo as regras do jogo: acusação baseada em fatos, defesa técnica e resultado consciente. O resto é histeria, vaias e chutes. 

Postado por Sandro Sell

A caridade é paciente...


Postado por Sandro Sell

Sentença do Caso Isabella Nardoni

VISTOS
1. ALEXANDRE ALVES NARDONI e ANNA CAROLINA TROTTA PEIXOTO JATOBÁ, qualificados nos autos, foram denunciados pelo Ministério Público porque no dia 29 de março de 2.008, por volta de 23:49 horas, na rua Santa Leocádia, nº 138, apartamento 62, vila Isolina Mazei, nesta Capital, agindo em concurso e com identidade de propósitos, teriam praticado crime de homicídio triplamente qualificado pelo meio cruel (asfixia mecânica e sofrimento intenso), utilização de recurso que impossibilitou a defesa da ofendida (surpresa na esganadura e lançamento inconsciente pela janela) e com o objetivo de ocultar crime anteriormente cometido (esganadura e ferimentos praticados anteriormente contra a mesma vítima) contra a menina ISABELLA OLIVEIRA NARDONI.

Aponta a denúncia também que os acusados, após a prática do crime de homicídio referido acima, teriam incorrido também no delito de fraude processual, ao alterarem o local do crime com o objetivo de inovarem artificiosamente o estado do lugar e dos objetos ali existentes, com a finalidade de induzir a erro o juiz e os peritos e, com isso, produzir efeito em processo penal que viria a ser iniciado.
2. Após o regular processamento do feito em Juízo, os réus acabaram sendo pronunciados, nos termos da denúncia, remetendo-se a causa assim a julgamento ao Tribunal do Júri, cuja decisão foi mantida em grau de recurso.
3. Por esta razão, os réus foram então submetidos a julgamento perante este Egrégio 2º Tribunal do Júri da Capital do Fórum Regional de Santana, após cinco dias de trabalhos, acabando este Conselho Popular, de acordo com o termo de votação anexo, reconhecendo que os acusados praticaram, em concurso, um crime de homicídio contra a vítima Isabella Oliveira Nardoni, pessoa menor de 14 anos, triplamente qualificado pelo meio cruel, pela utilização de recurso que dificultou a defesa da vítima e para garantir a ocultação de delito anterior, ficando assim afastada a tese única sustentada pela Defesa dos réus em Plenário de negativa de autoria.
Além disso, reconheceu ainda o Conselho de Sentença que os réus também praticaram, naquela mesma ocasião, o crime conexo de fraude processual qualificado.
É a síntese do necessário.

