segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O sujeito dogmático...

Constrói seu sistema de verdades por contaminação do ambiente em que circula.
Rejeita por princípio qualquer crítica ao “seu” saber, porque como não o construiu, sabe que se for abalado não será capaz de consertá-lo.
Acredita que expressões como “crença milenar”, “isso todo mundo sabe” e “deu na imprensa” são fiadores seguros do conhecimento.
Tem respostas rápidas para qualquer questão, pois não perde tempo refletindo sobre outras possibilidades.
Não concorda antes mesmo de conhecer algo.
Concorda antes mesmo de conhecer algo.
Acha que qualquer reflexão que sugira outras possibilidades de ser ou saber não passa de “viagem”. Por isso respeita os códigos e a matemática – entendendo ou não – mas abomina os saberes reflexivos.
É amante de qualquer força mundana capaz de emprestar aparência de inquestionabilidade ao seu saber: autoridades, letra da lei, palavra do Papa, última jurisprudência do STF, primeiro na lista dos mais vendidos...
Deseja uma patrulha moral do conhecimento. Quem discorda dele é “escroto”, “pervertido”, “criminoso”.
Gosta pertencer a rebanhos, por isso usa expressões que denotam que seu pensamento surge com a manada: “nós acreditamos nisso” (esse “nós” pode ser tanto coletivos genéricos como: brasileiros, catarinenses, alemães, judeus, flamenguistas, católicos, quanto coletivos especializados, como “nós juristas”, “nós psicanalistas”, “nós advogados”, “nós magistrados”, desde que seguidos pela expressão “pensamos assim” – como se qualquer desses coletivos tivesse um pensamento uniforme sobre as coisas!).
Expressa suas crenças mais sofríveis por canais lúdicos para evitar críticas: não defende o racismo, mas conta piadas sobre o “negão que pensa que é gente”; não tem nada contra mulheres, mas seu anedotário é uma catarse de risos sobre a inferioridade que ele jura ser só de brincadeirinha.
Lê por procuração: resumos, críticas de revista, opiniões de terceiros e orelhas de livro lhe dão à cômoda ilusão de que já tem o essencial do texto. (Não sabe que mais do que “pegar as idéias centrais”, a leitura consiste em passear com seu autor por outra lógica de pensamento. Seja um romance ou uma tese, dificilmente é o que se diz que faz diferença, mas sim o estilo com que se conduz texto).
Como vive num mundo acelerado, tudo que não contenha as expressões: “ação”, “espetáculo”, “cenas chocantes”, “pura adrenalina”, “muito show”, lhe dá sono e não justifica o investimento.
A filosofia para ele se faz com um copo na mão e uma música nas alturas da cabeça.
E é nesses momentos de ébria lucidez que das suas entranhas sai o grito reivindicativo-reflexivo máximo de sua existência “Toca Raul!”. Então olha para as pessoas do lado e confidencia, “Bah, isso sim é que é filosofia... Alguém tem um engov?”


Postado pelo Sandro Sell

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O juiz, a mulher e o superfaturamento


Quando Deus perguntou a Adão (por mero espírito formalista, já que era Onisciente) por que sua cria havia transgredido a primeira norma que se tem notícia, - ao menos na mitologia judaico-cristã (“Não comerás da árvore da ciência do bem e do mal”), o imputado nudista respondeu: “A mulher que tu me deste como companheira me deu da árvore e eu comi.
Com isso Adão queria: a) beneficiar-se da delação premiada; b) que o Criador descesse ao pólo passivo da demanda, como responsável pelo vício oculto da coisa dada (Eva).
O jurista alemão Gunther Jakobs sustenta que Adão tinha o direito a interpelar o Excelso Juiz, no sentido “b” acima, pois Deus é que doara  Eva, e:
a) O que uma pessoa responsável sugere ou entrega, vem com a presunção de ser algo confiável;
b) Ainda mais no que se refere a não violar as normas que o próprio Doador estabeleceu;
c) Ainda mais o Doador sendo Deus!
Mas, como é sabido, o Criador não apenas rechaçou a tese da defesa, como puniu cruelmente os réus e ainda considerou a Serpente partícipe, e lhe deu uma pena mais do que rasteira.
Datíssima vênia, Deus se comportou no caso como o juiz substituto do anedotário forense: não só não se dispôs a ouvir outras possíveis interpretações, como na sua certeza de principiante (era a primeira vez que Deus julgava um caso), escarmentou tanto a pena que até hoje ela  se replica em cada novo nascimento: mais uma alminha originalmente pecadora!
Que inferno!
É por isso que tem mesmo que haver o tal do duplo grau de jurisdição. Se me fosse permitido opinar em tão elevada questão, sustentaria que Deus não poderia jamais participar de julgamentos em primeira e última instância: teria que ser Órgão de revisão final, isso sim. Alguns dirão: “Mas pode-se apelar para a Mãe Dele”! Então Deus é brasileiro mesmo: se não há mais saída nas regras públicas, apele-se para os laços personalistas e familiares das autoridades? Era o que faltava, passar, de novo, em termos históricos, de Requerente a Suplicante!
Se for assim, passo a acreditar na opinião oposicionista e treveira sobre o superfaturamento original: com os recursos gastos na construção da Terra daria para fazer pelo menos três Jupiteres. Ao que eu acrescentaria:
E uma mulher mais confiável!

Sandro Sell

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Rio: só faltou Jack Bauer

Não é que não seja importante prender aqueles traficantes lá no Rio. Eles exercem uma tirania inimaginável sobre as populações locais.  A visão romântica de que são líderes comunitários, que substituem o Estado ausente, é um deboche criado por quem nunca botou os pés nesses lugares.
Não é que não seja interessante ver a população brasileira apoiando um time que não seja de futebol. Ainda que aplaudir forças do Estado em “guerra” possa dar um clima de oba-oba e converter os limites e direitos em simples adereços.
Não é que não se deva combater criminosos apenas porque são pobres, isso seria um sociologismo grosseiro. Pobreza não produz criminosos da mesma forma que riqueza não produz honestidade. Os traficantes do morro não entraram no crime devido à pobreza (mas entrarão no camburão apenas  por causa dela).
Não é o que se fez. Até porque, sem a pirotecnia e os fuzileiros navais, isso é o cotidiano do modelo brasileiro de segurança pública.  Não é também que as forças armadas não poderiam estar juntas. Elas sempre estiveram em espírito. A  polícia carioca é  mais doutrinada em modelos de guerra (destruição do inimigo do Estado, recuperação de territórios para o Estado) do que o próprio Exército!
O problema é o que não se fará.
Combater o inimigo lá fora é o detalhe da questão.  Combater as forças internas (do Estado, da polícia e da política) que alimentam (e não só por omissão) as franquias criminosas, é que é tarefa de gente grande.
Não se rediscutirá também nossa ridícula política em relação às drogas.
Nem nossa mania de prender tudo que se move e oferecer-lhes como dádivas aos chefes do crime, que só se organizaram nas prisões (e só nas prisões) por que o Estado foi desorganizado no seu encarceramento.
Infelizmente, aqui é o país em que para entender de segurança pública basta ter trocado tiros com criminosos e ter feito um curso de técnicas operacionais na Swat.
Enquanto o Brasil tentar resolver sua segurança com o modelo Jack Bauer, produzirá muitos filmes. Prenderá muitos favelados.  Encherá vans com maconha, armas e pés-descalços. Mas, como sabemos, maconha, favelados e armas há de sobra para reposição.  Assim também como ilusões. Que, graças ao Rio, renovaram-se nesse Natal.

Sandro Sell

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A crise no Rio e o pastiche midiático (Luiz Eduardo Soares)

Sempre mantive com jornalistas uma relação de respeito e cooperação. Em alguns casos, o contato profissional evoluiu para amizade. Quando as divergências são muitas e profundas, procuro compreender e buscar bases de um consenso mínimo, para que o diálogo não se inviabilize. Faço-o por ética –supondo que ninguém seja dono da verdade, muito menos eu--, na esperança de que o mesmo procedimento seja adotado pelo interlocutor. Além disso, me esforço por atender aos que me procuram, porque sei que atuam sob pressão, exaustivamente, premidos pelo tempo e por pautas urgentes. A pressa se intensifica nas crises, por motivos óbvios. Costumo dizer que só nós, da segurança pública (em meu caso, quando ocupava posições na área da gestão pública da segurança), os médicos e o pessoal da Defesa Civil, trabalhamos tanto –ou sob tanta pressão-- quanto os jornalistas.
 
