sexta-feira, 30 de abril de 2010

A razão e as paixões


O cavalo e seu cocheiro
Como possível guia da existência, os seres humanos possuem o atributo da razão, essa capacidade de orientar sua conduta de forma planejada, calculada e compreensivelmente adequada aos fins a que se propõem. A posse da razão nos sugere a idéia de que, com prudência e discernimento, podemos controlar as situações em que nos encontramos, garantindo que delas surjam as melhores resultantes possíveis. Na imagem platônica, a razão é o experiente cocheiro a guiar o xucro cavalo dos impulsos imediatistas. Por isso é que se pode dizer que uma vida racionalmente guiada é uma vida protegida daquela parte do infortúnio humano cuja causa só podemos atribuir a nós próprios. Nesse sentido, a razão é uma defesa contra o acaso preguiçoso, daqueles que se dizem vítimas das circunstâncias quando o que lhes trouxe a ruína foi uma simples falta de planejamento e autocontrole.
Quem ainda não foi exortado a “ser racional”?, a agir “com racionalidade?”. É claro que o fato de precisarmos ser lembrados de que é melhor agirmos dessa forma já indica que o uso da razão não é tão natural quanto se supõe. Pela freqüência com que complicamos nossa existência podemos até supor que a razão é de utilização apenas excepcional em nossas vidas. No cotidiano, os impulsos mais imediatos tendem a prevalecer sobre os planejamentos racionais, o cavalo comanda o cocheiro. É assim que, em febres de consumismo, as pessoas levam para casa o que não conseguirão pagar; embriagam-se e dirigem, confiando na imagem do santo que penduraram no espelho do carro; têm relações sexuais sem proteção, acreditando que “o que tiver que ser será”. Ao mesmo tempo, falta-lhes força para seguir planos racionalmente traçados: concluir o curso de línguas, manter a dieta ou tornar-se mais paciente. Parece que, ao final das contas, a razão serve mesmo é para fazer os indivíduos sentirem-se culpados por não conseguirem ser aquilo que, em momentos de extrema calmaria do cavalo, o cocheiro lhes propôs.
A razão fracassa com tanta freqüência porque não é nosso único guia. O ser humano é um ser passional tanto quanto é um ser racional. Se a razão pretende nos conduzir para as melhores resultantes de vida possíveis, as paixões nos arrastam para caminhos que a própria razão desconhece. Por paixões estamos aqui nos referindo aos diversos tipos de obstinações (seja de pensamento, sentimento ou conduta) que nos atraem para algo, com uma pressa, maneira ou intensidade desautorizadas pela razão. A paixão é, sobretudo, produtora de parcialidade, exagera na atenção que concede a um único ponto deixando os outros a descoberto, motivo pelo qual ela é tão freqüentemente associada a uma espécie de vício. Se a complexidade é a lei da vida, concentrar-se em demasia no objeto da paixão é viver de forma desequilibrada e perigosa. Sim, perigosa, porque em desaparecendo esse objeto de paixão, desaparecerá também o sentido da existência do apaixonado. Ébrios sem bebida, dependentes sem droga, amantes sem amados, consumistas sem dinheiro, exemplos de vida em desespero.
Dando um destaque todo especial ao efeito equilibrador da razão sobre a vida de cada um, os moralistas sociais sempre temeram as paixões, por acreditarem que elas são os grandes destruidores do homem enquanto ser colaborativo da sociedade. Teme-se que, sob o império da paixão, o trabalhador deixe de ser obediente ao patrão; o casto, de ser obediente aos seus votos; e o soldado, de ser obediente à pátria, pois que o apaixonado só reconhece um senhor, seu objeto passional. Daí o ancestral controle social das fontes habituais de paixão: sexo, drogas e poder. Esses três elementos não têm autorização para circularem livremente, mas apenas quando acompanhados por rituais que mostrem a excepcionalidade de seu emprego, a coleira que os prende.
É assim que o sexo deve ser feito às escondidas, de preferência a noite, sendo considerado grosseiro perguntar a quantas anda a vida sexual alheia ou exibir suas peripécias sensuais. E duas pessoas correriam mais risco de serem vítimas de linchamento popular se estivessem em uma praça praticando sexo do que se estivessem perigosamente duelando entre si. Pois o duelo não é contagioso como o sexo. O controle sobre o sexo é o reflexo do medo social de que ele seja reconhecido como tão bom que ocupe tempo demasiado das pessoas, que, então deixariam de trabalhar, estudar e contribuir socialmente. A mesma interdição que hoje sofrem as drogas, sofreu a prática da masturbação: prazeres que não trazem benefícios sociais e são de fácil contágio fazem tremer as bases da sociedade. A imagem de que todo drogado é um delinqüente em potencial se equivale em simplismo à imagem feita, antigamente, do adolescente masturbador como um degenerado. Prazeres poderosos e de fácil obtenção devem ser estritamente regulados. Sua possibilidade de existência se resume à clandestinidade ou a momentos rituais, de quebra coletivamente aceita das regras sociais: só há carnaval porque há uma quarta-feira-de-cinzas já previamente estipulada. A sociedade exerce no coletivo aquilo que se acredita ser, individualmente, a função da razão: evitar que a paixão transborde a existência, resumindo-a à perseguição de caprichos pessoais.
Doentes de paixão
Entre os gregos, as paixões foram vistas como algo de que se sofria, um padecimento moral e físico. É assim que se compreende que da mesma palavra grega, “phatos”, haja derivado os vocábulos passional e patologia. Paixão não se tem; paixão se sofre. Em termos religiosos, a paixão era uma espécie de possessão divina, uma forma de os jocosos deuses do Olimpo perturbarem a vida dos pobres mortais. Quem nunca soube da vida toda certinha de alguém que ao defrontar-se com uma enorme paixão caiu como um castelo de cartas? E que esse mesmo alguém, anos mais tarde, refere-se ao período em que se “libertou” daquela paixão, como o período em que se “curou”? Enquanto ele estava doente, nenhum dos apelos de seus amigos à razão eram suficientes. A paixão seria como um daqueles vírus sem vacina ou remédio: ao contrai-lo tudo o que se pode fazer é esperar o fim natural de seu ciclo, pois que o uso da razão lhe é inócuo.
O cristianismo herdou essa má-vontade grega para com as paixões. Passou a considerá-las vícios de caráter, associando-as a pecados, num rol que ia da luxúria à gula. Para o cristão, uma vida racional seria aquela que, mediante a eliminação das paixões, levasse o homem a Deus. Jesus havia dado a fórmula do cálculo de uma vida racional por excelência: “De que adianta ao homem ganhar o mundo e perder a sua alma?” Aquele que acreditava em Deus e não extirpava suas paixões fazia o pior negócio do mundo: trocaria a eternidade bem-aventurada por uns poucos anos de sucesso entre humanos. Sic transit gloria mundi. Daí, o mestre do Evangelho poder dizer com grande convicção “Perdoai-vos, eles não sabem o que fazem”. De fato, só quem não conhecesse as regras do novo jogo (que era, sobretudo, a de um cálculo de rendimentos celestes), ou fosse um completo estúpido, cederia às paixões, comprometendo os dividendos eternos de uma vida regrada.