FUNDAMENTAÇÃO.
4. Em razão dessa decisão, passo a decidir sobre a pena a ser imposta a cada um dos acusados em relação a este crime de homicídio pelo qual foram considerados culpados pelo Conselho de Sentença.
Uma vez que as condições judiciais do art. 59 do Código Penal não se mostram favoráveis em relação a ambos os acusados, suas penas-base devem ser fixadas um pouco acima do mínimo legal.
Isto porque a culpabilidade, a personalidade dos agentes, as circunstâncias e as conseqüências que cercaram a prática do crime, no presente caso concreto, excederam a previsibilidade do tipo legal, exigindo assim a exasperação de suas reprimendas nesta primeira fase de fixação da pena, como forma de reprovação social à altura que o crime e os autores do fato merecem.
Com efeito, as circunstâncias específicas que envolveram a prática do crime ora em exame demonstram a presença de uma frieza emocional e uma insensibilidade acentuada por parte dos réus, os quais após terem passado um dia relativamente tranqüilo ao lado da vítima, passeando com ela pela cidade e visitando parentes, teriam, ao final do dia, investido de forma covarde contra a mesma, como se não possuíssem qualquer vínculo afetivo ou emocional com ela, o que choca o sentimento e a sensibilidade do homem médio, ainda mais porque o conjunto probatório trazido aos autos deixou bem caracterizado que esse desequilíbrio emocional demonstrado pelos réus constituiu a mola propulsora para a prática do homicídio.
De igual forma relevante as conseqüências do crime na presente hipótese, notadamente em relação aos familiares da vítima.
Porquanto não se desconheça que em qualquer caso de homicídio consumado há sofrimento em relação aos familiares do ofendido, no caso específico destes autos, a angústia acima do normal suportada pela mãe da criança Isabella, Srª. Ana Carolina Cunha de Oliveira, decorrente da morte da filha, ficou devidamente comprovada nestes autos, seja através do teor de todos os depoimentos prestados por ela nestes autos, seja através do laudo médico-psiquiátrico que foi apresentado por profissional habilitado durante o presente julgamento, após realizar consulta com a mesma, o que impediu inclusive sua permanência nas dependências deste Fórum, por ainda se encontrar, dois anos após os fatos, em situação aguda de estresse (F43.0 - CID 10), face ao monstruoso assédio a que a mesma foi obrigada a ser submetida como decorrência das condutas ilícitas praticadas pelos réus, o que é de conhecimento de todos, exigindo um maior rigor por parte do Estado-Juiz quanto à reprovabilidade destas condutas.
A análise da culpabilidade, das personalidades dos réus e das circunstâncias e conseqüências do crime, como foi aqui realizado, além de possuir fundamento legal expresso no mencionado art. 59 do Código Penal, visa também atender ao princípio da individualização da pena, o qual constitui vetor de atuação dentro da legislação penal brasileira, na lição sempre lúcida do professor e magistrado Guilherme de Souza Nucci:
"Quanto mais se cercear a atividade individualizadora do juiz na aplicação da pena, afastando a possibilidade de que analise a personalidade, a conduta social, os antecedentes, os motivos, enfim, os critérios que são subjetivos, em cada caso concreto, mais cresce a chance de padronização da pena, o que contraria, por natureza, o princípio constitucional da individualização da pena, aliás, cláusula pétrea" ("Individualização da Pena", Ed. RT, 2ª edição, 2007, pág. 195).
Assim sendo, frente a todas essas considerações, majoro a pena-base para cada um dos réus em relação ao crime de homicídio praticado por eles, qualificado pelo fato de ter sido cometido para garantir a ocultação de delito anterior (inciso V, do parágrafo segundo do art. 121 do Código Penal) no montante de 1/3 (um terço), o que resulta em 16 (dezesseis) anos de reclusão, para cada um deles.
Como se trata de homicídio triplamente qualificado, as outras duas qualificadoras de utilização de meio cruel e de recurso que dificultou a defesa da vítima (incisos III e IV, do parágrafo segundo do art. 121 do Código Penal), são aqui utilizadas como circunstâncias agravantes de pena, uma vez que possuem previsão específica no art. 61, inciso II, alíneas "c" e "d" do Código Penal.
Assim, levando-se em consideração a presença destas outras duas qualificadoras, aqui admitidas como circunstâncias agravantes de pena, majoro as reprimendas fixadas durante a primeira fase em mais ¼ (um quarto), o que resulta em 20 (vinte) anos de reclusão para cada um dos réus.
Justifica-se a aplicação do aumento no montante aqui estabelecido de ¼ (um quarto), um pouco acima do patamar mínimo, posto que tanto a qualificadora do meio cruel foi caracterizada na hipótese através de duas ações autônomas (asfixia e sofrimento intenso), como também em relação à qualificadora da utilização de recurso que impossibilitou a defesa da vítima (surpresa na esganadura e lançamento inconsciente na defenestração).
Pelo fato do co-réu Alexandre ostentar a qualidade jurídica de genitor da vítima Isabella, majoro a pena aplicada anteriormente a ele em mais 1/6 (um sexto), tal como autorizado pelo art. 61, parágrafo segundo, alínea "e" do Código Penal, o que resulta em 23 (vinte e três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.
Como não existem circunstâncias atenuantes de pena a serem consideradas, torno definitivas as reprimendas fixadas acima para cada um dos réus nesta fase.
Por fim, nesta terceira e última fase de aplicação de pena, verifica-se a presença da qualificadora prevista na parte final do parágrafo quarto, do art. 121 do Código Penal, pelo fato do crime de homicídio doloso ter sido praticado contra pessoa menor de 14 anos, daí porque majoro novamente as reprimendas estabelecidas acima em mais 1/3 (um terço), o que resulta em 31 (trinta e um) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão para o co-réu Alexandre e 26 (vinte e seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão para a co-ré Anna Jatobá.
Como não existem outras causas de aumento ou diminuição de pena a serem consideradas nesta fase, torno definitivas as reprimendas fixadas acima.
Quanto ao crime de fraude processual para o qual os réus também teriam concorrido, verifica-se que a reprimenda nesta primeira fase da fixação deve ser estabelecida um pouco acima do mínimo legal, já que as condições judiciais do art. 59 do Código Penal não lhe são favoráveis, como já discriminado acima, motivo pelo qual majoro em 1/3 (um terço) a pena-base prevista para este delito, o que resulta em 04 (quatro) meses de detenção e 12 (doze) dias-multa, sendo que o valor unitário de cada dia-multa deverá corresponder a 1/5 (um quinto) do valor do salário mínimo, uma vez que os réus demonstraram, durante o transcurso da presente ação penal, possuírem um padrão de vida compatível com o patamar aqui fixado.
Inexistem circunstâncias agravantes ou atenuantes de pena a serem consideradas.
Presente, contudo, a causa de aumento de pena prevista no parágrafo único do art. 347 do Código Penal, pelo fato da fraude processual ter sido praticada pelos réus com o intuito de produzir efeito em processo penal ainda não iniciado, as penas estabelecidas acima devem ser aplicadas em dobro, o que resulta numa pena final para cada um deles em relação a este delito de 08 (oito) meses de detenção e 24 (vinte e quatro) dias-multa, mantido o valor unitário de cada dia-multa estabelecido acima.
5. Tendo em vista que a quantidade total das penas de reclusão ora aplicadas aos réus pela prática do crime de homicídio triplamente qualificado ser superior a 04 anos, verifica-se que os mesmos não fazem jus ao benefício da substituição destas penas privativas de liberdade por restritivas de direitos, a teor do disposto no art. 44, inciso I do Código Penal.
Tal benefício também não se aplica em relação às penas impostas aos réus pela prática do delito de fraude processual qualificada, uma vez que as além das condições judiciais do art. 59 do Código Penal não são favoráveis aos réus, há previsão específica no art. 69, parágrafo primeiro deste mesmo diploma legal obstando tal benefício de substituição na hipótese.
6. Ausentes também as condições de ordem objetivas e subjetivas previstas no art. 77 do Código Penal, já que além das penas de reclusão aplicadas aos réus em relação ao crime de homicídio terem sido fixadas em quantidades superiores a 02 anos, as condições judiciais do art. 59 não são favoráveis a nenhum deles, como já especificado acima, o que demonstra que não faz jus também ao benefício da suspensão condicional do cumprimento de nenhuma destas penas privativas de liberdade que ora lhe foram aplicadas em relação a qualquer dos crimes.
7. Tendo em vista o disposto no art. 33, parágrafo segundo, alínea "a" do Código Penal e também por ter o crime de homicídio qualificado a natureza de crimes hediondos, a teor do disposto no artigo 2o, da Lei n° 8.072/90, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.464/07, os acusados deverão iniciar o cumprimento de suas penas privativas de liberdade em regime prisional FECHADO.