Digo isso para explicar por que, na crise atual, tenho recusado convites para falar e colaborar com a mídia:
 
(1) Recebi muitos telefonemas, recados e mensagens. As chamadas são contínuas, a tal ponto que não me restou alternativa a desligar o celular. Ao todo, nesses dias, foram mais de cem pedidos de entrevistas ou declarações. Nem que eu contasse com uma equipe de secretários, teria como responder a todos e muito menos como atendê-los. Por isso, aproveito a oportunidade para desculpar-me. Creiam, não se trata de descortesia ou desapreço pelos repórteres, produtores ou entrevistadores que me procuraram.
(2) Além disso, não tenho informações de bastidor que mereçam divulgação. Por outro lado, não faria sentido jogar pelo ralo a credibilidade que construí ao longo da vida. E isso poderia acontecer se eu aceitasse aparecer na TV, no rádio ou nos jornais, glosando os discursos oficiais que estão sendo difundidos, declamando platitudes, reproduzindo o senso comum pleno de preconceitos, ou divagando em torno de especulações. A situação é muito grave e não admite leviandades. Portanto, só faria sentido falar se fosse para contribuir de modo eficaz para o entendimento mais amplo e profundo da realidade que vivemos. Como fazê-lo em alguns parcos minutos, entrecortados por intervenções de locutores e debatedores? Como fazê-lo no contexto em que todo pensamento analítico é editado, truncado, espremido –em uma palavra, banido--, para que reinem, incontrastáveis, a exaltação passional das emergências, as imagens espetaculares, os dramas individuais e a retórica paradoxalmente triunfalista do discurso oficial?
(3) Por fim, não posso mais compactuar com o ciclo sempre repetido na mídia: atenção à segurança nas crises agudas e nenhum investimento reflexivo e informativo realmente denso e consistente, na entressafra, isto é, nos intervalos entre as crises. Na crise, as perguntas recorrentes são: (a) O que fazer, já, imediatamente, para sustar a explosão de violência? (b) O que a polícia deveria fazer para vencer, definitivamente, o tráfico de drogas? (c) Por que o governo não chama o Exército? (d) A imagem internacional do Rio foi maculada? (e) Conseguiremos realizar com êxito a Copa e as Olimpíadas?
Ao longo dos últimos 25 anos, pelo menos, me tornei “as aspas” que ajudaram a legitimar inúmeras reportagens. No tópico, “especialistas”, lá estava eu, tentando, com alguns colegas, furar o bloqueio à afirmação de uma perspectiva um pouquinho menos trivial e imediatista. Muitas dessas reportagens, por sua excelente qualidade, prescindiriam de minhas aspas –nesses casos, reduzi-me a recurso ocioso, mera formalidade das regras jornalísticas. Outras, nem com todas as aspas do mundo se sustentariam. Pois bem, acho que já fui ou proporcionei aspas o suficiente. Esse código jornalístico, com as exceções de praxe, não funciona, quando o tema tratado é complexo, pouco conhecido e, por sua natureza, rebelde ao modelo de explicação corrente. Modelo que não nasceu na mídia, mas que orienta as visões aí predominantes. Particularmente, não gostaria de continuar a ser cúmplice involuntário de sua contínua reprodução.
Eis por que as perguntas mencionadas são expressivas do pobre modelo explicativo corrente e por que devem ser consideradas obstáculos ao conhecimento e réplicas de hábitos mentais refratários às mudanças inadiáveis. Respondo sem a elegância que a presença de um entrevistador exigiria. Serei, por assim dizer, curto e grosso, aproveitando-me do expediente discursivo aqui adotado, em que sou eu mesmo o formulador das questões a desconstruir. Eis as respostas, na sequência das perguntas, que repito para facilitar a leitura:
(a) O que fazer, já, imediatamente, para sustar a violência e resolver o desafio da insegurança?
Nada que se possa fazer já, imediatamente, resolverá a insegurança. Quando se está na crise, usam-se os instrumentos disponíveis e os procedimentos conhecidos para conter os sintomas e salvar o paciente. Se desejamos, de fato, resolver algum problema grave, não é possível continuar a tratar o paciente apenas quando ele já está na UTI, tomado por uma enfermidade letal, apresentando um quadro agudo. Nessa hora, parte-se para medidas extremas, de desespero, mobilizando-se o canivete e o açougueiro, sem anestesia e assepsia. Nessa hora, o cardiologista abre o tórax do moribundo na maca, no corredor. Não há como construir um novo hospital, decente, eficiente, nem para formar especialistas, nem para prevenir epidemias, nem para adotar procedimentos que evitem o agravamento da patologia.  Por isso, o primeiro passo para evitar que a situação se repita é trocar a pergunta. O foco capaz de ajudar a mudar a realidade é aquele apontado por outra pergunta: o que fazer para aperfeiçoar a segurança pública, no Rio e no Brasil, evitando a violência de todos os dias, assim como sua intensificação, expressa nas sucessivas crises?
Se o entrevistador imaginário interpelar o respondente, afirmando que a sociedade exige uma resposta imediata, precisa de uma ação emergencial e não aceita nenhuma abordagem que não produza efeitos práticos imediatos, a melhor resposta seria: caro amigo, sua atitude representa, exatamente, a postura que tem impedido avanços consistentes na segurança pública. Se a sociedade, a mídia e os governos continuarem se recusando a pensar e abordar o problema em profundidade e extensão, como um fenômeno multidimensional a requerer enfrentamento sistêmico, ou seja, se prosseguirmos nos recusando, enquanto Nação, a tratar do problema na perspectiva do médio e do longo prazos, nos condenaremos às crises, cada vez mais dramáticas, para as quais não há soluções mágicas.
A melhor resposta à emergência é começar a se movimentar na direção da reconstrução das condições geradoras da situação emergencial. Quanto ao imediato, não há espaço para nada senão o disponível, acessível, conhecido, que se aplica com maior ou menor destreza, reduzindo-se danos e prolongando-se a vida em risco.
A pergunta é obtusa e obscurantista, cúmplice da ignorância e da apatia.
(b) O que as polícias fluminenses deveriam fazer para vencer, definitivamente, o tráfico de drogas?
Em primeiro lugar, deveriam parar de traficar e de associar-se aos traficantes, nos “arregos” celebrados por suas bandas podres, à luz do dia, diante de todos. Deveriam parar de negociar armas com traficantes, o que as bandas podres fazem, sistematicamente. Deveriam também parar de reproduzir o pior do tráfico, dominando, sob a forma de máfias ou milícias, territórios e populações pela força das armas, visando rendimentos criminosos obtidos por meios cruéis.
Ou seja, a polaridade referida na pergunta (polícias versus tráfico) esconde o verdadeiro problema: não existe a polaridade. Construí-la –isto é, separar bandido e polícia; distinguir crime e polícia-- teria de ser a meta mais importante e urgente de qualquer política de segurança digna desse nome. Não há nenhuma modalidade importante de ação criminal no Rio de que segmentos policiais corruptos estejam ausentes. E só por isso que ainda existe tráfico armado, assim como as milícias.
Não digo isso para ofender os policiais ou as instituições. Não generalizo. Pelo contrário, sei que há dezenas de milhares de policiais honrados e honestos, que arriscam, estóica e heroicamente, suas vidas por salários indignos. Considero-os as primeiras vítimas da degradação institucional em curso, porque os envergonha, os humilha, os ameaça e acua o convívio inevitável com milhares de colegas corrompidos, envolvidos na criminalidade, sócios ou mesmo empreendedores do crime.