Com relação à paixão relacionada ao sexo e ao amor, a posição cristã foi incisiva. Os santos eram castos, ou assim se tornavam ao serem convertidos, como no caso de Santo Agostinho. Melhor seria que se imitassem os santos, mas como isso não era possível (sobretudo em termos demográficos), um matrimônio estável era a solução. Se as paixões amorosas se caracterizam pela inconstância, pela troca do objeto de afeto, devido ao esgotamento das forças ou da frustração das inflacionadas expectativas dos amantes, o casamento cristão era o inverso dessa tendência: indissolúvel, exclusivista e cercado de inúmeros deveres que arrefeceriam qualquer paixão exacerbada. Se na Idade Antiga e Média, o casar-se por amor ou desejo recíproco já não era a regra, o casamento aos moldes cristãos estava aí para garantir que, quando tal ocorresse, esse “acidente” seria logo corrigido pelo dever da moderação sexual, da procriação em larga escala e pela necessidade de vigiar não apenas ações e palavras, mas o próprio pensamento. O casamento cristão é, sobretudo, uma tecnologia moral antipaixão.
Enquanto no mercado oficial das condutas, a paixão tinha circulação proibida, no mercado paralelo valia qualquer coisa para possui-la. É assim, que, em plena Idade Média, vemos o “ressurgiumento” da paixão, na sua versão galante. Na medida em que casamento cristão exortava a renúncia, a fidelidade, a indissolubilidade, o cavaleiro medieval tornava-se o símbolo da paixão enquanto arte. Sua astúcia em cortejar damas proibidas, arriscando a vida por amores inconseqüentes, era uma virtude pagã na mesma medida em que era um vício cristão. Nas cortes, a hipocrisia foi a fórmula para lidar com essa dualidade: cerimônias de casamento cada vez mais pomposas, com a multiplicação das testemunhas ao solene ato, disfarçavam a circulação cada vez mais corrente da infidelidade elevada à categoria de arte.
Séculos mais tarde, indignados com o racionalidade rígida do Iluminismo, membros do movimento romântico convertem a paixão no próprio sentido da vida. Alguns acreditam que só se vive bem quando se vive de forma apaixonada. Há, então, a criação de uma estética do sofrimento passional. As paixões nos levam à ruína, é verdade, mas a paixão, em particular a paixão amorosa, nos leva a um sofrimento que redime. A aventura de seguir seus caminhos tortuosos, o risco de ser devorado pelos dragões que a protegem, a convicção de que viver bem é descobrir uma paixão pela qual vale a pena viver ou morrer, tudo isso daria à mísera existência humana uma experiência de grandiosidade. Sob o desespero da razão, a paixão amorosa tornava-se, assim, a forma sublime do sofrimento humano, em síntese: o único que valia a pena.
Paixão e lucro
E as outras paixões, pela glória pessoal, pela riqueza, pelo poder? No geral, continuavam a receber a qualificação de condutas viciosas, indesejáveis, vis, o oposto da razão. Mas não por muito tempo. Numa verdadeira mudança de paradigma, começou a surgir por volta do século XVII um termo tido como o motivador por excelência da conduta humana: o interesse próprio. Formado por um amálgama de razão (de perseguir algo de forma planejada) com paixão (de querer algo obstinadamente), os interesses seriam logo louvados como o guia mais sensato da existência humana. O problema não estava, então, nas paixões, mas na forma irracional de guiá-las. Aceitou-se,até, que as paixões davam o impulso necessário ao progresso da vida humana (Hegel achava que uma vida sem paixão era uma vida imobilizada), mas justamente por serem de natureza impulsiva as paixões tendiam a sugerir caminhos ruinosos para a sua obtenção, e era por isso que precisavam ser guiadas pela razão: deixe que a paixão lhe dê o objeto de afeto (dinheiro, mulheres, glória), mas transfira à razão o modo de conquistá-los e, só assim, a fortuna lhe será estável. Em suma: nós não podemos ser guiados apenas pela razão (pois somos passionais), mas também não podemos ser guiados sem ela: descubra sua combinação ideal de paixão e razão (de interesse) e seja bem-sucedido.
Max Weber, na sua obra mais famosa (A Ética protestante e o espírito do capitalismo) enxergou no capitalista moderno essa junção venturosa de paixão e razão, de interesse, que o levava a acumular riquezas de forma segura e a gasta-la de forma excessivamente prudente. O capitalista queria mais e mais, só que não como seu antecessor, o aventureiro do ouro: se este conquistava de forma espetacular e esporádica (pilhagens, pirataria, caça a tesouros) e gastava de forma mais espetacular ainda (banquetes, bebedeiras e luxúria), o capitalista racional conquistava com método (investimentos contínuos, calculados) e gastava com excessiva discrição e prudência, já que ostentar - sobretudo entre os protestantes, os novos ricos da modernidade - seria prova cabal de um afastamento de Deus e de uma queda nas paixões, no mal sentido do termo.
O homem como ele é
O conceito de interesse nasceu da constatação, sobretudo a partir de Maquiavel, de que o homem é um ser mesquinho, egoísta, passional e que sempre o será. Por mais que a Igreja exortasse a humanidade a ser boa, não haveria jeito, o homem jamais superaria sua natureza. Ele era como aquele escorpião da fábula do lago, que após implorar que o sapo o atravessasse no rio caudaloso, sob a promessa de que não o envenenaria, ainda no meio do trajeto, pica o gentil anfíbio que, moribundo, balbucia: “Grande lucro! Agora eu morrerei envenenado e você afogado”. Ao que o escorpião teria resignadamente respondido: “Sinto muito, meu amigo, mas não posso trair minha natureza”.
Por mais que o homem procurasse imitar Cristo em sua pureza, ele fracassaria: o veneno das paixões lhe era superior. Se o cristianismo queria algo da humanidade teria que se render a essa constatação, como fez o protestantismo com a questão do enriquecimento financeiro: ao invés de proibir os juros (à moda católica) apenas os regrou. Não havia como deixar o escorpião humano menos venenoso, apenas como moderar a freqüência de sua picada.
As concepções de homem da modernidade, de Maquiavel, Hobbes indo até Freud tiveram em comum o reconhecimento de que as paixões nos definem no mínimo tanto quanto a razão. A paixão não é assim, como pensavam os gregos, um vírus que nos é inoculado a partir de fora. As paixões estão em nós, como parte intrínseca do que somos. Podem variar seus objetos, aquilo a que nos apegamos, mas não o fato de que suas manifestações de parcialidade obstinada, mais dia menos dia, acabarão por nos render. A razão não é nosso único senhor, e viver enquanto humano é, em total desagrado à regra bíblica, equilibrar-se na função de serviçal de senhores contrapostos.
Ao contrário do que se pode pensar, reconhecer a força das paixões não é um problema apenas pessoal, mas o problema político por excelência. Se Maquiavel é tido como o pai da moderna política, enquanto ciência, é justamente porque ele estava preocupado em fundar um Estado não para o homem de boa-vontade do cristianismo, nem tampouco para o homem lógico criado pela razão, mas para o homem como ele é: astuto, estúpido, racional e apaixonado. O homem em sua inteireza e simplicidade. E se o mercado, com suas grifes e marcas, pode nos vender tantas adoráveis quinquilharias, que nos encarecem sobremaneira a vida, sem contribuir em nada com a funcionalidade da existência, é porque não fabrica seus produtos para a razão, mas nos delicia a partir de nossa carente passionalidade.
Em resumo não só a política séria, quanto a economia bem-sucedida dão especial atenção às nossas paixões. Se o cidadão e o consumidor um dia forem plenamente racionais teremos que reinventar o mundo, correndo o risco de deixar para traz quase a totalidade dos sonhos que, por enquanto, enchem de sentido nossa precária existência.