Quanto ao delito de fraude processual qualificada, pelo fato das condições judiciais do art. 59 do Código Penal não serem favoráveis a qualquer dos réus, deverão os mesmos iniciar o cumprimento de suas penas privativas de liberdade em relação a este delito em regime prisional SEMI-ABERTO, em consonância com o disposto no art. 33, parágrafo segundo, alínea "c" e seu parágrafo terceiro, daquele mesmo Diploma Legal.
8. Face à gravidade do crime de homicídio triplamente qualificado praticado pelos réus e à quantidade das penas privativas de liberdade que ora lhes foram aplicadas, ficam mantidas suas prisões preventivas para garantia da ordem pública, posto que subsistem os motivos determinantes de suas custódias cautelares, tal como previsto nos arts. 311 e 312 do Código de Processo Penal, devendo aguardar detidos o trânsito em julgado da presente decisão.
Como este Juízo já havia consignado anteriormente, quando da prolação da sentença de pronúncia - respeitados outros entendimentos em sentido diverso - a manutenção da prisão processual dos acusados, na visão deste julgador, mostra-se realmente necessária para garantia da ordem pública, objetivando acautelar a credibilidade da Justiça em razão da gravidade do crime, da culpabilidade, da intensidade do dolo com que o crime de homicídio foi praticado por eles e a repercussão que o delito causou no meio social, uma vez que a prisão preventiva não tem como único e exclusivo objetivo prevenir a prática de novos crimes por parte dos agentes, como exaustivamente tem sido ressaltado pela doutrina pátria, já que evitar a reiteração criminosa constitui apenas um dos aspectos desta espécie de custódia cautelar.
Tanto é assim que o próprio Colendo Supremo Tribunal Federal já admitiu este fundamento como suficiente para a manutenção de decreto de prisão preventiva:

"HABEAS CORPUS. QUESTÃO DE ORDEM. PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR. ALEGADA NULIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE. DECRETO DE PRISÃO CAUTELAR QUE SE APÓIA NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO SUPOSTAMENTE PRATICADO, NA NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA "CREDIBILIDADE DE UM DOS PODERES DA REPÚBLICA", NO CLAMOR POPULAR E NO PODER ECONÔMICO DO ACUSADO. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO NA CONCLUSÃO DO PROCESSO."
"O plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 80.717, fixou a tese de que o sério agravo à credibilidade das instituições públicas pode servir de fundamento idôneo para fins de decretação de prisão cautelar, considerando, sobretudo, a repercussão do caso concreto na ordem pública." (STF, HC 85298-SP, 1ª Turma, rel. Min. Carlos Aires Brito, julg. 29.03.2005, sem grifos no original).

Portanto, diante da hediondez do crime atribuído aos acusados, pelo fato de envolver membros de uma mesma família de boa condição social, tal situação teria gerado revolta à população não apenas desta Capital, mas de todo o país, que envolveu diversas manifestações coletivas, como fartamente divulgado pela mídia, além de ter exigido também um enorme esquema de segurança e contenção por parte da Polícia Militar do Estado de São Paulo na frente das dependências deste Fórum Regional de Santana durante estes cinco dias de realização do presente julgamento, tamanho o número de populares e profissionais de imprensa que para cá acorreram, daí porque a manutenção de suas custódias cautelares se mostra necessária para a preservação da credibilidade e da respeitabilidade do Poder Judiciário, as quais ficariam extremamente abaladas caso, agora, quando já existe decisão formal condenando os acusados pela prática deste crime, conceder-lhes o benefício de liberdade provisória, uma vez que permaneceram encarcerados durante toda a fase de instrução.
Esta posição já foi acolhida inclusive pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, como demonstra a ementa de acórdão a seguir transcrita:

"LIBERDADE PROVISÓRIA - Benefício pretendido - Primariedade do recorrente - Irrelevância - Gravidade do delito - Preservação do interesse da ordem pública - Constrangimento ilegal inocorrente." (In JTJ/Lex 201/275, RSE nº 229.630-3, 2ª Câm. Crim., rel. Des. Silva Pinto, julg. em 09.06.97).

O Nobre Desembargador Caio Eduardo Canguçu de Almeida, naquele mesmo voto condutor do v. acórdão proferido no mencionado recurso de "habeas corpus", resume bem a presença dos requisitos autorizadores da prisão preventiva no presente caso concreto:
"Mas, se um e outro, isto é, se clamor público e necessidade da preservação da respeitabilidade de atuação jurisdicional se aliarem à certeza quanto à existência do fato criminoso e a veementes indícios de autoria, claro que todos esses pressupostos somados haverão de servir de bom, seguro e irrecusável fundamento para a excepcionalização da regra constitucional que presumindo a inocência do agente não condenado, não tolera a prisão antecipada do acusado."
E, mais à frente, arremata:
"Há crimes, na verdade, de elevada gravidade, que, por si só, justificam a prisão, mesmo sem que se vislumbre risco ou perspectiva de reiteração criminosa. E, por aqui, todos haverão de concordar que o delito de que se trata, por sua gravidade e característica chocante, teve incomum repercussão, causou intensa indignação e gerou na população incontrolável e ansiosa expectativa de uma justa contraprestação jurisdicional. A prevenção ao crime exige que a comunidade respeite a lei e a Justiça, delitos havendo, tal como o imputado aos pacientes, cuja gravidade concreta gera abalo tão profundo naquele sentimento, que para o restabelecimento da confiança no império da lei e da Justiça exige uma imediata reação. A falta dela mina essa confiança e serve de estímulo à prática de novas infrações, não sendo razoável, por isso, que acusados por crimes brutais permaneçam livre, sujeitos a uma conseqüência remota e incerta, como se nada tivessem feito." (sem grifos no original).
Nessa mesma linha de raciocínio também se apresentou o voto do não menos brilhante Desembargador revisor, Dr. Luís Soares de Mello que, de forma firme e consciente da função social das decisões do Poder Judiciário, assim deixou consignado:

"Aquele que está sendo acusado, e com indícios veementes, volte-se a dizer, de tirar de uma criança, com todo um futuro pela frente, aquilo que é o maior 'bem' que o ser humano possui - 'a vida' - não pode e não deve ser tratado igualmente a tantos outros cidadãos de bem e que seguem sua linha de conduta social aceitável e tranqüila.
E o Judiciário não pode ficar alheio ou ausente a esta preocupação, dês que a ele, em última instância, é que cabe a palavra e a solução.
Ora.
Aquele que está sendo acusado, 'em tese', mas por gigantescos indícios, de ser homicida de sua 'própria filha' - como no caso de Alexandre - e 'enteada' -aqui no que diz à Anna Carolina - merece tratamento severo, não fora o próprio exemplo ao mais da sociedade.
Que é também função social do Judiciário.
É a própria credibilidade da Justiça que se põe à mostra, assim." (sem grifos no original).
Por fim, como este Juízo já havia deixado consignado anteriormente, ainda que se reconheça que os réus possuem endereço fixo no distrito da culpa, posto que, como noticiado, o apartamento onde os fatos ocorreram foi adquirido pelo pai de Alexandre para ali estabelecessem seu domicílio, com ânimo definitivo, além do fato de Alexandre, como provedor da família, possuir profissão definida e emprego fixo, como ainda pelo fato de nenhum deles ostentarem outros antecedentes criminais e terem se apresentado espontaneamente à Autoridade Policial para cumprimento da ordem de prisão temporária que havia sido decretada inicialmente, isto somente não basta para assegurar-lhes o direito à obtenção de sua liberdade durante o restante do transcorrer da presente ação penal, conforme entendimento já pacificado perante a jurisprudência pátria, face aos demais aspectos mencionados acima que exigem a manutenção de suas custódias cautelares, o que, de forma alguma, atenta contra o princípio constitucional da presunção de inocência:
"RHC - PROCESSUAL PENAL - PRISÃO PROVISÓRIA - A primariedade, bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita não impedem, por si só, a prisão provisória" (STJ, 6ª Turma, v.u., ROHC nº 8566-SP, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, julg. em 30.06.1999).
"HABEAS CORPUS . HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. ASSEGURAR A INSTRUÇÃO CRIMINAL. AMEAÇA A TESTEMUNHAS. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. ORDEM DENEGADA.
1. A existência de indícios de autoria e a prova de materialidade, bem como a demonstração concreta de sua necessidade, lastreada na ameaça de testemunhas, são suficientes para justificar a decretação da prisão cautelar para garantir a regular instrução criminal, principalmente quando se trata de processo de competência do Tribunal do Júri.
2. Nos processos de competência do Tribunal Popular, a instrução criminal exaure-se definitivamente com o julgamento do plenário (arts. 465 a 478 do CPP).
3. Eventuais condições favoráveis ao paciente - tais como a primariedade, bons antecedentes, família constituída, emprego e residência fixa - não impedem a segregação cautelar, se o decreto prisional está devidamente fundamentado nas hipóteses que autorizam a prisão preventiva. Nesse sentido: RHC 16.236/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 17/12/04; RHC 16.357/PR, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 9/2/05; e RHC 16.718/MT, de minha relatoria, DJ de 1º/2/05).
4. Ordem denegada. (STJ, 5ª Turma, v.u., HC nº 99071/SP, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julg. em 28.08.2008).
Ademais, a falta de lisura no comportamento adotado pelos réus durante o transcorrer da presente ação penal, demonstrando que fariam tudo para tentar, de forma deliberada, frustrar a futura aplicação da lei penal, posto que após terem fornecido material sanguíneo para perícia no início da apuração policial e inclusive confessado este fato em razões de recurso em sentido estrito, apegaram-se a um mero formalismo, consistente na falta de assinatura do respectivo termo de coleta, para passarem a negar, de forma veemente, inclusive em Plenário durante este julgamento, terem fornecido aquelas amostras de sangue, o que acabou sendo afastado posteriormente, após nova coleta de material genético dos mesmos para comparação com o restante daquele material que ainda estava preservado no Instituto de Criminalística.
Por todas essas razões, ficam mantidas as prisões preventivas dos réus que haviam sido decretadas anteriormente por este Juízo, negando-lhes assim o direito de recorrerem em liberdade da presente decisão condenatória.


DECISÃO.
9. Isto posto, por força de deliberação proferida pelo Conselho de Sentença que JULGOU PROCEDENTE a acusação formulada na pronúncia contra os réus ALEXANDRE ALVES NARDONI e ANNA CAROLINA TROTTA PEIXOTO JATOBÁ, ambos qualificados nos autos, condeno-os às seguintes penas:
a) co-réu ALEXANDRE ALVES NARDONI:- pena de 31 (trinta e um) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, pela prática do crime de homicídio contra pessoa menor de 14 anos, triplamente qualificado, agravado ainda pelo fato do delito ter sido praticado por ele contra descendente, tal como previsto no art. 121, parágrafo segundo, incisos III, IV e V c.c. o parágrafo quarto, parte final, art. 13, parágrafo segundo, alínea "a" (com relação à asfixia) e arts. 61, inciso II, alínea "e", segunda figura e 29, todos do Código Penal, a ser cumprida inicialmente em regime prisional FECHADO, sem direito a "sursis";- pena de 08 (oito) meses de detenção, pela prática do crime de fraude processual qualificada, tal como previsto no art. 347, parágrafo único do Código Penal, a ser cumprida inicialmente em regime prisional SEMI-ABERTO, sem direito a "sursis" e 24 (vinte e quatro) dias-multa, em seu valor unitário mínimo.
B) co-ré ANNA CAROLINA TROTTA PEIXOTO JATOBÁ:
- pena de 26 (vinte e seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão, pela prática do crime de homicídio contra pessoa menor de 14 anos, triplamente qualificado, tal como previsto no art. 121, parágrafo segundo, incisos III, IV e V c.c. o parágrafo quarto, parte final e art. 29, todos do Código Penal, a ser cumprida inicialmente em regime prisional FECHADO, sem direito a "sursis";
- pena de 08 (oito) meses de detenção, pela prática do crime de fraude processual qualificada, tal como previsto no art. 347, parágrafo único do Código Penal, a ser cumprida inicialmente em regime prisional SEMI-ABERTO, sem direito a "sursis" e 24 (vinte e quatro) dias-multa, em seu valor unitário mínimo.
10. Após o trânsito em julgado, feitas as devidas anotações e comunicações, lancem-se os nomes dos réus no livro Rol dos Culpados, devendo ser recomendados, desde logo, nas prisões em que se encontram recolhidos, posto que lhes foi negado o direito de recorrerem em liberdade da presente decisão.
11. Esta sentença é lida em público, às portas abertas, na presença dos réus, dos Srs. Jurados e das partes, saindo os presentes intimados.
Plenário II do 2º Tribunal do Júri da Capital, às 00:20 horas, do dia 27 de março de 2.010.
Registre-se e cumpra-se.
MAURÍCIO FOSSEN
Juiz de Direito