Não nos iludamos: o tráfico, no modelo que se firmou no Rio, é uma realidade em franco declínio e tende a se eclipsar, derrotado por sua irracionalidade econômica e sua incompatibilidade com as dinâmicas políticas e sociais predominantes, em nosso horizonte histórico. Incapaz, inclusive, de competir com as milícias, cuja competência está na disposição de não se prender, exclusivamente, a um único nicho de mercado, comercializando apenas drogas –mas as incluindo em sua carteira de negócios, quando conveniente. O modelo do tráfico armado, sustentado em domínio territorial, é atrasado, pesado, anti-econômico: custa muito caro manter um exército, recrutar neófitos, armá-los (nada disso é necessário às milícias, posto que seus membros são policiais), mantê-los unidos e disciplinados, enfrentando revezes de todo tipo e ataques por todos os lados, vendo-se forçados a dividir ganhos com a banda podre da polícia (que atua nas milícias) e, eventualmente, com os líderes e aliados da facção. É excessivamente custoso impor-se sobre um território e uma população, sobretudo na medida que os jovens mais vulneráveis ao recrutamento comecem a vislumbrar e encontrar alternativas. Não só o velho modelo é caro, como pode ser substituído com vantagens por outro muito mais rentável e menos arriscado, adotado nos países democráticos mais avançados: a venda por delivery ou em dinâmica varejista nômade, clandestina, discreta, desarmada e pacífica. Em outras palavras, é melhor, mais fácil e lucrativo praticar o negócio das drogas ilícitas como se fosse contrabando ou pirataria do que fazer a guerra. Convenhamos, também é muito menos danoso para a sociedade, por óbvio.
(c) O Exército deveria participar?
Fazendo o trabalho policial, não, pois não existe para isso, não é treinado para isso, nem está equipado para isso. Mas deve, sim, participar. A começar cumprindo sua função de controlar os fluxos das armas no país. Isso resolveria o maior dos problemas: as armas ilegais passando, tranquilamente, de mão em mão, com as benções, a mediação e o estímulo da banda podre das polícias.
E não só o Exército. Também a Marinha, formando uma Guarda Costeira com foco no controle de armas transportadas como cargas clandestinas ou despejadas na baía e nos portos. Assim como a Aeronáutica, identificando e destruindo pistas de pouso clandestinas, controlando o espaço aéreo e apoiando a PF na fiscalização das cargas nos aeroportos.
(d) A imagem internacional do Rio foi maculada?
Claro. Mais uma vez.
(e) Conseguiremos realizar com êxito a Copa e as Olimpíadas?
Sem dúvida. Somos ótimos em eventos. Nesses momentos, aparece dinheiro, surge o “espírito cooperativo”, ações racionais e planejadas impõem-se. Nosso calcanhar de Aquiles é a rotina. Copa e Olimpíadas serão um sucesso. O problema é o dia a dia.
Palavras Finais
Traficantes se rebelam e a cidade vai à lona. Encena-se um drama sangrento, mas ultrapassado. O canto de cisne do tráfico era esperado. Haverá outros momentos análogos, no futuro, mas a tendência declinante é inarredável. E não porque existem as UPPs, mas porque correspondem a um modelo insustentável, economicamente, assim como social e politicamente. As UPPs, vale dizer mais uma vez, são um ótimo programa, que reedita com mais apoio político e fôlego administrativo o programa “Mutirões pela Paz”, que implantei com uma equipe em 1999, e que acabou soterrado pela política com “p” minúsculo, quando fui exonerado, em 2000, ainda que tenha sido ressuscitado, graças à liderança e à competência raras do ten.cel. Carballo Blanco, com o título GPAE, como reação à derrocada que se seguiu à minha saída do governo. A despeito de suas virtudes, valorizadas pela presença de Ricardo Henriques na secretaria estadual de assistência social --um dos melhores gestores do país--, elas não terão futuro se as polícias não forem profundamente transformadas. Afinal, para tornarem-se política pública terão de incluir duas qualidades indispensáveis: escala e sustentatibilidade, ou seja, terão de ser assumidas, na esfera da segurança, pela PM. Contudo, entregar as UPPs à condução da PM seria condená-las à liquidação, dada a degradação institucional já referida.
O tráfico que ora perde poder e capacidade de reprodução só se impôs, no Rio, no modelo territorializado e sedentário em que se estabeleceu, porque sempre contou com a sociedade da polícia, vale reiterar. Quando o tráfico de drogas no modelo territorializado atinge seu ponto histórico de inflexão e começa, gradualmente, a bater em retirada, seus sócios –as bandas podres das polícias-- prosseguem fortes, firmes, empreendedores, politicamente ambiciosos, economicamente vorazes, prontos a fixar as bandeiras milicianas de sua hegemonia.
Discutindo a crise, a mídia reproduz o mito da polaridade polícia versus tráfico, perdendo o foco, ignorando o decisivo: como, quem, em que termos e por que meios se fará a reforma radical das polícias, no Rio, para que estas deixem de ser incubadoras de milícias, máfias, tráfico de armas e drogas, crime violento, brutalidade, corrupção? Como se refundarão as instituições policiais para que os bons profissionais sejam, afinal, valorizados e qualificados? Como serão transformadas as polícias, para que deixem de ser reativas, ingovernáveis, ineficientes na prevenção e na investigação?
As polícias são instituições absolutamente fundamentais para o Estado democrático de direito. Cumpre-lhes garantir, na prática, os direitos e as liberdades estipulados na Constituição. Sobretudo, cumpre-lhes proteger a vida e a estabilidade das expectativas positivas relativamente à sociabilidade cooperativa e à vigência da legalidade e da justiça. A despeito de sua importância, essas instituições não foram alcançadas em profundidade pelo processo de transição democrática, nem se modernizaram, adaptando-se às exigências da complexa sociedade brasileira contemporânea. O modelo policial foi herdado da ditadura. Ele servia à defesa do Estado autoritário e era funcional ao contexto marcado pelo arbítrio. Não serve à defesa da cidadania. A estrutura organizacional de ambas as polícias impede a gestão racional e a integração, tornando o controle impraticável e a avaliação, seguida por um monitoramento corretivo, inviável. Ineptas para identificar erros, as polícias condenam-se a repeti-los. Elas são rígidas onde teriam de ser plásticas, flexíveis e descentralizadas; e são frouxas e anárquicas, onde deveriam ser rigorosas. Cada uma delas, a PM e a Polícia Civil, são duas instituições: oficiais e não-oficiais; delegados e não-delegados.
E nesse quadro, a PEC-300 é varrida do mapa no Congresso pelos governadores, que pagam aos policiais salários insuficientes, empurrando-os ao segundo emprego na segurança privada informal e ilegal.
Uma das fontes da degradação institucional das polícias é o que denomino "gato orçamentário", esse casamento perverso entre o Estado e a ilegalidade: para evitar o colapso do orçamento público na área de segurança, as autoridades toleram o bico dos policiais em segurança privada. Ao fazê-lo, deixam de fiscalizar dinâmicas benignas (em termos, pois sempre há graves problemas daí decorrentes), nas quais policiais honestos apenas buscam sobreviver dignamente, apesar da ilegalidade de seu segundo emprego, mas também dinâmicas malignas: aquelas em que policiais corruptos provocam a insegurança para vender segurança; unem-se como pistoleiros a soldo em grupos de extermínio; e, no limite, organizam-se como máfias ou milícias, dominando pelo terror populações e territórios. Ou se resolve esse gargalo (pagando o suficiente e fiscalizando a segurança privada /banindo a informal e ilegal; ou legalizando e disciplinando, e fiscalizando o bico), ou não faz sentido buscar aprimorar as polícias.
O Jornal Nacional, nesta quinta, 25 de novembro, definiu o caos no Rio de Janeiro, salpicado de cenas de guerra e morte, pânico e desespero, como um dia histórico de vitória: o dia em que as polícias ocuparam a Vila Cruzeiro. Ou eu sofri um súbito apagão mental e me tornei um idiota contumaz e incorrigível ou os editores do JN sentiram-se autorizados a tratar milhões de telespectadores como contumazes e incorrigíveis idiotas. Ou se começa a falar sério e levar a sério a tragédia da insegurança pública no Brasil, ou será pelo menos mais digno furtar-se a fazer coro à farsa
 
Postagem Prof. Ruben Rockenabach

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Dá-me um porão, uma mãe dominadora e uma boneca e eu te darei um serial killer