Sandro Sell (10.12.06).

quinta-feira, 29 de abril de 2010

DEMOCRACIA NÃO É SÓ VOTO, É PARTICIPAÇÃO POPULAR!

Com a aproximação dos pleitos eleitorais (eleições) uma palavra volta a ser utilizada com extrema freqüência: DEMOCRACIA. Sim, pois, há uma nítida vinculação – diria quase uma equiparação – entre democracia e voto. Costumamos (e somos induzidos a) imaginar que nossa tarefa é escolher, de quatro em quatro anos, representantes para que promovam a administração e direção da coisa pública. No mais, ficamos inertes ou, na melhor das hipóteses, fiscalizamos a atuação da pessoa eleita. E, desta maneira, a democracia (que originalmente significa “poder do povo”) acaba ficando limitada ao voto! Não! DEMOCRACIA É PARTICIPAÇÃO POPULAR! É necessário perceber que a democracia (ou regime democrático) não se limita tão-somente ao ato de votar e eleger representantes que exercerão a administração pública, ao contrário, a democracia constitui-se em participação social das pessoas que devem decidir (não só em épocas de eleições, mas sim ao longo de todo o mandato dos representantes eleitos!) sobre as políticas públicas que afetarão suas vidas e de suas famílias. A verdadeira democracia, uma democracia real, no direito e na apropriação, com igualdade de possibilidades em respeito ao acesso dos bens (materiais e imateriais) mínimos para uma vida digna, com a erradicação da pobreza e da violência urbana, no melhoramento da gestão ambiental, na repartição da riqueza e distribuição das responsabilidades só é possível por meio da participação cidadã na governabilidade local e da mobilização e iniciativa de indivíduos, comunidades, associações e organizações públicas e privadas em prol do bem comum. É urgente, pois, nossa atuação política, cultural e social na abertura de espaços de comunicação, diálogo e participação, estreitando laços e aprofundando as relações no âmbito da família, do bairro, da comunidade, para que o poder de decidir nossos rumos e destinos fique nas mãos de todos e todas. Caso contrário, continuaremos a escutar, ler e pronunciar a palavra democracia de quatro em quatro anos. 

Por: Prof. Ruben Rockenbach

terça-feira, 27 de abril de 2010

A MULHER EM FACE DO SISTEMA PUNITIVO: entre vítima e criminalizada

Parece que o sistema punitivo não buscou criminalizar o gênero feminino com tanta intensidade como o masculino. Em seu processo de criminalização parece haver uma busca ao gênero masculino, reportando-se às mulheres como vítimas de crimes, ou ainda, diante das análises da criminalidade feminina se limitavam ao que poderíamos chamar de delito de gênero, como infanticídio, aborto, homicídio passional. A mulher criminalizada por outros crimes era mostrada como virilizada ou portadora de uma patologia degenerativa, porque a mulher mais ou menos normal não era capaz de cometer delitos violentos (ZAFFARONI, 1993, p.1).
A visão que se tinha da mulher como incapaz de cometer delitos, tem um viés da cultura machista, universalista e moralista, que projetou na mulher para um âmbito privado, cujo controle se dá de modo informal, exercido pela família, a escola, a igreja, a vizinhança (ESPINOZA, 2010, P.39). Assim, quando cometia uma conduta tipificada no Código Penal, a mulher parecia ter transgredido a ordem em dois níveis, primeiro a da sociedade, pois violou uma norma, e segundo a ordem da família, abandonando um papel que ela deveria representar, no qual era socialmente esperado que ela cumprisse (LEMGRUBER, 1983, p. 86). Diante disso, a mulher é criminalizada por sua conduta ilícita e também estigmatizada pela violação do comportamento socialmente esperado, ou seja, recebe também um ônus da coação moral social.
O resultado disso é que a mulher taxada como criminosa passa a ser vista como agente de uma transgressão ainda maior, pois a ação criminosa deveria fazer parte do mundo masculino e a mulher que assume esse papel acaba por se transformar numa espécie de monstro, realizando uma dupla transgressão. Michel Foucault procura entender a figura do monstro em nossa sociedade moderna, definindo-a como sendo essencialmente uma noção jurídica. Desta forma, o monstro seria aquele “que combina o impossível com o proibido”. (FOUCAULT, 2002, p. 70)
A clientela do Sistema Punitivo é historicamente constituída consideravelmente por homens[2]. Deixando suspeitar que o sistema punitivo em seu discurso trabalhe de modo a omitir situações que abarcam o gênero feminino. Sobre isso, Zaffaroni (1993, p.1) diz que nessa omissão, aparentemente ingênua, a mulher aparece como excluída do poder punitivo, centrando quase unicamente nos homens, pois a mulher é selecionada como vítima.
As Mulheres diante do sistema penal, por inúmeras situações são tratadas e visualizadas como vitima de crimes, e poucas vezes autoras de crimes. Desse modo, Andrade (2003, p.175) acentua que “o estereótipo da mulher passiva (...) na construção social do gênero, divisão que a mantém no espaço privado (doméstico), é o correspondente exato do estereótipo da vítima no sistema penal”.
Tal estereótipo não corresponde ao selecionado pela criminalização secundária[3], onde o olhar selecionador do policial é voltado à figura masculina, construído ideologicamente como mais propenso a cometer crimes. A mulher não é estigmatizada como criminosa, pois sua imagem social está ligada a passividade e fragilidade, pela ideologia de que seu lugar é no espaço privado, e, por estar resguardada na intimidade – onde o sistema penal não opera intensamente, como opera no espaço público (rua).
Definiu-se ao longo da história determinadas atribuições, papéis e lugares, que homens e mulheres têm em uma determinada sociedade. Segundo Margareth Rago (2004, p.32), a mulher foi projetada para o âmbito privado (Lar), ao contrário dos homens que tinham seus lugares na esfera pública (trabalho). A ideologia da domesticidade e incapacidade vai se configurando para as mulheres, devendo elas submeter-se à figura masculina em casa e fora dela, sob pena de serem olhadas como anormalidades ou monstruosidades.
A mulher que resolveu adentrar na esfera pública/masculinizada foi estigmatizada moralmente no senso comum, passando a ser vista como prostituta, desonesta, adúltera, podendo até mesmo ser encarcerada e ainda taxada moralmente como uma figura diabólica, passando a ser inimiga da moral e dos bons costumes, essa mulher (pública) estava fora dos padrões morais e era vista com repúdio social.
Andrade (2003, p. 2) lembra que quando selecionadas pelo Sistema Penal, as mulheres eram beneficiadas por este, recebendo certo privilégio por sua condição feminina, como “a exculpante de um estado especial (puerperal, menstrual, hormonal, emocional) e à sua espera os manicômios, antes da prisão”. Ainda, existem tipos penais que são destinados de forma mais especifica às mulheres, tanto no papel de vitimas (estupro, violência domestica)[4] , como de criminalizadas (abortivas)[5].
Mas o que está ganhando destaque atualmente são as criminalizações de mulheres envolvidas com o tráfico de drogas, que faz superlotar Presídios e Penitenciárias femininas de todo país.
No Presídio Feminino de Florianópolis (PFF) no ano de 2006 a porcentagem de mulheres condenadas por tráfico de drogas era de 71% (setenta e um). Fator este que superlotava um espaço construído para abrigar 66 presas. Isso é reflexo da política criminal repressiva voltada aos traficantes, intitulados como inimigos da sociedade.
A clientela do sistema prisional feminino de Florianópolis é claríssima, são aquelas socialmente controladas, vigiadas e rotuladas, que se encontram fora do mercado de trabalho formal, advindos de localidades empobrecidas, onde se impera a atuação criminalizadora do Estado.
Por fim, quando há inimigos a serem combatidos, o sistema penal parece não acolher determinado gênero, seleciona aqueles que se enquadram na conduta a ser eliminada, como no tráfico de drogas. Isso faz com que cresça de forma impressionante o número de mulheres encarceradas por este tipo de crime.

Por: Gabriela Jacinto (estudante de Direito do CESUSC)
Postagem: Prof. Ruben Rockenbach


REFERÊNCIAS
 
DIAS, Maria Berenice. Aborto é crime?. Disponível em http://www.mariaberenice.com.br/pt/aborto-e-crime.cont#. Acesso em 20 de março de 2010.
 ESPINOZA, Olga. A prisão feminina desde um olhar da criminologia feminista. Disponível em https://www.ucpel.tche.br/ojs/index.php/PENIT/article/viewFile/34/33. Acesso em 20 de abril de 2010.
 FOUCAULT, Michel. Os Anormais. São Paulo, Martins Fontes, 2002.
 LEMGRUBER, Julita. Cemitério dos Vivos. – Rio de Janeiro: ACHIMÉ, 1983.
 ZAFFARONI, Eugênio Raul. La mujer y el poder punitivo. In Vigiadas e Castigadas. Lima: CLADEM, 1993.