O que eu, Sandro, não entendi:
1.Foram dois crimes tratados de forma diferenciada, a esganadura (crime 1) depois o lançamento do prédio (crime 2)? Isso seria lesão corporal + homicídio doloso? Se for assim, consigo assimilar a qualificadora do "para garantir a ocultação de outro crime (art. 121, parágrafo segundo, V)" . Mas se foi uma progressão criminosa (a lesão virou homicídio, dolo geral, essas coisas), como parece ter sido o sentido da decisão, então a morte da Isabella foi feita para ocutar a si mesma? Mataram a Isabella para ocultar que a mataram!? (Tudo bem, foram os jurados que votaram pela qualificadora. Mas então, a bem da técnica, não poderia o Juiz ter deixado como qualificadora o incontroverso meio cruel e - seis por meia dúzia - ter colocado o objetivo de ocultação em outra fase da dosimetria?). 
2. As sempre complicadas circunstâncias judiciais - quando é que vão declarar a inscontitucionalidade desse artigo 59, my God Zaffaroni!, - que julga personalidade de pessoas por leigos nas ciências psi, que então presumem "frieza dos acusados" sem laudo técnico, essas coisas que a lei permite para além do bom senso. O 1/3 de aumento na primeira fase é muito opinitivo, impressionista e, na minha sempre equivocada e humilde avaliação, fere as garantias constitucionais e principiológicas do nula pena sem crime.
3. No mais, deu o óbvio: pena muito exasperada (sustento que poderá ser readequada em grau de recurso para algo como 26 anos (Alexandre) e 21 anos (Ana Carolina). 
 
Minha conclusão:
Quem sou eu para dizer que a Justiça foi feita ou não. Mas fez-se o Direito dentro dos conformes da tradição. E, para os fins sociais, é isso que importa. Não é por outro motivo que as sentenças terminam com um taxativo "CUMPRA-SE",   e nunca com um sugestivo "CONVENÇA-SE". Lex jubeat non suadet (lei manda, não convence). Acato, mas continuo na dúvida. Como diz a moça vazia da última carteira, "Sei lá, mil coisas...."   
 
Postado pelo Sandro Sell, em sua cruzada solitária e catastrófica de marchar contra a corrente.

A privada, a prisão e o alligator

De acordo com o inciso I do artigo 61 do Código Penal, a reincidência é motivo para agravar a pena. Será que esse artigo foi introduzido no nosso ordenamento jurídico como forma de vingança, maior punição? Ou será que ele vem para reparar, e tentar livrar a sociedade de erros cometidos dentro das prisões? (Dúvida cruel!).
Esse dispositivo seria de extrema utilização se as normas da nossa Lei de Execução Penal, do Código Penal (na parte que tratam da pena) e os Direitos Humanos, resguardados no artigo 5°da nossa Constituição Federal fossem seguidas. O inciso I do artigo 61 em sua essência foi criado com o intuito de promover uma punição mais severa para aqueles que não conseguiram “mudar” depois de uma reabilitação e ressocialização. Mas será que no país em que vivemos nós podemos cobrar essa “mudança” de algum ex-presidiário?
Nosso ordenamento diz que é direito do preso a integridade física e moral, a alimentação, a saúde, o trabalho remunerado, a previdência social, a assistência material etc, etc, etc. Na teoria é tudo muito lindo, organizado, “arrumadinho”. E na pratica? Será que é isso que acontece?
A realidade de nossos presídios é lamentável. Nosso sistema carcerário é uma verdadeira masmorra, um campo de batalha, um absurdo completo!Quem já viu aquele filme: Alligator, O Jacaré Gigante? O filme conta a história de uma família que volta da Flórida para Chicago trazendo um filhote de jacaré. O pai, querendo se livrar do problema de criar o réptil, joga o filhote na privada. Ele sobrevive e, nos esgotos, alimenta-se de lixo radioativo, tornando-se monstro gigantesco que sai às ruas da cidade fazendo vítimas. É exatamente isso que acontece com um preso no Brasil. Eles são literalmente jogados nas celas e ficam lá, até a hora de sair, mas quando saem, eles estão gigantes, piores, prontos para cometer o próximo ilícito.
Pensando dessa maneira, será que é possível cobrar do preso uma mudança de comportamento, sem tomar nenhuma providência para que ele mude? Pior, será que é possível puni-lo por não existir essa mudança de comportamento?
Lembre-se: “Não é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário, o seu ser social que lhe determina a consciência.” (Karl Marx) Foi o lixo radioativo que tornou o jacaré em um monstro!

Escrito por Paulini Sárdua Sabbagh
(acadêmica de Direito)
Postado por Sandro Sell

quinta-feira, 25 de março de 2010

DIGAS QUEM TU DEFENDES, QUE TE DIREIS QUEM ÉS: EXCEÇÃO AO DITADO POPULAR!

...Em continuação a postagem anterior realizada pelo Professor Sandro Sell, segue artigo meu que foi publicado em jornal local.....