     Na criminalística do Discovery Channel e nos filmes policiais, é freqüente o FBI contribuir com seu “especialista em perfil”, para levantar, a partir do modus operandi do criminoso, o grupo psicológico (sic) a que esse pertence. Algo como: “Isso revela que o criminoso é homem, branco, obsessivo, provavelmente na faixa dos 40 anos, que vive sozinho, tem aversão a mulheres, e que deve ter sido criado apenas pela mãe, ou por uma tia.” O solitário quarentão caucasiano, com tendência homossexuais reprimidas, com personalidade oscilando entre a perversidade e a busca neurótica de ordem (colecionador de miniaturas), é um clássico nos perfis traçados pelo CSI, nas entrevistas com médicos forenses, e na fala autorizada de policiais aposentados.          Como eles chegam a esse perfil? Não sei. Mas tenho minhas hipóteses:

   a) O FBI – e seus clones - possui uma psicologia que não se ensina em Harvard, Sorbonne ou em qualquer outra universidade do mundo. É uma psicologia gnóstica que, assim como o Santo Graal, é mantida no mais rígido segredo por uma irmandade que mata ou morre para que os profanos não a conheçam. Nesse caso, a menos que Dan Brown arregasse as mangas e a desvende, continuaremos sendo alienados pela inconclusiva psicologia acadêmica
b) Tal psicologia é na verdade uma psicanalisada rasteira, de senso comum. O especialista em perfis olha para a vítima mulher, vilipendeada e morta, sem que nada lhe fosse roubado, e calcula que uma maldade desse tipo só pode ser obra de um homem que não ama as mulheres. Logo é solitário. E por que não ama as mulheres? Porque foi educado, muito provavelmente, por uma mãe repressora, que o trancava no porão, onde ele passava as tardes torturando gatos e decepando a cabeça da boneca da irmã. Aí se junta tudo:animais, bonecas, porão, fungo, repressão, dominação feminina, uma pitada de homossexualidade, a crise dos 40, o divórcio, a compulsão por comida, vizinhas gostozinhas se exibindo para garotões sarados. E uma mente martelando “por que não eu”, “essas vadias não reconhecem meu valor”, “prostitutas!”, “vou mostrar do que sou capaz”, “tenho que limpar o mundo”, uma faca, um rolo de silver tape...  E qualquer pacato vizinho vira um psicopata.
c) A pefilista sabe, pela conjuração dos astros, que quem matou aquele crime é provavelmente de Áries com ascendente em gêmeos e daí tira essa conclusão, ou qualquer outra permitida por essa ciência milenar, a Astrologia, a que Marcuse, por não conhecê-la a fundo,  dizia ser a "metafísica dos parvos".

Você deve ter notado que nesses perfis o criminoso não costuma ser negro nem árabe. Minhas hipóteses para isso:
a) Negros e árabes nos EUA são tomados como suspeitos “intuitivos”: quando um crime é dado como sem resolução significa que todo negro e todo árabe, num raio de 50 km do ocorrido, já foi detido, surrado e liberado por falta de provas. Ou seja, o perfilista só chega quando os suspeitos habituais já foram descartados;
b) Apresentar o suspeito como sendo branco, ainda que depois se comprove ser um negro, permite ocultar o erro de cálculo, alegando que a polícia sempre soube ser um negro, e falou que era branco só para “não atrapalhar as investigações”; mas se fosse o contrário, ou seja, se a polícia soubesse que era um branco e, para ocultar, fez de conta que era um negro, iria sofrer acusações de preconceito e racismo.

Disso tudo concluo que o suspeito do perfil  do especialista é o resultado de uma bricolagem entre o não-sei-quem-foi e o quero-que-você-pense-que-eu-sei, com pitadas de politicamente correto e 3 palavras de algum livro da década de 1950, com o título de “Aberrações sexuais na infância e a degeneração da nossa mocidade.” Agora vou terminar de assistir o filme e vê se eu já posso ser perfilista de Hoolyood.
Sandro Sell.

Foto: A garota com cara de má que, no fundo, é um doce sendo torturada pelo bom pai de família que, no fundo, é um psicopata. Do filme:  Os homens que não amavam as mulheres. 


sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Santa Catarina: tratamento aos adolescentes como nos tempos da escravidão

Tortura, humilhação, maus-tratos. Uso de armas de fogo para intimidar e algemas de pulso e de tornozelos para castigar. Os itens fazem parte do relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) depois da visita em 14 centros de internação para adolescentes infratores em 20 municípios de Santa Catarina. Com base no que foi apurado, em agosto, por um grupo formado por técnicos e representante do CNJ, foi recomendado ao governo do Estado que feche o Plantão Interinstitucional de Atendimento (Pliat), em Florianópolis; e o Centro Educacional São Lucas, em São José.
— Esperávamos bem mais de Santa Catarina, um estado desenvolvido e mais rico do que outros da federação, em termos de de medidas socioeducativas para os seus adolescentes infratores — disse ao DC, o juiz auxiliar da presidência do CNJ, Reinaldo Cintra Torres de Carvalho.
As queixas dos adolescentes foram ouvidas pela equipe do Programa Medida Justa, do CNJ, que realiza inspeções em unidades de internação de todo o país para traçar um diagnóstico da situação dos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas.
O documento descreve que os monitores, ao invés de internalizar os valores protetivos e socioeducativos no tratamento dos adolescentes, "vivenciam cultura de dominação e intimidação".
— Estas duas unidades, especialmente, apresentam uma realidade pior do que nos tempos das escravidão — observou o juiz.
Na unidade Pliat, definida como "semelhante a uma masmorra da Idade Média", a equipe do CNJ viu, em cada um dos alojamentos, três ganchos presos à parede. Os adolescentes contaram que, ali são algemados nus e, em seguida, agredidos e torturados. Além disso, os internos contaram ser obrigados a urinar dentro de seus próprios alojamentos, em garrafas tipo pet. Isso ocorre quando eles não conseguem ir ao banheiro, porque os monitores se negam a abrir a grade do alojamento.
O clima de intimidação na Pliat se reflete também nas caveiras que adornam o quadro de avisos e nas camisetas pretas dos monitores que, segundo relato dos menores, portam, durante a noite, pistolas.
Na unidade São Lucas, segundo o relatório, a arquitetura é inadequada e "a gestão padece de problemas semelhantes aos verificados no Pliat, com notícias de tortura, agressões, tratamento degradante e intimidação", além do fato de os funcionários não recolherem o lixo despejado pelos internos, que acaba se acumulando no chão.
"Estado não está omisso"
O secretário-executivo de Justiça e Cidadania de Santa Catarina, Justiniano Pedroso, disse que a recomendação de fechamento das duas unidades não irá ocorrer. A menos que exista uma determinação judicial, ponderou. A respeito das denúncias de tortura e uso de armas pelos monitores considerou que "isso não pode ocorrer, mas não tenho como garantir que não aconteça".
Pedroso confirmou, no entanto, que depois de ser informado por representantes da CNJ sobre ganchos nos quais os adolescente seriam algemados, ainda em agosto, mandou retirá-los imediatamente. Pedroso disse que toda denúncia de tortura com fundamento é investigada. Explicou que existem 10 processos administrativos em andamento, inclusive no Tribunal de Justiça, e com recomendação de afastamento por um agente que utilizou arma dentro do Centro Educacional São Lucas.
O secretário disse que o Estado "não está omisso às políticas de atendimento aos adolescentes infratores" e apresentou números relacionados ao aumento de vagas nos centros (de 280 para 680) nas últimas administrações e de agentes (de 53 para 230). O secretário-executivo salientou a respeito das obras em andamento no São Lucas e da construção de unidades em Joinville e Grande Florianópolis.
— Enfrentamos dificuldades para as obras, como o fato das comunidades também não desejarem a implantação de unidades para adolescentes infratores. Mas estamos atentos — disse.
Sobre o uso de camisetas com caveiras, por funcionários do Pliat e que causariam intimidação nos internos, a resposta de técnicos do setor que participaram da coletiva é que "se tratavam de propaganda de um banda de rock".

DIÁRIO CATARINENSE

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Lançamento: S.O.S Segurança Pública

No filme Nascido para matar, do Stanley Kubrick, o recruta Joker, personagem principal, irrita seu comandante por trazer em seu capacete o símbolo da paz ao lado da expressão Born to kill. Interrogado pelo superior, ele respondeu: "É aquela porra do Jung, Sr! A idéia de bem e mal dentro de nós!". 