[2] Com relação a grande massa carcerária composta por homens, segundo dados oficiais do Departamento Penitenciário Nacional, no ano de 2005 existiam presos em regime fechado 4.470 homens e 294 mulheres no Estado de Santa Catarina.
[3]  Conforme acentua Baratta os processos de criminalização secundária acentuam o caráter seletivo do sistema penal, guiados por preconceitos e estereótipos, para atuação dos órgãos de investigação e órgãos judicantes (2002, p.176).
[4] A redação do Código Penal vigente, dizia ser estupro - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça, onde somente mulheres poderia ser vítima deste delito, mas com a Lei nº 12.015/2009, houve a alteração da especificidade mulher para alguém. No caso da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), não se destina somente à mulher como uma possível vítima, mas a proteção determinada em lei só está prevista para ela.
[5] É interessante frisar, que a questão criminalização do aborto é algo que expressa muita polêmica, principalmente das organizações favoráveis a legalização e as entidades religiosas. Não podemos esquecer que o Código Penal brasileiro é de 1940, época em que a sociedade estava condicionada a preceitos conservadores religiosos (DIAS, 2010, p.1).

Grupo de Estudos Direitos Humanos e Contextos: próximo encontro dia 29/04 (questões de gênero)

Prezad@s,

Conforme solicitação de esclarecimento dos participantes do grupo, venho retificar as datas do cronograma geral antes estipuladas, de acordo com o novo cronograma que segue abaixo. ASSIM TEREMOS GRUPO NA PRÓXIMA QUINTA COM O TEMA "QUESTÕES DE GÊNERO".  

CRONOGRAMA:

15-04: teoria crítica dos direitos humanos;
22-04: globalização e sistema penal;
29-04: questões de gênero: violência contra mulher e direito de aborto;
06-05: a questão da propriedade na modernidade;
13-05: cidadania, democracia e pluralismo;
20-05: meio-ambiente, desenvolvimento e direito dos animais;
27-05: consumismo e exclusão social.
 
Por: Prof. Mario Davi
Postagem: Prof. Ruben Rockenbach

Gripe A...nta

Talvez Balzac estivesse certo e Shakespeare não. Refiro-me aos jornais. Talvez eles sejam, como disse Balzac, os lupanares do pensamento. Uma coisa pode ser considerada certa: eles fornecem informações. Mas que tipo de informações?
Não venham me dizer que os jornais são imparciais. Não venham me falar que sem eles não viveríamos. Não venham me comentar que eles mostram somente a verdade. Qual verdade? Não tratem os jornais como novelas. Alguns sábios dizem que elas – as novelas - tratam da realidade. A título de curiosidade: Qual realidade? A minha? A sua? Eu não sou da Índia, muito menos faço parte de suas crenças, credos. E esses sábios dizem que ela mostra a realidade. Sei...
Sem os jornais, talvez a vida seria mais bela, talvez a vida fosse mais doce, la dolce vita. É impressionante como uma notícia muda tudo, todos, todas. Um simples telefonema anônimo e o caos se instala. Não abra mais as cartas, elas devem ter antraz! Conspira-se contra o vizinho, sogro, sogra (essa sempre merece atenção!). Hã, eu sempre soube que ele era suspeito. Comprava muita comida congelada... Detetives para botar inveja em Sir Doyle.
- Extra, extra, uma nova forma de gripe chegou para nos assolar! Dizem, os especialistas, que seu impacto será tão forte quanto a peste negra de séculos atrás. Noticiou um jornal fictício ou verídico. Tanto faz! Aprendi em matemática que a ordem dos fatores não altera o resultado. O nome da “coisa”, segundo esse jornal, é gripe suína, mas como a moda não pegou, denominaremos – seguindo as tendências de Milão - A...nta, gripe A...nta!
Estamos em alerta! Não aperte a mão do companheiro, não espirre, não tussa, não! Usaremos máscaras mesmo que fiquemos parecidos com alguma dançarina do funk. Quarentena já. Atenção, muita atenção! Todo cuidado é pouco! Cuidado com a gripe, porque...*
* O autor deste post, por motivos de suspeita de gripe A...nta, não acabou de escrever o texto.

O autor no caso é o
Luccas Neves Stangler.

http://www.luccasneves.blogspot.com/

Postado pelo Sandro Sell

segunda-feira, 26 de abril de 2010

A provisória tarda mas não solta...

“Ações a fazer”
Com o título acima, a Folha de São Paulo, no editorial deste domingo, enfrentou a questão do “sistema” carcerário brasileiro.
Segundo o jornal:
- em 9 anos, dobrou a população carcerária brasileira;
- o número total é de 473.000 detentos;
- 44% são presos provisórios;
- entre 2008 e 2008 a quantidade de presos provisórios subiu 6%;
- hoje há três vezes mais presos do que vagas nos presídios.
Conclui o Editorial que “É evidente, diante desse cenário, a necessidade de agilizar a atuação da Justiça. Fere os preceitos democráticos e é uma violência do Estado contra cidadãos manter alguém durante anos num cárcere sem julgamento.”
“É um quadro desumano e insustentável.”


Texto enviado pelo Felipe Moreira de Oliveira
Postado pelo Sandro, já que o Felipe ainda não tinha a senha...

domingo, 25 de abril de 2010

117 brasileiros assassinados por dia no País!




Cento e dezessete brasileiros são assassinados por dia no País. Em dez anos, entre 1997 e 2007, 512,2 mil assassinatos. No ranking da violência, o País amarga a sexta posição, entre 91 pesquisados, perdendo apenas para El Salvador, Colômbia, Guatemala, Ilhas Virgens e Venezuela. Os dados fazem parte do mais recente Mapa da Violência – estudo elaborado pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz e único sobre o tema a abranger todos os Estados do País.
"Esses números são realmente surpreendentes até para nós que estudamos a violência. Porque é totalmente diferente do que se ouve falar do Brasil: um País pacífico, alegre, acolhedor", afirma Tião Santos, coordenador de projetos de segurança pública e juventude do Viva Rio. Exemplos em cidades fora do País e aqui mostram que é possível reverter, ou melhorar, este quadro. O caminho, dizem os especialistas, investimento na polícia e na qualidade de vida das pessoas.
Melhor qualidade de vida
Para Santos, a prioridade é trabalhar com políticas que deem fim ao abismo que separa pobres e ricos no País. “Embora tenha melhorado nos últimos anos, existe uma extrema desigualdade entre as classes sociais mais ricas e mais pobres no País”.
Dados divulgados pela Organização das Nações Unidas (ONU) neste ano mostram que cinco cidades brasileiras estão em as 20 mais desiguais do mundo. São elas: Goiânia (10.º lugar), Belo Horizonte (13.º), Fortaleza (13.º), Brasília (16.º) e Curitiba (17.º). Na América Latina, o Brasil, segundo estudo da ONU, é o país com maior distância social. O Rio, na 28.ª posição, e São Paulo, na 39.ª, também são cidades com alto índice de desigualdade, de acordo com o relatório.
O mexicano Eduardo Lopez Moreno, que coordenou o relatório que analisou 138 cidades em 63 países, também destaca que o vínculo entre desigualdade e criminalidade é direto. Diz ele: “cidade mais desigual gera muito mais problemas sociais. Estatisticamente, existe o vínculo”.
O Mapa da Violência é um exemplo. O estudo organizado pelo professor Waiselfisz, em comparações de diferentes índices, mostra que mais do que a pobreza absoluta ou generalizada, é a pobreza convivendo com a riqueza que teria maior poder de determinar altos níveis de homicídio em uma região.
Segundo o estudo, quase 48% da variação dos índices de homicídio total é explicado pela variação dos índices de concentração de renda. Mais ainda, diferentemente do que acontece com o indicador de pobreza, o referente à concentração da renda explica melhor os homicídios juvenis (50,7%). Em outras palavras, os jovens seriam mais afetados pelos diversos efeitos e manifestações da concentração de renda.

sábado, 24 de abril de 2010

Epidemia moral

Desrespeito aos outros é como moléstia que se propaga pelo ar, é miasma de calor, bafo pestilento. Infecta mesmo os que se pensam por cima da situação. Não existem os homens maus e os homens bons, existe o cultivo compartilhado da maldade entre todos. Aquele que pensa estar acima dos outros só tem razão num ponto: está acima da burrice média de seus semelhantes.