A Constituição Federal – lei máxima da República Federativa do Brasil – dispõe que o advogado é indispensável à administração da justiça. Ademais, o exercício da advocacia constitui serviço público de extrema relevância e função social. Ressalvadas as raríssimas exceções previstas na legislação, todo e qualquer acesso ao Poder Judiciário se dá por meio de profissional legalmente habilitado para o exercício da advocacia. Destarte, quando qualquer indivíduo sentir-se lesado e/ou prejudicado deverá recorrer ao advogado e postular/reclamar junto ao Poder Judiciário seus direitos. Até aqui tubo bem! A questão assume contornos de complexidade quando se trata da atuação do advogado na defesa daquelas pessoas acusadas de cometimento de condutas criminosas, ou seja, o exercício da advocacia no processo criminal. Costumeiramente, a opinião pública em geral associa e/ou confunde, de maneira proposital, a pessoa do réu (ou da ré) com a de seu defensor, ou pior!, costuma-se, na defesa criminal, acreditar (e, às vezes assegurar) que o criminoso e o advogado atuam em conjunto, sendo conferido a advocacia à função de assegurar a impunidade dos crimes praticados pelo acusado. A visão é superficial, desarrazoada e errônea! Não se pode negar, contudo, que existem – assim como em todas as áreas e profissões – os profissionais antiéticos, corruptos e comprometidos com a criminalidade. Nem tudo é perfeito! Mas então, qual a função do advogado na defesa criminal? A resposta é simples: cabe ao profissional da advocacia garantir o julgamento justo ao acusado, ou seja, exigir e fiscalizar que as leis do País e os direitos/princípios/garantias instituídos pela Constituição Federal sejam aplicados correta e devidamente ao caso objeto de julgamento. O defensor deve velar pela intangibilidade dos direitos daquele que o constituiu como patrono de sua defesa técnica, competindo-lhe, por esta razão, para o fiel desempenho de sua atividade, o exercício dos meios legais vocacionados à plena realização de seu legítimo mandato profissional. Em suma: ao advogado incumbe neutralizar os abusos, fazer cessar o arbítrio, exigir respeito ao ordenamento jurídico e velar pela integridade das garantias jurídicas – legais ou constitucionais – outorgadas àquele que lhe confiou a proteção de sua liberdade e de seus direitos. Assim, é garantido aos acusados em geral o direito de serem processados e julgados por autoridade competente, nos exatos moldes da legislação (nem mais, nem menos!), assegurando-se o contraditório e a ampla (e total) defesa, não se podendo admitir no processo as provas obtidas por meios ilícitos. Trata-se de prática inestimável de liberdade. Portanto, na defesa do trabalhador honesto e do criminoso confesso sempre haverá um advogado por perto!

Por: Prof. Ruben Rockenbach

quarta-feira, 24 de março de 2010

Roleta Russa, na Rússia!

Para (re)lembrar nossos debates sobre "induzimento, instigação ou auxílio a suicídio (artigo 122 do CP)" das turmas DID 31 e 32 e DIN 51 e 51, o que acham?



Postagem: Professor Ruben Rockenbach

Identidade e estigma I

Nem sempre a pessoa tem como gerenciar sua imagem social. E, por vezes, a sociedade exige uma composição autobiográfica com ênfase na pior descrição que o indivíduo pode fazer de si mesmo. Isso ocorre com aqueles que são vítimas de estigmas. Estigma é, com efeito, uma atribuição negativa que inferioriza um indivíduo ou um grupo. Certas condições de nascimento (como cor da pele), de situação (como pobreza), de saúde (como ser aleijado), de moralidade (como ser criminoso) e de pertencimento (como ser cigano) são indutoras de estigmas. Elas facilitam a definição de seus portadores como decepcionantes exemplos de manifestação da condição humana.
         O efeito básico do estigma é impedir que seu possuidor seja visto para além da situação que, aos olhos dos outros, o inferioriza. Assim, portadores do vírus da AIDS não são vistos como pessoas doentes, mas como “aidéticos”, um termo que simplifica a identificação social do sujeito, tornando-o quase uma subespécie. É como se o estigma apagasse a complexidade de seu portador em benefício de uma identidade socialmente desvalorizada. Nas prisões, existem criminosos – estigma genérico – e não pessoas que cometeram, em momentos específicos de sua vida, crimes. Nos manicômios, existem loucos e não pessoas com complicações existenciais. Não existe vida para além do estigma. Assim, quando nos jornais lemos manchetes como “Prostituta é encontrada morta”, isso, quase sempre, significa que ninguém se ocupará da história da pessoa por sob o rótulo. Prostituta é resumo suficiente de tudo o que aquela pessoa foi na vida, assim como ser encontrada morta integra de forma coerente seu destino esperado.
            Na clássica obra Estigma (1988), Erving Goffman não deixa dúvidas de que os estigmatizados sabem o peso do estigma sobre o curso de suas vidas. Podem se sentir desacreditados. Isso ocorre quando sabem que seu estigma é conhecido. Como o aleijado que se sente apenas um aleijado. De outra parte, quando seu estigma é ocultável, sentem-se desacreditáveis. Vivem sob a paranóia de, a qualquer momento, virem a ser desqualificados. A estudante que, secretamente, é prostituta sabe que sua identidade de pessoa normal e aceita é provisória: a qualquer momento o estigma pode emergir como sinônimo de si própria.
           Mas a ambigüidade que é, tantas vezes, a regra social no trato com os estigmatizados também se apresenta. Ora os estigmatizados têm seus defeitos superdimensionados pela sociedade, ora são depositários de fantasiosas qualidades excepcionais. Escreve Goffman (Estigma, 1998:15):

“Tendemos a inferir uma série de imperfeições a partir da imperfeição original e, ao mesmo tempo, a imputar ao interessado alguns atributos desejáveis mas não desejados, freqüentemente de aspecto sobrenatural, tais como sexto sentido ou percepção.”