O que faz Jung na vida militar? Isso eu pergunto ao Alaor (que é PM), e que mandou o convite abaixo. Fui membro da sua banca de   Psicologia  (orientada pelo Paulo Cesar Nascimento - do blog soco no figo). Naquela ocasião, ele defendeu uma interessante tese acerca de como a sombra (conceito junguiano) do herói pairava sobre a função policial militar. Foi aprovado com distinção. Vamos ver o que ele fez dessa vez. Vamos ver como ele conciliou seu olhar teórico e operacional. Estarei lá.

Convido a todos para o lançamento de meu livro "SOS Segurança Pública: soluções práticas para questões emergentes":
 
Local: Livrarias Catarinense - Shopping Beira Mar - Florianópolis
Data: 12/11/2010
Hora 19:00h
 


Sandro Sell

domingo, 7 de novembro de 2010

"Nordestino não deve votar!"

O fato de Dilma ter sido eleita com grande parte do voto das regiões mais carentes do Brasil pode – e deve – gerar uma série de possíveis hipóteses:
 Primeira: os bolsa-isso-e-aquilo não seriam uma forma subliminar de compra de voto? Para mim, a resposta é não, pois que se trata de uma política estatal de distribuição de renda, que – ao contrário dos outros modelos – canalizou verbas da nação para os mais aflitos. Se o governo tivesse ampliado  o subsidio das passagens aéreas, se o governo tivesse aumentado o limite das compras no free-shop (o bolsa-muamba), se o governo tivesse ampliado ainda mais o subsídio ao diesel, para que as caminhonetes de luxo economizem às nossas custas (o bolsa-mitsubishi), se tivesse aumentado  o índice de dedução da lei de incentivo à cultura (para que os atores do zorra-total possam ter seus espetáculos teatrais ainda mais financiados pelo uso de impostos das “empresas patrocinadoras”), se tivesse insistido, enfim, nos inúmeros bolsa-classe-média-alta, ninguém acharia compra de voto. 
Segunda: os nordestinos não sabem votar? Durante décadas se ouviu dizer que os nordestinos, por seu escasso acesso à educação, votavam em velhos coronéis que, dizendo-se seus “padrinhos”, apenas perpetuavam sua miséria. Então, surge um outro “coronel”, só que dessa vez paga para as crianças deixarem as carvoarias e irem para a escola; que tributa negativamente os miseráveis, gerando renda em forma de bolsa. E as pessoas dessas regiões compreendem a diferença entre os “ coronéis”  e votam para que assim continue. Isso é não saber votar?
3)    Mas o que mais assusta é o “ovo da serpente” da mentalidade fascista: bastaram as análises – muito mal feitas, por sinal – de que as regiões pobres é que elegeram a continuidade de Lula para que o fascismo de classe média voltasse à tona: nordestino não deveria votar! Fascismo em grande parte incentivado pela grande mídia que, descontente por ter perdido parte de suas bolsas-publicidade-do-governo e por não poder decidir nas suas reuniões privadas quem seria o presidente do Brasil (como fizeram com Collor), trataram dizer que o resultado da eleição mostra dois brasis: o do Lula e o desenvolvido.
      Foi a vitória da opinião pública sobre a opinião publicada. Pois, leia a as manchetes das revistas e jornais dos últimos anos e note que, para a grande mídia, os únicos problemas relevantes sempre foram: atrasos nos aeroportos, reajustes nos planos privados de saúde, compra-e-venda de atletas e assassinatos com vítimas especiais (ou seja: não favelados). Não é à toa que leitores desses meios não consigam avaliar o significado de 100 reais na vida de uma família no interior do Piauí. Para tais leitores, política pública é melhorar as vias de acesso aos shopings, duplicar rodovias praieiras e baixar o preço da entrada no cinema.
     Infelizmente, para o projeto da manutenção de dois brasis, os pobres estão aprendendo a votar. O “nordestino “ (denominação genérica do eleitor da Dilma de qualquer região) já não é mais controlado unicamente pela opinião da grande mídia. E chamar tal descontrole de analfabetismo político só indica uma coisa: que os “democratas” da oposição só aceitam a soberania das urnas quando saem vencedores.  


    
      Sandro Sell


    Foto: Mussolini, que também só acreditava nas urnas quando estas lhe favoreciam.
  
S

terça-feira, 26 de outubro de 2010

DIREITO E DITADURA (UFSC)

O Programa de Educação Tutorial (PET-Direito) da Universidade Federal de Santa Catarina realizará entre os dias 25 e 29 de outubro o Seminário Direito e Ditadura, envolvendo diversas Instituições de Ensino e intelectuais na tentativa de resgatar o período de Ditadura Militar e seus reflexos atuais.

O evento contará com os a participação dos Professores do Cesusc Mario Davi Barbosa com o título “Somos todos desiguais: a emergência da criminologia positiva e a legitimação do tratamento autoritário na República Velha” (Dia 26/10 – Sala 112/CCJ – Mesa 3: As formas jurídicas do autoritarismo); Muriel Magalhães Machado com o trabalho “Produção cultural brasileira, manifestações político sociais, ditadura militar” (Dia 26/10 – Sala 113/CCJ – Mesa 4: Imagens da ordem: imprensa, mídia, censura e ditadura I); Samuel Martins dos Santos com a produção “Francisco de Oliveira Vianna e a cultura jurídica brasileira: elementos de uma proposta autoritária” (Dia 27/10 – Sala 112/CCJ – Mesa 12 – Os juristas na ditadura e o pensamento autoritário); Ruben Rockenbach Manente com o título “Os direitos humanos como produtos culturais – uma perspectiva da teoria crítica elaborada por Joaquín Herrera Flores” (Dia 27/10 – Sala 109/CCJ – Mesa 15 – Os direitos humanos face ao autoritarismo).

Segundo o Coordenador do Centro de Estudos de Direitos Humanos do Cesusc Prof. Ruben Rockenbach Manente, “o evento é de significante importância para a análise e compreensão de uma nova e urgente cultura de Direitos Humanos, em específico sobre a questão da Democracia atual e as heranças da Ditadura”.

O Seminário será realizado no auditório do Fórum do Norte da Ilha e contará com conferências e mesas redondas, onde cada atividade terá um tema específico em concordância com tema central do evento. Após as conferências, serão abertos espaços de questionamentos e debates entre o público e os conferencistas.

As inscrições são gratuitas e podem ser feitas pelo site http://petdireito.ufsc.br/direitoeditadura/inscricoes/.

A programação está disponível no site http://petdireito.ufsc.br/direitoeditadura/programacao/.

Postagem: Prof. Ruben Rockenbach

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Debate amanhã na OAB

CONVITE: Debate sobre segurança Pública na OAB/SC, dia 26/10

A Comissão de Segurança, Criminalidade e Violência Pública da OAB/SC promove dia 26 de outubro (terça-feira) a partir das 19h, evento para discutir a segurança, criminalidade e violência pública em Santa Catarina.
Os debatedores são o Tenente-coronel PM/SC, Giovani Cardoso Pacheco, o Advogado Sandro Sell e o Professor Dr. Thiago Fabres de Carvalho.

taxa de participação é um dos seguintes itens: achocolatado, leite em pó e biscoitos e/ou outros alimentos não perecíveis. O total apurado será doado para os projetos sociais da OAB Cidadã. A OAB/SC fica na Rua Paschoal Apóstolo Pítsica, 4860, Agronômica, Florianópolis. Os interessados na emissão do certificado devem recolher a taxa de R$ 10,00 (dez reais) na secretaria do evento. Mais informações pelo fone (48) 3239-3560. Inscrições: www.oab-sc.org.br

Fonte: OAB/SC

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Sarau filosófico

Participe do 1º encontro do Sarau com o tema “PSICOLOGIA E DIREITO”. Será no próximo sábado, dia 23 de outubro com início às 19h . Seguido de música ao vivo com o melhor da MPB e Bossa Nova, destacando grandes compositores da música Brasileira. O objetivo desse encontro é reunir ideias para discussões e curiosidades acerca do link proposto e promover a integração de acadêmicos de diferentes áreas do conhecimento, arte e cultura em geral, dando início ao projeto SARAU FILOSÓFICO. 