Roberto Sioux

Postado pelo Sandro Sell

Professor Sandro em palestra



Quem quiser se INSCREVER entre no site da Associação dos Advogados Criminalistas de Santa Catarina

Dosimetria da pena: trabalho para a DID41

"Se você não fez nada de errado, por que contratou um advogado???"



Orientações gerais para o trabalho

Preliminarmente: trata-se de uma "sentença didática", assim não se deve seguir o modelo de fundamentação exígua em voga no cotidiano judicial. O aluno deverá demonstrar que decide dessa ou daquela maneira porque é capaz de refazer o caminho lógico e doutrinariamente sustentável da aplicação da lei ao caso.
1) Digitado, com redação adequada ao nível de instrução superior (erros gramaticais serão descontados, falta de organização será descontada, alunos com nomes citados apenas parcialmente não serão avaliados);
2) Não interessa onde se passa o caso analisado, para efeitos desta avaliação, ele ocorre em Florianópolis, sendo aplicada sempre a lei brasileira; questões processuais não devem ser levantadas;
3) As condenações afirmadas nos exercícios não informam o tipo de crime cometido, se ele foi doloso ou culposo, se houve privilégios, majorantes, causas de aumento de pena etc. Isso deverá ser FUNDAMENTADAMENTE sustentado pelos alunos, com base na doutrina indicada na Bibliografia do Plano de Ensino e/ou em autores de notório prestígio acadêmico, descartando-se qualquer utilização de resumos jurídicos, apostilas e decisões judiciais não publicadas e, nesse caso, não anexadas ao trabalho.
4) Antes de aplicar a pena, deverá o aluno fazer um resumo do caso, destacando os pontos relevantes em termos penais;
5) A lei será citada por completo, isto é: Art. 121 – Matar alguém...” e não apenas Art. 121, caput do CP; a doutrina, conforme as regras da ABNT (e não segundo os costumes de redação jurisprudencial);
6) Cada circunstância judicial deve ser analisada separadamente, dizendo o aluno por que a considera ou deixa de fazê-lo; o mesmo vale para agravantes e atenuantes. Causas de aumento e diminuição de pena só serão citadas se for o caso de serem aplicadas.
7) Ausência de dados no caso significa que eles não existem, não podendo os alunos supri-los por imaginação. Assim se nada é falado sobre “reincidência”, considera-se que o condenado não o é.
8) Como está na fase de cálculo da pena, não se há mais que falar em excludentes de ilicitude ou de culpabilidade. Qualquer “descoberta” de informação que impossibilite a resposta da questão deverá ser feita até uma semana antes da data do início das argüições, não se admitindo defesas preliminares nesse dia;
9) Lembre-se de evitar o bis in idem! Se houver mais de uma qualificadora, eleja uma para funcionar como tal e use a outra como agravante (se possível - parte da doutrina inclusive nega tal possibilidade) ou circunstância judicial (se possível);
10) A parte escrita deste trabalho vale até 5,0 (cinco) pontos, cabendo o restante a capacidade de o aluno justificar os pontos levantados oralmente pelo professor;
11) O professor, por sua livre escolha, poderá argüir apenas um membro da equipe, sendo ele, então, seu representante, para efeitos de justificar o trabalho. Nenhuma equipe é obrigada a aceitar membros que não deseja, mas uma vez tendo-os aceito, responde solidariamente pelo seu desempenho.
12) Jurisprudência não é ato de conhecimento, mas pronunciamento político do Estado; não sendo admitida para indicar o acerto da decisão. Da mesma forma, o mero referir-se que o autor A ou B pensa desse jeito não é suficiente: é preciso mostrar por que o autor pensa daquela maneira.
13) O aluno que faltar no dia de sua apresentação receberá apenas a nota da parte escrita do trabalho.
12) Roteiro simplificado:
I) Identificação da equipe
II) Resumo do caso;
III) Tipificação do caso (Crime e sua eventual qualificadora) - com fundamentação.
IV) Análise das circusntâncias judiciais (art. 59) para a determinação da pena-base.
V) Acrescentar as possíveis agravantes;
VI) Descontar as possíveis atenuantes;
VII) Aplicar possíveis causas especiais ou gerais de aumento ou diminuição de pena.
VIII) Determinar a pena resultante e o regime inicial da condenação.
13) Entrega dos casos por escrito no dia 10 de maio de 2010.
14) Na aula de amanhã serão entregues os casos.
15) Dúvidas poderão ser postadas como comentários aqui no blog.

Filmes a serem analisados:
O homem do ano

Equipe 1: o primeiro homicídio do Maiko
Equipe 2: o segundo homicídio do Maiko
Abril despedaçado:
Equipe 3: O homicídio do Neto
Equipe 4: O crime do pai do Neto no homicídio deste
Fale com ela
Equipe 5. o estupro
O Corte
Equipe 6: só o primeiro homicídio
Equipe 7: só o segundo homicídio
Entre quatro paredes
Equipe 8: o homicídio contra o filho do médico
Equipe 9: o homicídio do médico
O adversário
Equipe 10. O homicídio contra os filhos.
Equipe 11. O homicídio contra o sogro.
Tolerância
Equipe 12. O homicídio contra a amante do marido.
O talentoso Ripley
Equipe 13. O primeiro homicídio do protagonista.
Equipe 14. O segundo homicídio do protagonista.
O homem que copiava
Equipe 15. O homicídio contra o pai da namorada do persinagem de Lázaro Ramos
Match Point
Equipe 16. O homicídio.

Abraço, Prof. Sandro

Quando a gente ama...