              Ciganos e cegos são, não raramente, considerados portadores de poderes de percepção, intuição e previsão aguçados. Ter esse acesso ao sobrenatural é característica não necessariamente negativa, mas, em geral, não desejável para as pessoas normais. O juiz de direito que, em noites específicas, atua como “pai-de-santo” fará de tudo para esconder essa sua possibilidade de acesso ao além. Eventuais possibilidades dessa natureza não combinam com seu status de pessoa respeitável. Mas, ao revés, são capazes de tornar mais intrigante e, mesmo, digna de algum respeito a existência dos estigmatizados.
              Um último efeito a ser salientado sobre as situações de estigma é que a posse de um facilita a aquisição de outro. Assim, quem é estigmatizado como sendo simplesmente “negro” ou “cigano” corre sério risco de ganhar outros estigmas como de “ladrão” ou “preguiçoso”. Para quem possui o estigma de aidético é facilmente visto também como homossexual. Para quem é apontada como prostituta não é difícil ser tida também como “mãe desnaturada” e desonesta. Um estigma atrai o outro, afundando seu portador em identificações sociais cada vez mais negativas.

Sandro Sell (do livro Comportamento social e anti-social humano).

terça-feira, 23 de março de 2010

DIREITOS DO PRESO

Os direitos do preso não são atingidos pela perda da liberdade
segundo disposto no código penal
é imposto a todas as autoridades
o respeito à integridade física e moral


O direito à visita íntima ao detido
é polêmica não resolvida, infelizmente
mas para alguns diretores de grandes presídios atualmente
é direito concedido


Direito de cumprir a pena no local do seu domicílio é inexistente
o legislador é rigoroso
a pena deve ser cumprida definitivamente
no lugar onde foi cometido o fato típico, antijurídico e culposo


É assegurado aos presos
respeito à integridade física e moral
as autoridades não devem contrariar
disposição constitucional.

Por: Jorge da Rosa
Postagem: Prof. Ruben Rockenbach

Reforma do Código de Processo Penal




Só não dá para aceitar é a voz corrente de que o problema da Justiça é o excesso de recursos, o habeas corpus!, os advogados e os jurados! Ou seja, a Justiça no Brasil não é feita porque há muita possibilidade de defesa! Ridículo! Esqueceram de dizer que, como regra geral, nesse país em que o princípio da presunção da inocência não se fez carne, os acusados aguardam presos (eu sei que não é isso que diz a lei e o Supremo, mas a prática vive em outro mundo). Que precisamos de reformas processuais-penais sim, é claro. Mas não essa. A impunidade no Brasil é seletiva. Algumas classes são punidas de qualquer forma, enquanto isso o Governador do Distrito Federal (como exemplo da punição igualitária aos mais ricos) protocolou reclamação alegando que apesar de ter ar-condicionado, televisão, médicos e visitas constantes em sua cela, está trancafiado numa "masmorra", afetando à sua dignidade de pessoa humana. Será que as cadeias que ele, equanto governador, destinava aos presos provisórios de Brasília era no Hilton? Enquanto permanecermos com dois presos e duas medidas, nenhuma reforma passará de maquiagem e gasto de dinheiro público. 

Postado por Sandro Sell

domingo, 21 de março de 2010

Malhação e Direito

“Democracia é igual músculo, se a gente não exercita, atrofia”

Li essa frase há um tempo atrás em um algum lugar que não me lembro bem agora, mas quando a li logo lembrei de um livro que me deixou a-pai-xo-na-da pelo direito e ainda mais contestadora (enjoada, na linguagem dos meus pais): “A Luta Pelo Direito” de Rudolf Von Ihering.

Na minha singela opinião (como diria meu brilhante professor Nelson Camatta) o direito é tão músculo quanto a democracia. E infelizmente hoje em dia tá todo mundo deixando o Direito atrofiar (vai ver, é porque estão todos preocupados demais em não deixar que os músculos corporais atrofiem, né!? Vai saber...)

O Direito, assim como a Democracia, requer luta, não só para conquistá-lo mas para mantê-lo. Por isso a Justiça carrega uma espada. Em uma mão a balança, para pesar o direito, na outra mão a espada para defender o direito. “A espada sem a balança é a força brutal; a balança sem a espada é a impotência do direito”(trecho do livro citado), é o direito se atrofiando.

O direito é um trabalho incessante, e a inércia da nação em relação a luta pelo direito é que o torna semelhante ao músculo atrofiado. É preciso que a nação entenda que a conservação de nossos direitos, a luta para que eles se façam valer e para que surjam direitos novos (como a Emenda Constitucional que tramita na Câmara dos Deputados e traz a alimentação como um Direito Fundamental) não depende só do Estado, e sim da sociedade como um todo.

E vocês sabem como se cura atrofia muscular? Com exercício!

Texto de Paulini Scardua Sabbagh
Paulini é acadêmica de Direito da UVV (Centro Universitário de Vila Velha).
paulini.sabbagh@hotmail.com

publicado por Sandro Sell

Os ângulos da verdade



Postado por Prof. Sandro Sell

Jurisdição doméstica


Postado por Sandro Sell

sexta-feira, 19 de março de 2010

O pedreiro, o banqueiro e um par de algemas

A edição da súmula vinculante do STF, que restringe a utilização de algemas a casos de estrita necessidade, tem sido comemorada como uma vitória do estado democrático de direito sobre o estado de polícia. A polêmica sobre os critérios de sua utilização se deu, de fato, a partir de Operação Satiagraha, e seus eventuais abusos contra presos de classe alta, mas a decisão do STF pretende ser lida como realizada a partir de sua origem de direito, a ação de um pedreiro de Laranjal Paulista, que permanecera algemado durante seu julgamento. Seja como for, o pedreiro foi providencial ao banqueiro. Coisas do destino.

