quarta-feira, 19 de maio de 2010

Batman, a legalidade e o Estado de Exceção

Na sombria Gotham City, Batman já é comum. A polícia como um espectro de segurança, os mafiosos trafegando livremente pela esfera sub-pública e o homem-morcego agindo sobre a lei; apresentam elementos para refletirmos sobre as instituições contemporâneas.

No filme a incompetência do Estado se mistura com os limites da legalidade, a integridade física dos investigados apenas influí na substituição do policial pela figura reptícia. Este não pode ser responsabilizado por violação dos direitos humanos, nem administrativamente , nem penalmente, seus atos não implicarão na denúncia do Estado na ordem internacional.

O surgimento de um promotor arraigado aos ideais de justiça traz um lampejo de férias à Bruce Wayne. Um herói sem máscara, a instituição da legalidade como um parâmetro de convivência às sociedades políticas, com a preservação dos direitos fundamentais e a proporcional punição dos criminosos.

Mas de um cotidiano esquizofrênico não nascem flores, a figura do Coringa aparece como um elogio ao Caos, a sua indiferença pelo dinheiro o coloca acima da obtusa atuação dos criminosos e também da polícia.
Na crise defende-se a exponencial limitação dos direitos em prol da manutenção da segurança: Antes do amanhecer a noite fica mais escura, já clama o promotor um tanto decepcionado com os limites da sua atuação.

A concepção de que a exceção possui um conteúdo regenerativo, um milagre político que cura todos os males, remete à figura do Estado de Exceção, mas os elementos do filme são mais sombrios do que uma previsibilidade catastrófica.

Neste caso a catástrofe é cotidiana, a descrença nas instituições públicas e a admissão que apenas uma relação cooperativa com a esfera sub-pública é passível de manter a segurança jurídica.
 
Reinhart Kosseleck indica que na emergência do Estado Liberal o underground forma com ele uma relação indissociável, no ponto, esfera pública e sub-pública formam dois lados da mesma moeda. Neste caso, Estado, máfia, Polícia, Batman, publicidade e secreto são reciprocamente constitutivos.

O final do filme é amargo, a crise não configura um Estado de Exceção, o resultado é pior, uma democracia formal, sem esperança, sem princípios, apenas um cotidiano de tortura, violações dos direitos fundamentais e Batman como herói que Gotham merece.

Aos estudiosos e aplicadores do direito fica a mensagem sobre a necessária reflexão em torno da efetividade e universalidade dos direitos fundamentais, não como representação, mas como projeto político, para que Batmans não se tornem necessários.

Por Samuel Martins dos Santos
Postagem: Prof. Ruben Rockenbach


Ficha técnica
Título: Batman – O cavaleiro das trevas.
País de origem: EUA
Gênero: Ação
Duração:153 min
Produção:
Christopher Nolan
Trilha Sonora:
Hans Zimmer
Argumento:Christopher Nolan,David S. Goyer
Personagens:Bob Kane
Site Oficial:http://thedarkknight.warnerbros.com/

3 comentários:

  1. Se tivéssemos Batman, ainda...
    Temos é que ser Super-Homens e Super-Mulheres para que, com nossa visão de raio X, possamos identificar esta Matrix em que vivemos.
    O pior é que, mesmo quando salvamos vidas e nos posicionamos como heróis sa sociedade, somos vistos como vilões e rebeldes sem causa.
    Ó, vida. Ó, ceús...

    Adorei o post :)
    Parabéns, Samuel ;)

    Bjão :*

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  2. Excelente análise. O herói representa o excepcional, às medidas pós-falência de toda instituição. O Batman é um arquétipo do policial justiceiro, aquele que acredita que as normas e direitos são empecilhos facilmente contornáveis na busca de seu personalíssimo modo de fazer justiça (uma privatização tosca do jus puniendi).
    Abraço, Sandro Sell

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  3. Batman, nesse brilhante filme, não é bom tampouco mau. Não representa uma classe, um Estado, um público. Ele é fruto de uma concepção maniqueísta em que não se sabe ao certo em qual possição ele toma: se é, como sempre se pensou, em favor do público ou, como talvez nunca se tivesse pensado, em favor do seu "ego". Bem e mal, pelo o que se pôde perceber da película, se confundem. E Batman entre em crise quando descobre isso.

    Aliás, quem disse ao Batman que ele seria necessário?
    Quem disse ao Estado que ele seria necessário?

    Firmamos, mesmo sem tomar consciência de tal, um contrato social ao nascer. E não há quem faça a ruptura. O não cumprimento do contrato
    (a possível ruptura) sugere um fora-da-lei.


    Assim, o Estado e o Batman surgem para criar e manter a ordem - já existiu ordem? - e evitar o fora-da-lei. O dever ser kelseniano. Não deveria ter furtos, mas...



    Brilhante texto, Samuel!

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