  não pensa em dinheiro.
Desde que entrei na faculdade, não vejo a hora de me formar. Um dia desses eu estava pensando que no final desse ano eu chego na metade do curso e, por conta disso, comecei a pensar no meu primeiro dia de aula. Quando a gente chega à faculdade a primeira pergunta que nós ouvimos é “Por que Direito?” e, infelizmente, a resposta que mais obtemos é: “Porque dá dinheiro!”. Em um artigo, o juiz federal substituto, Arthur Pinheiro Chaves, disse que “Quem ingressa no curso de Direito com objetivo apenas de ganhar dinheiro fácil será o ultimo a ter sucesso profissional, pois esbarrará no crivo da realidade.”.
Mas como toda regra possui exceção, além daqueles sujeitos que fazem Direito pelo dinheiro e não obtém um sucesso profissional, existem aqueles, infelizmente (em minha opinião), “chegam lá”. De alguma forma (talvez pela ambição de ganhar dinheiro), eles acabam se tornado juízes, advogados, promotores...
A questão é que essa ambição pelo dinheiro não acaba quando eles ocupam seus cargos. Não satisfeitos com o salário, eles continuam fazendo algumas “atividades extras” e, consequentemente, acabam ferindo brutalmente o Direito.
Essa louca ambição pelo dinheiro é uma bola de neve, que cresce na medida em que a corrupção vai se tornando comum no Judiciário. Bertrand Russell disse que “é a ambição de possuir, mais do que qualquer outra coisa, que impede os homens de viverem de uma maneira livre e nobre.”. Os que chegaram a ser juízes, por exemplo, por dinheiro, vão vender sentença para ganhar um “dinheirinho extra”. Afinal, o dinheiro é o que importa!
O diferencial para o bom profissional, o nobre, é o amor pelo Direito. Quando se faz Direito por amor, a ambição fica de lado, o dinheiro é consequência, como diz Tim Maia: “Quando a gente ama não pensa em dinheiro”. Quando passamos a amar o Direito, começamos a fazer o que Albert Einstein sugeriu: “Procure ser um homem de valor, em vez de ser um homem de sucesso.”.
O sucesso vem para aquele que tem ousadia, e vontade de saber cada vez mais. Vem pra quem com determinação, se dedica e aposta no amanha. Vem pra quem procura se superar, pra quem tem esperança de dias melhores, mas não fica parado esperando esses dias chegarem. Para obter sucesso é preciso ter iniciativa para diferenciar-se da multidão, é preciso ter disciplina e garra para levantar em meio aos obstáculos.
Termino esse texto, deixando clara a minha profunda infelicidade toda vez que ouço um “Porque dá dinheiro!”, com um trecho do texto escrito por David Coimbra, escritor e radialista: “No Brasil, para grande parte dos brasileiros, o maior valor, e não raro o único valor, é o dinheiro. E quem tem o dinheiro entre seus principais valores não tem valor algum (...). Porque não existe diferença entre o assassinato cometido na periferia e o bilhão roubado de Brasília - ambos são produtos da ausência de valores. Produto do amor ao dinheiro. Que é o mesmo que desamor.".

Pra quem quiser conferir o texto todo. Vale a pena!

Escrito pela Paulini



Postado por Sandro Sell

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Revisão 2: Direito Penal I

Assinale uma única alternativa correta
1) Militante ferrenha de uma associação de proteção aos animais, Joana, ao notar que um cãozinho se atravessa à frente de seu carro, prefere desviar-se para o acostamento, mesmo vendo que um mendigo ali estava deitado. O homem morre em função do acidente. Quanto à ilicitude, a conduta lesiva de Joana se enquadra em:
a) Exercício regular de direito.
b) Estado de necessidade justificante.
c) Coação irresistível.
d) Inexigibilidade de conduta diversa.
e) NDA
2) Caio, indo para a sua formatura em Direito, num ímpeto de felicidade inconseqüente, botou fogo num matagal, - uma área pública, que ficava à beira de uma estrada. De um lugar em iminente risco de fogo na mata, ele ouve gritos, pensou em ir ajudar, mas não querendo ficar com cheiro de fumaça, achou melhor seguir em frente. Do caminho, ele ligou para os bombeiros, que encontraram morta a pessoa que gritava, carbonizada pelo fogo provocado por Caio. Tal pessoa, que estava amarrada, era, na verdade, uma vítima de seqüestro, que tinha sido deixada ali pelos seus captores, para morrer de fome. Com base no caso, assinale a alternativa correta:
a) Ao ligar para os bombeiros, Caio se isentou da responsabilidade penal pela morte verificada.
b) Caio responde por omissão de socorro.
c) O seqüestrador responde por omissão de socorro.
d) O seqüestrador não responderá pela consumação da morte da vítima.
e) NDA.
3) Perturbando, repetidas vezes, o regular desenvolvimento da aula, Zeca é advertido pelo Professor nos seguintes termos: “O sr. quer fazer a gentileza de se calar para que eu possa continuar minha aula?”. Aos berros, Zeca responde: “Macho nenhum me manda calar a boca, ainda mais professorzinho de m...!” O mestre, então, requer auxílio da segurança do campus para que expulsem Zeca da sala. Este é levado, então, para a sala do Diretor, onde recebe uma suspensão. Zeca entra com uma ação contra a faculdade e contra o professor pelo ocorrido. Com base no caso, assinale a alternativa correta:
a) Ao expulsar Zeca da sala, o professor agiu em legítima defesa.
b) Ao determinar que Zeca se calasse, o professor agiu em exercício regular de direito.
c) Reconhecida a legítima defesa do ato do professor, restaria impossibilitada a Zeca uma ação por danos morais, pelo mesmo fato, contra o professor na justiça civil.
d) O professor tem base, no caso, para processar Zeca, penal e civilmente (por exemplo: injúria e danos morais).
e) Todas as alternativas acima estão corretas.

4) O comerciante Vandré, notando pela janela que o valentão Geraldo estava surrando o seu próprio filho (Geraldo Jr., de 12 anos) de forma tão desmedida que sangue já escorria pela face do menino, adentrou a força na casa do vizinho, com o intuito de libertar a criança, já que temia pela vida dela. Ao vê-lo em sua casa, Geraldo chamou-o de “intrometido”, municiou-se de uma faca e esfaqueou Vandré no abdômen, causando-lhe lesão grave. É correto afirmar:
a) Vandré deve alegar, em seu favor, a excludente do estrito cumprimento do dever legal.
b) Geraldo agiu contra Vandré amparado em legítima defesa.
c) Geraldo agiu contra seu filho em exercício regular de direito.
d) Vandré responderá pelo crime de invasão de domicílio e Geraldo pelas facadas que desferiu.
e) Geraldo pai não agiu ao abrigo de excludentes de ilicitude.

5) (Cena 1): O policial Aristóteles foi executar uma ordem judicial de reintegração na posse, em desfavor de Alex e Helena. Havendo resistência dos posseiros em sair voluntariamente do local, o policial gritou para que eles deixassem a área, nos moldes do mandado, sob pena de pedir reforços e tirá-los à força. O casal, então, xingou Aristóteles de “veado”, “puxa-saco” e “filho-da-puta”, além de jogar estrume de vaca nele. Acuado o policial faz dois disparos para cima, em seguida vai buscar reforços. (Cena 2): Quando o reforço chegou, o policial algemou o casal e passou a esfregar estrume de vaca no rosto de ambos. Para afastar tal conduta do policial, Alex reage com um pontapé que quebra dois dedos da mão de Aristóteles. Sobre o fato pode-se dizer.
(A) Aristóteles tinha o dever legal de suportar, sem reagir, o comportamento inicial do casal, na forma como descrito na cena 1.
(B) Aristóteles agiu em legítima defesa na cena 2.
(C) Alex, ao dar o pontapé, agiu em legítima defesa na cena 2.
(D) Aristóteles ao determinar que o casal deixasse a área agiu em exercício regular de um direito.
(E) Aristóteles deve responder criminalmente pelos tiros disparados na cena 1.

Nas questões abaixo, coloque V (verdadeiro) ou F (falso):
6. ( ) Não se admite legítima defesa real contra legítima defesa real.
7. ( ) É possível haver legítima defesa real contra legítima defesa putativa.
8. ( ) Chama-se ofendículo aos cacos de vidro, cercas elétricas e similares postos como proteção regular à propriedade.
9. ( ) Quando o agente depois de iniciar a prática de um furto, desiste voluntariamente de prosseguir na ação, deixando a mercadoria que subtraia no lugar onde estava, responderá apenas por tentativa de furto.
10. ( ) Quando o suposto agressor foi morto com tiro pelas costas não há que se falar em legítima defesa, pois tal situação é incompatível com a legítima defesa.
11. ( ) Não se admite legítima defesa contra a agressão de menores de 14 anos.
12. ( ) Pela leitura do artigo 25 do Código Penal é inadmissível a alegação de legítima defesa da honra.
13. ( ) A lesão corporal causada pelo boxeador ao, no ringue e dentro das regras do boxe, quebrar o nariz do seu adversário não é crime por se enquadrar em estrito cumprimento de um dever legal.
14. ( ). É em tese penalmente inadmissível a situação de sacrificar uma vida humana para salvar a de um cão.
15. ( ) Uma garota de microssaia e conduta vulgarmente provocante num baile funk não pode dar um soco no indivíduo inoportuno como a única forma disponível de afastá-lo de agarrões lascivos, e alegar legítima defesa porque ela foi o agente provocador da agressão sexual sofrida.