Contamos com a tua presença!!! 

Entrada: R$ 5 ( couver)

Local Blak-Spell 
Rua Pe. Lourenço Rodrigues de Andrade, 298 Sto. Antônio de Lisboa (sob o mercado Lusitano).
Entre em Santo Antônio (acesso próximo ao CESUSC) e a uns 400 metros, à sua direita, verá o mercado Lusitano, é no segundo piso desse prédio. 

terça-feira, 28 de setembro de 2010

PANOPTISMO E MÍDIA

O capitulo III, na página 162 do livro de Michel Foucalt nos remete ao panoptismo, que é um termo utilizado para designar um centro penitenciário ideal desenhado pelo filósofo Jeremy Bentham em 1785. O conceito do desenho permite a um vigilante observar todos os prisioneiros sem que estes possam saber se estão ou não sendo observados. Encontramos na obra de Bentham a similaridade com um zoológico real onde o animal é substituído pelo homem, criando “quadriculamento” para controle total do indivídiuo. O Panóptico pode ser utilizado como máquina de fazer experiências, modificar o comportamento, treinar ou retreinar os indivíduos, funciona como laboratório para as mais diversas pesquisas. Esse espaço fechado, recortado, vigiado em todos os seus pontos, onde os indivíduos estão inseridos num lugar fixo, onde os menores movimentos são controlados, onde todos os acontecimentos são registrados, onde um trabalho ininterrupto de escrita liga o centro e a periferia, onde o poder é exercido sem divisão, segundo uma figura hierárquica contínua, onde cada indivíduo é constantemente localizado(...). Nos dias atuais vemos muito do que Foulcault coloca em seu capitulo sobre o panoptismo com um controle total de “tudo e todos” uns sobre os outros, nos quartéis, hospitais, escolas, oficinas, indústrias, com suas formas arquiteturais, mas na atualidade recebeu um reforço muito importante da mídia, que poderia ser considerada um avanço em comparação ao passado feroz da ditadura, que restringia sua forma de agir. Portanto, a prática atual se mostra como um enorme desvio dos princípios que as norteiam, pois utiliza-se do temor à insegurança pública como melhor lhe cabe, sem comprometimento algum com a verdade e com a criação de novas soluções para o problema, buscando a corrida pela audiência com o choro inconsolável da vítima, com a manipulação da opinião pública”(SANTOS, 2007) e muitas vezes das autoridades responsáveis pelo legislativo que agem em situação que  decorrem de reações a casos emblemáticos que geraram comoção social (seqüestro do empresário Abílio Diniz e Roberto Medina, ataques do PCC, Daniela Perez entre outros (NUNES, 2008). Assim temos uma legislação que é moldada, costurada de acordo com situações especificas. Com o aumento da violência, pode explodir o "populismo penal" do legislador. Tudo depende do comportamento da mídia, que retrata a violência como um "produto" de mercado. A criminalidade (e a persecução penal), assim, não somente possui valor para uso político (e, especialmente, para uso "do" político), senão que é também objeto de autênticos melodramas cotidianos que são comercializados com textos e ilustrações nos meios de comunicação(podemos verificar com a “vara da fazenda do programa do ratinho” com seus problemas familiares ou ainda com a “vara penal do linha direta” que “procura achar culpados”). São mercadorias da indústria cultural, gerando, para se falar de efeitos já notados, a banalização da violência (e o conseqüente anestesiamento da população, que já não se estarrece com mais nada). (GOMES, 2009). tudo o que o Congresso Nacional está esperando é a eclosão de mais um delito midiático. Se envolver um menor, embora eles sejam responsáveis no nosso país por apenas 1% dos crimes violentos, não há dúvida que os parlamentares vão aprovar a redução da maioridade penal (e vão "vender" isso como solução para o problema da criminalidade violenta do país).(GOMES, 2009) A "mídia" escandaliza as pessoas por ela selecionadas, etiquetadas, rotuladas e das classes hipossuficientes da população que são criminalizadas antes mesmo do “devido processo legal”. Quando a pressão não é direta, é indireta. Da sociedade disciplinar, dócil e útil (tal como foi desenhada por Foucault), passamos para uma sociedade de controle, que se caracteriza pelo uso (e abuso) da pena intimidativa (prevenção geral negativa) e neutralizante (prevenção especial negativa), ou seja, por meio dela procura-se não só intimidar os potenciais delinqüentes (na fase da elaboração da lei), senão também segregar os que são selecionados pelo sistema penal (fase de execução). A sociedade de controle, de outro lado, não objetiva eliminar a criminalidade, sim, só controlar os grupos sociais de risco (os inimigos de cada momento). (GOMES, 2009). A mídia cria a realidade, transfere e molda tudo e todos semelhante com o panoptismo de Benthan, só que em benefícios escusos da classe dominante visando apenas o lucro, o financeiro, o ibope, a audiência, dramatiza, cria ondas artificiais de violência, esquecendo seus reais benefícios informativos e criativos nas resoluções dos problemas (...) Portanto podemos concluir que a mídia e o panoptismo realizam uma relação de “simbiose”, ou seja, um fornecendo munição para o outro, ferramentas que sob tais circunstancias a mídia pauta as agencias executivas do sistema penal, pois as agencias de comunicação possuem um moderno arsenal de equipamentos para o controle, com suas câmeras superpotentes, microcâmaras etc. Essa vigilância funciona através da seletividade, rotulagem, etiquetagem por parte de que detém o “poder” tanto no panóptico quanto na mídia que funciona como “torre central” do panóptico, ou um ajudando o outro neste papel, a mídia com sua popularidade e divulgação de condenados antes do devido processo legal, influenciando a população que desconhece as verdadeiras funções do direito penal (declaradas e ocultas) se afirmando como um “sistema garantidor de uma ordem social justa”, mas seu desempenho real contradiz essa aparência. É um discurso criminológico acadêmico e o discurso criminológico midiático, na qual a universidade não consegue influenciar a mídia, mas a recíproca é verdadeira, a mídia pauta um bom número de pesquisas acadêmicas, remunerada em seu desfecho por consagradora divulgação, que revela as múltiplas coincidências que as viabilizaram. E o panóptico com o adestramento, tornando corpos dóceis, a serviço de uma minoria detentora do poder como acontece nas instituições militares, hospitais, escolas que não podiam mais perder a mão de obra a serviço do capitalismo e sua forma de produção (...)
 
Por: Marcio Verzola (aluno do CESUSC, turma DID 31)
Postagem: Prof. Ruben Rockenbach