                    Que o Estado policial brasileiro anda abusando em relação ao uso de algemas, prisões, vexames e safanões contra os indivíduos acusados é coisa sabida e denunciada há muito por órgãos nacionais e internacionais de direitos humanos. Se na economia somos uma emergente promessa, em nossas configurações de polícia estamos no pior dos mundos, a tropa de elite da indignidade humana.
                    Era preciso fazer alguma coisa, e o STF fez.
                    Para quê algemas quando elas não se justificam? Numa república democrática de direito, organizada sob o pálio da razão, as restrições ao indivíduo devem ser estritamente fundamentadas e sua liberdade amplamente presumida. Nulas devem ser as restrições carentes de justificativa. E quais seriam os possíveis motivos para tal justificativa, no caso das algemas? Risco de lesão ou fuga daquele que foi apreendido ou risco de agressão aos envolvidos na captura e transporte do preso. Se não há tais motivos, algemar alguém seria nada menos do que um ato simbólico de humilhação, uma pena antecipada, e com caráter infamante, uma equiparação entre o capturado e um animal selvagem.
                     Os acusados na Operação Satiagraha davam ao Estado tais motivos? Não. Nenhum de nós teria medo de descer no elevador ao lado deles, nenhum de nós se sentiria fisicamente ameaçado por encontrá-los livres no shopping. Então, por que "grampeá-los?" Puro intento de humilhação? Puro espetáculo para a mídia sedenta por presos com algum colorido novo em relação à monotonia dos sempre os mesmos pobres re-capturados, nesse jogo de prende-solta-prende-foge do Estado brasileiro, que faz com que os policiais ocupem 80º% do seu tempo "re-prendendo" as mesmas pessoas? É difícil saber.
                     Mas o que é fácil concluir pela edição da súmula é que se o Estado tiver que pautar suas ações administrativas/penais pela razoabilidade e eficácia, pela idéia, muito justa, de que as restrições à dignidade humana só podem ser toleradas quando sejam não apenas legais, mas também funcionais, as derivações serão incontroláveis. Se algemar banqueiros e acusados de colarinho branco não se justifica pela baixa ou inexistente periculosidade física que representam, por que pô-los na cadeia? Quem não ameaça fisicamente ninguém deve ser posto entre grades? Será que a próxima súmula dirá que a prisão só se justifica quando houver motivos para algemar? Acho que seria uma decorrência lógica: se alguém não precisa de algemas (não pretende fugir nem atacar) não precisa de prisão.
                      Hoje é forte entre os grandes penalistas, do nível do ministro da Suprema Corte Argentina Eugênio R. Zaffaroni, a idéia de que a função das penas é puramente simbólica: serve não para proteger a sociedade, conter ou recuperar quem delinqüiu. Serve apenas para assustar os mais pobres de que com estes – e apenas com estes – o Estado não terá a mínima tolerância: será algema, camburão, câmera de TV na cara, superlotação e pena exemplar. Se as penas (e, por decorrência, as medidas que a precedem) possuem apenas caráter simbólico, isso significa que não é possível analisar as ações penais pela lógica da eficácia ou da razoabilidade. Pois, generalizando-se essa exigência, não haverá mais prisões neste país em que os estabelecimentos prisionais (para provisórios ou permanentes) são incapazes de promover, sob qualquer medida do razoável, os fins a que se destinam. E, ao contrário, quando se tornaram locais servis a organizações criminosas e inferno para a dignidade de quem neles adentra. A prisão no Brasil, medida pelo princípio da razoabilidade e eficácia, deveria ser declarada abusiva, desde a origem.
                  Em respeito ao princípio da dignidade humana (na versão "Ferrajoli para milionários"), algemar um banqueiro é, por presunção, abusivo; enquanto que algemar um pedreiro é, salvo prova em contrário (a ser decidida com toda calma e tempo do mundo), uma medida de cautela razoável. Essa é a tradução rasteira, para efeitos práticos, da súmula do STF. Em nível de senso comum, inteligência prática etc. isso até tem sua razão de ser: é mais fácil imaginarmos um pedreiro fisicamente agressivo do que um banqueiro. Da mesma forma que as fundadas suspeitas do artigo 244 do CPP levariam "naturalmente" a dar uma "geral" no pedreiro que passeia pela avenida e uma escolta de cortesia ao banqueiro transeunte. Fundadas suspeitas ou pré-percepção de periculosidade seguem tradicionalmente a cartografia da exclusão social: todas as desconfianças concentram-se nos que não concentram nada de renda.
                  Em termos de eficácia ou de proteção à sociedade, a algema não se aplica a autores de crimes de colarinho branco (suas armas sempre foram dinheiro, assinaturas, maquiagens e contatos com autoridades bem-nascidas, nunca facas, pistolas ou assassinos) e nem tampouco, pelos mesmos motivos, a prisão. Mas por que se continua esperando que pessoas dessa nobre estirpe passem eventualmente pela prisão? Pelo mesmo motivo que se quer vê-las, por vezes, algemadas, pela função simbólica da igualdade de tratamento. Pela dignidade erga omnes que é capaz de conferir o uso das mesmas regras (irrazoáveis, mesquinhas, vexatórias, mas comuníssimas no mundo dos pedreiros) no andar de cima.
                  Ao algemar os acusados da Operação Satiagraha, que, convenhamos, não sofreram nenhum dano irreparável (foram até vistos como mártires por setores da sociedade) e que, convenhamos, jamais sofrerão na Justiça qualquer coisa pior do que isso, o Estado brasileiro pode até ter feito algo que não se justificava pela necessidade, pode até ter ferido, de leve, a dignidade dos acusados. Mas o que o Estado fez mesmo foi duas coisas: lembrou que o princípio da igualdade também tem que ser levado em conta (e não apenas o da razoável eficácia) quando se trata de distribuir os ônus da vida sob o Estado (do qual fazem parte os impostos e as prisões) e, o lado triste, lembrou que isso (essa igualdade) é uma exceção que não deve se repetir tão cedo, sob pena de anulação do ato processual praticado, além de responsabilização civil e penal dos seus agentes.
                     Em resumo, o pedreiro cimentou a calçada por onde somente o banqueiro haverá de trilhar.

SELL, Sandro César. O pedreiro, o banqueiro e um par de algemas . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1875, 19 ago. 2008. Disponível em: . Acesso em: 19 mar. 2010.