TRAZER FEITA PARA A AULA DE QUINTA-FEIRA.
Sandro Sell

LIBERTE A VIDA: DESEJE UM MUNDO MELHOR!

A modernidade veio acompanhada de inúmeras características e consequências à sociedade mundial. O aprisionamento de nossas vidas ao tempo, ao desejo e ao consumo é um dos traços mais marcantes da nossa era (atualmente não há mais distinção entre o tempo de trabalho, o lazer e o descanso). Estamos sempre produzindo, inclusive na hora de sonhar e desejar! A capacidade de criação e produção dos seres humanos é o recurso mais perseguido pelo atual processo de globalização. O tempo é cada vez mais rápido e está mais longe de nossas mãos, o que, de fato, impede um conhecimento adequado das questões e a tomada de ações conscientes. O mercado antes de produzir o produto cria o consumidor e estabelece suas pautas de ação. Nós somos o produto e a propaganda do mercado! Ao mesmo tempo somos promotores do produto e produto que promove. Vendedores ambulantes (a marca vale mais que o produto!). Temos a incumbência de cuidar do marketing e ser mercadoria. Nossa vida está aprisionada pelas facetas vitais da modernidade. Vivemos em uma grade de ferro! Por isto urge retomar o curso do tempo, liberando a vida dessa prisão imposta e livrando-nos do desejo de consumir o produto que somos. A vida não é um simples objeto, é um predicado. A vida é o que passa, o que atravessa, o que muda, o que transita entre nós. A vida não pode ser definida pelo que ela é, mas sim pelo que pode ser. É potência. Devemos colocar o desejo em seu devido lugar: desejando um mundo melhor, um mundo possível, uma outra história que nos permita quebrar as correntes colocadas por este novo processo de controle social. Saber desejar. É fundamental recordar que não desejamos as coisas porque são boas, mas, ao contrário, as coisas são boas porque desejamos. É hora de mudar o ritmo do tempo, do desejo e do consumo. Tudo está por fazer e por ser reinventado. Nós, hoje e sempre.

Por: Prof. Ruben Rockenbach

Grupo de Estudos Direitos Humanos e Contextos - segundo encontro

Primeiramente, gostaríamos de lhes agradecer pela presença e iniciativa de partilhar conosco um momento e espaço tão oportunos e abertos à discussão sobre a temática dos Direitos Humanos. De forma idêntica fica aqui nosso imenso agradecimento pela abrodagem realizada pelo Prof. Thiago Fabres.  Agradecemos mais uma vez a oportunidade e contamos com a presença de tod@s para o próximo encontro na quinta que vem:

CRONOGRAMA:

06-05: questões de gênero: violência contra mulher e direito de aborto;




Por: Prof. Ruben Rockenbach

REDUÇÃO DOS PRAZOS DE PRESCRIÇÃO

Os prazos de prescrição
são reduzidos de metade
quando o criminoso era, ao tempo do crime,menor de 21 anos,
ou, na data dasentença, maior de 70 anos de idade

A referência do Código Penal
ao menor de 21 anos de idade
é nítida e textual,
não havendo ligação expressa a menoridade

Outro ponto importante a destacar
é o advento do Estatuto do Idoso,
que especial proteção passou a dar
a este ser maravilhoso

Essa lei, em nada alterou a contagem da prescrição,
que continua a ser feita pela metade
somente quando na data da sentença
a pessoa atingir 70 anos de idade.

Por: JORGE DA ROSA
Postagem: Prof. Ruben Rockenbach

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Uma reflexão portenha...


 "Sr. Juiz:


É preciso saber como se vive, para então compreender por que se peca!"


Sentencia, Tango de 1923, escrito por Celedonio Flores

Postado por Sandro Sell

Você sabe quem eu sou?



Gravações são recortes de um momento. Um momento tem seu contexto, talvez agravador do fato, talvez até excludente de qualquer conduta delituosa ou inapropriada. Mas sempre explicativo. A gravação recente de um vídeo, divulgado pela RBS, em que uma desembargadora do Tribunal de Justiça de Santa Catarina usa uma variação da famosa frase "Você sabe com quem está falando!" não fala por si mesma, mas permite algumas reflexões:
a) uma autoridade diante de um ato supostamamente abusivo de um policial deve defender-se lembrando quem é? Ou deveria recorrer aos canais legais como todo mundo? Não devem ser elas - as autoridades - as primeiras a acreditar nos procedimentos que exigem dos outros?
b) uma autoridade diante de um ato agora supostamente legal de um policial pode exigir tratamento a partir de quem é, e não do que fez? Não estamos mais no tempo das Ordenações Filiphinas em que o que era dever do plebeu era Direito do nobre. 
Se houve as prévias agressões à desembargadora de que se deduz da nota da AMC (reproduzida abaixo)espera-se que levem o caso a frente e mostrem provas, pois seria bom (além de um dever) coibir o suposto abuso policial. Mas se não há essas tais agressões ou elas não podem ser provadas, questiona-se a defesa intuitiva de alguém simplesmente por ser autoridade - sobretudo por uma associação de magistrados, os senhores das provas e do due process of law!.
Mas há outra base de interpretação do episódio também. Naquele momento, ela era "mãe" (se fosse "pai" não seria diferente), e mães - incluindo a minha - costumam ser emotivas, superprotetoras e passionais diante de possíveis agressões ou contrariedades legais a seus filhos. Isso é presumido. Tanto assim o é que nenhum juiz é autorizado a julgar (a agir como "profissional")  os seus próprios filhos. Nesse caso, compreender-se-ia o destempero momentâneo ("mãe é mãe"), mas não a nota da associação, que não é da família.
Pelo recorte do vídeo a conduta da magistrada foi muito, digamos, inadequada.
Agora, pondere-se, a favor do contexto omitido, que a polícia catarinense não costuma ser, digamos, muito gentil no seu trato com o cidadão. Invoque algum direito diante de policiais em blitz e eles, com as exceções de sempre, riem de sua cara e se tornam ainda mais petulantes. Peça providências legais de modo mais incisivo em uma delegacia e os funcionários-autoridades já querem tipificar desobediência. É a cultura da voz de prisão, do berro e da falta de procedimentos.
Esse ethos de autoritarismo cotidiano é que tem que ser rompido. Por todos, a começar pelos que ostentam os símbolos do poder que, não custa repetir, lhes foi delegado pela população por meio de suas leis. E melhor será no dia em que o policial puder fazer o que é de direito (e nada além disso!), e o cidadão (qualquer que seja ele) aceite o ônus de viver sob leis. Quanto a quem se é? Isso guarde-se para o currículo. Fica mais apropriado.