O coração delator

"É verdade tenho sido nervoso, muito nervoso, terrivelmente nervoso! Mas por que ireis dizer que sou louco? A enfermidade me aguçou os sentidos, não os destruiu, não os entorpeceu. Era penetrante, acima de tudo, o sentido da audição. Eu ouvia todas as coisas, no céu e na terra. Muitas coisas do inferno eu ouvia. Como, então, sou louco? Prestai atenção! E observai quão lucidamente, quão calmamente posso contar toda a história.
       É impossível dizer como a idéia me penetrou primeiro no cérebro, uma vez concebida, porém, ela perseguiu dia e noite. Não havia motivo. Não havia cólera. Eu gostava do velho. Ele nunca fizera mal. Nunca me insultara. Eu não desejava seu ouro. Penso que era o olhar dele! Sim, era isso! Um de seus olhos parecia com o de um abutre... um olho de cor azul pálida, que sofria de catarata. Meu sangue se enregelava sempre que ele caía sobre mim; e assim, pouco a pouco, bem lentamente, fui-me decidindo a tirar a vida do velho e assim libertar-me daquele olho para sempre.
      Ora, aí é que estava o problema. Imaginais que sou louco. Os loucos nada sabem. Deveríeis, porém, ter-me visto. Deveríeis ter visto como procedi cautelosamente, com que prudência, com que previsão, com que dissimulação, lancei mão à obra!
      Eu nunca fora mais bondoso para com o velho do que durante a semana inteira, antes de matá-lo. todas as noites, por volta da meia-noite, eu girava o trinco da porta de seu quarto e abria-a... oh! Bem devagarzinho! E depois, quando a abertura era suficientemente para conter minha cabeça, eu introduzia uma lanterna com tampa, toda velada, bem velada, de modo que nenhuma luz se projetasse para fora, e em seguida enfiava a cabeça. Oh! Teríeis rido ao ver como enfiava habilmente! Movia-a lentamente, muito, muito lentamente, a fim de não perturbar o sono do velho. Levava uma hora para colocar a cabeça inteira além da abertura, até podê-lo ver deitado na cama. Ah! Um louco seria precavido assim? E depois, quando minha cabeça estava bem dentro do quarto, eu abria a tampa da lanterna cautelosamente... oh! Bem cautelosamente!... cautelosamente... por que a dobradiça rangia... abria-a só até permitir que apenas um débil raio de luz caísse no olho de abutre. E isto eu fiz durante sete longas noites... sempre precisamente à meia-noite... e sempre encontrei o olho fechado. Assim, era impossível fazer minha tarefa, porque não era o velho que me perturbava, mas seu olho diabólico. E todas as manhãs, sem temor, chamando-o pelo nome com ternura e perguntando como havia passado a noite. Por aí vedes que ele precisaria ser um velho muito perspicaz para suspeitar que todas as noites, justamente às doze horas, eu o espreitava, enquanto dormia.
        Na oitava noite, fui mais cauteloso do que de hábito, ao abrir a porta. O ponteiro dos minutos de um relógio mover-se-ia mais rapidamente do que meus dedos. Jamais, antes daquela noite, sentira eu tanto a extensão de meus próprios poderes, de minha sagacidade. Mal conseguia conter meus sentimentos de triunfo. Pensar que ali estava eu, a abrir a porta, pouco a pouco, e que ele nem sequer sonhava com meus atos ou pensamentos secretos... Ri com gosto, entre dentes, e essa idéia; e talvez ele me tivesse ouvido, porque se moveu de súbito na cama, como se assustado. Pensava talvez que recuei? Não! O quarto dele estava escuro como piche, espesso de sombra, pois os postigos se achavam hermeticamente fechado, por medo aos ladrões. E eu sabia, assim, que ele não podia ver a abertura da porta; continuei a avançar, cada vez mais, cada vez mais.
      Já estava com a cabeça dentro do quarto e a ponto de abrir a lanterna, quando meu polegar deslizou sobre o fecho da porta e o velho saltou na cama gritando: "Quem está aí?"
     Fiquei completamente silencioso e nada disse. Durante uma hora inteira não movi um músculo e, por todo esse tempo, não o ouvi deitar-se de novo: ele ainda estava sentado na cama, à escura; justamente com eu fizera, noite após noite, ouvindo a ronda da morte próxima.
     Depois, ouvi um leve gemido e notei que era um gemido de terror mortal. Não era um gemido de dor ou pesar, oh não! Era o som grave e sufocado. Bem conhecia esse som. Muitas noites, ao soar a meia-noite, quando o mundo inteiro dormia, ele irrompia de meu próprio peito, aguçando, com o seu eco espantoso, os terrores que me aturdiam. Disse que bem o conhecia. Conheci também o eu o velho sentia e tive pena dele, embora abafasse o riso no coração. Eu sabia que ele ficara acordado, desde o primeiro leve rumor, quando se voltar na cama. Daí por diante, seus temores foram crescendo. Tentara imaginá-los sem motivo mas não fora possível. Dissera a si mesmo; "É só o vento na chaminé", ou "é só um rato andando pelo chão", ou "foi apenas um grilo que cantou um instante só": sim, ele estivera tentando animar-se com essas suposições, mas tudo fora em vão. Tudo em vão, porque a Morte, ao aproximar-se dele, projetava sua sombra negra para frente, envolvendo nela a vítima. E era a influência tétrica dessa sombra não percebia que o levava a sentir - embora não visse, nem ouvisse - a sentir a presença de minha cabeça dentro do quarto.
      Depois de esperar longo tempo, com muita paciência, sem ouvi-lo deitar-se, resolvi abrir um pouco, muito, muito pouco, a tampa da lanterna. Abri-a, podeis imaginar o quão furtivamente; até que, por fim, um raio de luz apenas, tênue como o fio de uma teia de aranha, passou pela fenda e caiu sobre o olho de abutre.
      Ele estava aberto; todo, plenamente aberto. E, ao contemplá-lo, minha fúria cresceu. Vi-o, com perfeita clareza; todo de um azul desbotado, com uma horrível película a cobri-lo, o que me enregelava até a medula dos ossos. Mas não podia ver nada mais da face, ou do corpo do velho, pois dirigira a luz como por instinto, sobre o maldito lugar.
      Ora, não vos disse que apenas é superacuidade dos sentidos aquilo que erradamente julgais loucura? Repito, pois, que chegou a meus ouvidos em som baixo, monótono, rápido, como o de um relógio, quando abafado com algodão. Igualmente eu bem sabia que som era. Era o bater do coração do velho. Ele me aumentava a fúria, como o bater um tambor estimula a coragem do soldado.
      Ainda aí, porém, refreei-me e fiquei quieto. Tentei manter tão fixamente quanto pude a réstia de luz sobre o olho do velho. Entretanto, o infernal tam-tam do coração aumentava. A cada instante ficava mais alto, mais rápido! Cada vez mais alto, repito, a cada momento! Prestai-me bem atenção? Disse-vos que sou nervoso: sou. E então, àquela hora morta da noite, tão estranho ruído excitou em mim um terror incontrolável. Contudo, por alguns minutos mais, dominei-me e fiquei quieto. Mas o bater era cada vez mais alto. Julguei que o coração ia rebentar. E, depois, nova angústia me aferrou: o rumor poderia ser ouvido por um vizinho! A hora do velho tinha chegado! Com um alto berro, escancarei a lanterna e pulei para dentro do quarto. Ele guinchou mais uma vez... uma vez só. Num instante arrastei-o para o soalho e virei a pesada cama sobre ele. Então sorri alegremente por ver a façanha realizada. Mas, durante muitos minutos, o coração continuou a bater, com som surdo. Isto, porém, não me vexava. Não seria ouvido através da parede. Afinal cessou. O velho estava morto. Removi a cama e examinei o cadáver. Sim, era um pedra, uma pedra morta. Coloquei minha mão sobre o coração e ali a mantive durante muitos minutos. Não havia pulsação. Estava petrificado. Seu olho não me perturbaria.
      Se ainda pensais que sou louco, não mais pensareis, quando eu descrever as sábias precauções que tomei para ocultar o cadáver. A noite avançava e eu trabalhava apressadamente, porém em silêncio. Em primeiro lugar, esquartejei o corpo. Cortei-lhe a cabeça, os braços e as pernas.
      Arranquei depois três pranchas do soalho e coloquei tudo entre os vãos. Depois recoloquei as tábuas, com tamanha habilidade e perfeição, que nenhum olhar humano, nem mesmo o dele, poderia distinguir qualquer coisa suspeita. Nada havia a lavar, nem mancha de espécie alguma, nem marca de sangue. Fora demasiado prudente no evitá-las. Uma tina tinha recolhido tudo... ah! Ah! Ah! Terminadas todas essas tarefas, eram quatro horas. Mas ainda estava escuro, como se fosse meia-noite. Quando o sino soou a hora, bateram a porta da rua. Desci para abri-la, de coração ligeiro,... pois que tinha eu agora a temer? Entraram três homens que se apresentaram , com perfeita mansidão, com soldados de polícia. Fora ouvido um grito por um vizinho, durante a noite. Despertara-se a suspeita de um crime. Tinha-se formulado uma denúncia à polícia e eles, soldados , tinham sido mandados para investigar.
     Sorri... pois que tinha eu a temer? Dei as boas vindas aos cavalheiros. O grito, disse eu, fora meu mesmo, em sonhos. O velho, relatei, estava ausente, no interior. Levei meus visitantes a percorrer toda a casa. Pedi que dessem busca... completa. Conduzi-os, afinal, ao quarto dele. Mostrei-lhe suas riquezas, em segurança inatas. No entusiasmo de minha confiança, trouxe cadeiras para o quarto e mostrei desejos de que eles ficassem ali, para descansar de suas fadigas, enquanto eu mesmo, na desenfreada audácia do meu perfeito triunfo, colocava minha própria cadeira , precisamente sobre o lugar onde repousava o cadáver da vítima.
     Os soldados ficaram satisfeitos. Minhas maneiras os haviam convencido. Sentia-me singularmente à vontade. Sentaram-se e, enquanto eu respondia cordialmente, conversavam coisas familiares. Mas, dentro em pouco, senti que ia empalidecendo e desejei que eles se retirassem. Minha cabeça me doía e parecia-me ouvir zumbidos nos ouvidos; eles, porém, continuavam sentados e continuavam a conversar. O zumbido tornou-se mais distinto. Continuou e tornou-se ainda mais distinto: eu falava com mais desenfreio, para dominar a sensação: ela, porém, continuava a aumentava sua perceptibilidade, até que, afinal, descobri que o barulho não era dentro dos meus ouvidos.
     É claro que então minha palidez aumentou sobremaneira. Mas eu falava ainda mais fluentemente e num tom de voz muito elevada. Não obstante, o som se avolumava... E que podia fazer? Era um som grave, monótono, rápido... muito semelhante ao de um relógio envolto em algodão. Respirava com dificuldade... E no entanto, os soldados não o ouviram. Falei mais depressa ainda, com mais veemência. Mas o som aumentava constantemente. Levantei-me e fiz perguntas a respeito de ninharias, num tom bastante elevado, e com violenta gesticulação, mas o som constantemente aumentava. Por que não se iam embora? Andava pelo quarto acima e abaixo, com largas e pesadas passadas, como se excitado até a fúria pela vigilância dos homens... mas o som aumentava constante. Oh! Deus! Que poderia eu fazer? Espumei... enraiveci-me... praguejei! Fiz girar a cadeira, sobre a qual estivera sentado, e arrastei-a sobre as tábuas, mas o barulho se elevava acima de tudo e continuamente aumentava. Tornou-se então mais alto... mais alto... mais alto! E os homens continuavam ainda a passear, satisfeitos e sorriam. Seria possível que eles não ouvissem? Deus Todo Poderoso!... não, não! Eles suspeitavam! Eles sabiam!... Estavam zombando do meu horror!... Isto pensava eu e ainda penso. Outra coisa qualquer, porém, era melhor que essa agonia! Qualquer coisa era mais tolerável que essa irrisão! Não podia suportar por mais tempo aqueles sorrisos hipócritas! Sentia que devia gritar ou morrer!... E agora... de novo! Escutai! Mais alto! Mais alto! Mais alto! Mais alto! Mais alto...
   Vilões! - trovejei - Não finjam mais! Confesso o crime!... Arranquem as pranchas!.. aqui, aqui! ... ouçam o bater do seu horrendo coração!"

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Alunos de Direito Penal II
Determine a pena do autor do homicídio, de acordo com método já explicado em sala de aula.
DADOS ADICIONAIS: Não havia nenhum registro anterior contra o assassino; ninguém sabia informar sobre seu histórico, a não ser que "era um sujeito estranho e calado"; ele manteve a confissão diante do juiz; ele foi, com base em laudos psiquiátricos, considerado como, desde o momento do crime, capaz de compreender o que fazia e capaz de resistir à prática do crime.  
Para sexta-feira próxima. Sem falta!
Prof. Sandro Sell

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O Judiciário pode calar a imprensa?

Juiz do TO censura 'Estado' em caso de corrupção que cita governador

Decisão proíbe divulgação de qualquer dado sobre investigação a respeito de participação de Carlos Gaguim em grupo criminoso
26 de setembro de 2010
19h 58
Leia a notícia
SÃO PAULO - O desembargador Liberato Póvoa, do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins (TRE-TO), decretou censura ao Estado e a outros 83 veículos de imprensa, proibindo-os liminarmente de divulgar qualquer informação a respeito de investigação do Ministério Público de São Paulo que cita o governador Carlos Gaguim (PMDB) como integrante de organização criminosa para fraudes em licitações.
A mordaça, em 9 páginas, foi imposta sexta-feira e acolhe pedido em ação de investigação judicial eleitoral da coligação Força do Povo, formada por 11 partidos, inclusive o PT, que apoia Gaguim. Na campanha pela reeleição, Gaguim tem recebido no palanque a companhia do presidente Lula e da candidata petista à Presidência, Dilma Rousseff.
O desembargador arbitrou "para o caso de descumprimento desta decisão" multa diária no valor de R$ 10 mil. Ele veta, ainda, publicação de dados sobre o lobista Maurício Manduca. Aliado e amigo do governador, Manduca está preso há 10 dias. A censura atinge 8 jornais, 11 emissoras de TV, 5 sites, 40 rádios comunitárias e 20 comerciais.
O diretor de Conteúdo do Grupo Estado, Ricardo Gandour, considera um "absurdo a decisão judicial de censurar jornais". Ele ressalta que a medida, "além de afrontar a Constituição, se revela mais uma tentativa de impedir a imprensa de cumprir seu papel histórico de fiscalizar a gestão pública".
O gerente jurídico do Estado, Olavo Torrano, disse que a decisão "causa preocupação e perplexidade". O jornal vai recorrer.
A ação foi proposta contra a coligação Tocantins Levado a Sério, de Siqueira Campos (PSDB), opositor de Gaguim, que estaria veiculando "material ofensivo, inverídico e calunioso". O ponto crucial do despacho de Póvoa é o furto de um computador do Ministério Público paulista em Campinas. Os promotores investigam empresários por fraudes de R$ 615 milhões em licitações dirigidas em 11 prefeituras de São Paulo e no Tocantins.
Na madrugada de quinta-feira, uma sala da promotoria foi arrombada. O único item levado foi a CPU que armazenava arquivos da operação que revela os movimentos e negócios do lobista e sua aliança com Gaguim.
O desembargador assinala que a investigação corre sob segredo de Justiça e sustenta que os dados sobre o governador foram publicados a partir do roubo do computador - desde sábado, 18, cinco dias antes do roubo, o Estado vem noticiando o caso.
O desembargador reputa "levianas as divulgações difamatórias e atentatórias" a Gaguim. Segundo ele, "o que se veicula maliciosamente é fruto de informação obtida por meio ilícito que, por si só, deveria ser rechaçado pela mídia". "A liberdade de expressão não autoriza a veiculação de propaganda irresponsável, que não se saiba a origem, a fonte. Tudo fora disso fere a Constituição e atinge profundamente o Estado Democrático."
"Por essas razões tenho que essa balbúrdia deve cessar", afirma. "Determino que todos os meios de comunicação abstenham-se da utilização, de qualquer forma, direta ou indireta, ou publicação dos dados relativos ao candidato (Gaguim) ou qualquer membro de sua equipe de governo, quanto aos fatos investigados."
Fonte:
http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,juiz-do-to-censura-estado-em-caso-de-corrupcao-que-cita-governador,615627,0.htm

Comentário:
O especialista da ONU em combate à corrupção, Robert Klitgaard, diz que a fórmula anti-corrupção é a seguinte:
PLURIPARTIDARISMO + IMPRENSA LIVRE e PLURAL- DISCRICIONARIEDADE
Vivendo no País em que os partidos políticos não possuem programas e valores firmes, o pluripartidarismo se converteu numa série de alianças pragmáticas, em que qualquer "extremo" coliga-se confortavelmente ao outro. Mas, por essa razão, vamos adotar o sistema do partido único?
A imprensa no Brasil sofre do mesmo mal que os partidos: tem poucos valores e muitos interesses comerciais e políticos com p minúsculo. Mas o combate de tal abuso deve ser feito, penso, mediante fortalecimento do pluralismo (cada vez mais vozes dando diferentes opiniões) e responsabilização civil exemplar pelos abusos judicialmente reconhecidos. Mas proibi-la previamente de divulgar dados de investigação de "poderosos" quando qualquer acusado de crimes de bagatela tem sua imagem divulgada sem nenhum freio imposto por nenhum dos poderes competentes, parece ser no mínimo estranho... ou óbvio demais, sei lá.
Mas a polêmica gerada é boa. Briga de cachorro grande. Assunto para o STF criar argumentos ao estilo "duplo twiste carpado", e, ao final, empatar a decisão, mantendo acesa a eterna chama da cordialidade brasileira. 
Sandro Sell