Confira a íntegra da nota da AMC, sobre o caso:
"A Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC), entidade que representa os juízes e desembargadores de Santa Catarina, vem a público prestar alguns esclarecimentos sobre o episódio envolvendo a desembargadora Rejane Andersen.
De acordo com o relato da própria magistrada, cumpre esclarecer que a versão apresentada nos meios de comunicação não condiz plenamente com a verdade dos fatos, uma vez que omite as provocações e ameaças feitas pelos policiais militares, as quais acabaram por obrigar a referida magistrada a exigir respeito não só em razão do cargo que exerce, mas, sobretudo, pela sua condição de cidadã e profunda conhecedora dos seus direitos e garantias.
A versão apresentada à imprensa não mostra, por exemplo, que a desembargadora Rejane Andersen foi tratada pelos policiais militares de forma ríspida a partir do momento em que começa a questionar de maneira educada acerca da necessidade de manter todos naquela situação, ou seja, se havia possibilidade liberar todos os envolvidos antes da chegada do caminhão-guincho.
A abordagem dos policiais sobre a magistrada mostra-se ainda mais agressiva quando a desembargadora Rejane Anderesen se insurge contra a filmagem feita por um dos policiais.
A partir daí, ante a ameaça arbitrária e descabida de uso de algemas — instrumento que tem nos dias de hoje sua utilidade justificada somente em casos em que o agente oferece risco iminente à ordem pública —, não restou outra alternativa à desembargadora Rejane Andersen que não fosse a de evidenciar a sua condição de magistrada.
Não houve abuso de autoridade por parte da referida magistrada. O que houve, repise-se, foi a exigência, por parte da desembargadora Rejane Andersen, de respeito a sua condição de magistrada e cidadã.
Faz-se necessário, ainda, registrar que a desembargadora Rejane Andersen possui uma longa folha de relevantes serviços prestados à Justiça catarinense, merecendo não só de seus colegas, mas também de toda a sociedade catarinense, a justa atenção aos seus argumentos sobre o caso. À AMC, cumpre prestar os devidos esclarecimentos a fim de que seja restabelecida a verdade sobre o caso.
Juiz Paulo Ricardo Bruschi
Presidente da AMC"
Postado pelo Sandro Sell 

terça-feira, 20 de abril de 2010

2º ENCONTRO DO GRUPO DE ESTUDOS "DIREITOS HUMANOS E CONTEXTOS"

Olá a todos e todas. Informamos que na próxima quinta-feira (dia 22/04), às 17 horas, na sala 130 do CESUSC, teremos o 2º encontro do grupo de estudos “direitos humanos e contextos”, cuja temática será “globalização e sistema penal” com a exposição do Professor Thiago Fabres e com a participação de outros professores da área. O texto base (sistema penal e globalização) está disponível no link: http://culturadocontrole.blogspot.com/2010/04/sistema-penal-e-globalizacao.html. Contamos com a presença e a participação de todos e todas. 

Por: Prof. Ruben Rocknebach.

domingo, 18 de abril de 2010

Direito e Arte (pedido de revogação da prisão preventiva)

F.B.P.S., denunciado pela prática das condutas delituosas insertas nos artigos 265, 138, caput, 139, caput, 140, caput, combinadas com o artigo 141, inciso II e artigo 147, caput, todas do Código Penal brasileiro, nos autos da ação penal em epígrafe, através de seu defensor (fls. 123), vem, muito respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, apresentar PEDIDO DE REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA, nos termos dos fatos e motivos doravantes externados:

a) ARTE COMO MEIO DE LUTA PELA DIGNIDADE HUMANA: motivação

01. Trata-se de mais um (dentre tantos outros já feitos) pedido de revogação da prisão preventiva em favor do acusado F.B.P.S.. No entanto, ao contrário dos requerimentos outrora realizados em que reinavam argumentos jurídicos em todas as entrelinhas do texto, desta feita recorreremos à arte como meio de luta pela dignidade humana e, sobretudo, para fazer (ou, pelo menos, tentar fazer) explodir o formalismo dogmático e a ordem instituída.

02. O causídico subscritor acredita que no caso em tela argumentos jurídicos serão incapazes de obter êxito na liberdade do acusado (e isto se deve às reiteradas negativas de soltura). Registre-se, de antemão, que o “abandono” ao jurídico não significa ofensa e/ou desrespeito as (aos) operadoras (es) do direito que atuam na causa. Ao contrário, é um manifesto pelo novo, pela mudança, um convite a caminhar por lugares afastados da ciência dogmática jurídica. O respeito se mantém, assim como sempre se manterá! Aliás, só existem reiterados pedidos porque há respeito e confiança.

03. Eis a motivação do uso da arte.

04. É que – no dizer de Augusto Campos – toda arte requer de nós algum instinto revolucionário sem o qual ela não teria sentido[1]. A manifestação artística aporta sempre um componente político de contestação e de ativação da nossa capacidade de reagir simbolicamente ao entorno das relações que vivemos[2]. Neste sentido o filósofo espanhol Joaquín Herrera Flores discorre que a grandeza da arte consiste em recordar-nos continuamente que podemos mudar hábitos e percepções e finaliza afirmando que com a arte “podemos nos separar dos continentes – os marcos referenciais e simbólicos que aprendemos para poder atuar em nosso mundo – e rumar para a invenção constante de ilhas – novos limites, novos hábitos, enfim, novas formas criativas de entender e atuar em nossas relações com os outros, com a natureza e conosco mesmos[3].

05. A obra de arte nos induz ao movimento, ao reconhecimento da pluralidade do mundo e à proposição de caminhos de igualdade e dignidade. Ao contrário da ciência – e de seus dogmas imutáveis – que estabelece uma autoridade (ou atua, em outros termos como definiu o sociólogo francês Pierre Bourdieu, através de seu “poder simbólico[4]), um metanível que potencia a aparição de mediadores, de representantes da verdade, a arte, por sua vez, permite o múltiplo comentário, a plural interpretação, a variedade de leitura e recepções (não há uma única completa e verdadeira descrição da realidade). A razão científica busca um ponto final, uma verdade, um resultado, ao passo que a arte – como defendeu Freud[5]submete-se à contínua e fluida interpretação, sempre renovada.

06. Mas a obra de arte pode auxiliar o campo jurídico? O direito (e a sua dogmática) é um sistema complexo, completo e perfeito?

b) TEOREMA DA INCOMPLETEZA DE KURT GÖDEL: legitimação

07. Por certo que não! Todo sistema encontra um ponto básico para entender o sistema que está fora dele.

08. No final do século XIX, perante o Congresso de Matemática de Paris-França, o conhecido e respeitado professor Hilbert apresentou vinte e três problemas que – de acordo com seus próprios estudos – ocupariam (e preocupariam) os matemáticos no século XX. Dos referidos problemas apresentados por Hilbert, destacou-se o segundo deles que questionava se seria possível provar que os axiomas da aritmética são consistentes, ou seja, se é seguro constatar que uma vez dado um número finito de passos lógicos corretos nunca se chegará a uma contradição.

09. Eis que, a partir desse questionamento apresentado, desenvolveu-se inúmeros estudos e teorias tendentes a apresentar uma resposta ao problema apresentado por Hilbert. Entre 1900 e 1930 vários matemáticos formalistas (Bertrand Russel e o próprio professor Hilbert) levaram a efeito tentativas para provar que a matemática, em sua totalidade, poderia ser colocada em bases axiomáticas que unificassem todos os campos da disciplina em um corpo lógico-formal e coerente, a ponto de ser capaz de apresentar respostas seguras a quaisquer perguntas que viessem a ser formuladas. Ocorre, contudo, que em 1931, o jovem matemático austríaco Kurt Gödel apresentou seus estudos no sentido de que em um sistema lógico-formal existem assertivas verdadeiras que não podem ser provadas.

10. É o chamado Teorema da Incompleteza de Gödel.

11. Frise-se que o referido teorema, embora concebido entre a matemática, tem aplicação em inúmeros sistemas, dentre eles o Direito. Assim, um sistema é tido como completo quando toda e qualquer proposição pode ser provada com os elementos deduzidos no próprio sistema sem a necessidade de se buscar um argumento fora do sistema ou em outro sistema para a demonstração da veracidade ou não da proposição. É o que se chama de consistência interna do sistema axiomático (necessidade de provar a validade ou não de uma declaração dentro da própria lógica do sistema e sem conflito algum com qualquer outro elemento lógico). No entanto, o Teorema de Gödel demonstra que em todo e qualquer sistema lógico-formal sempre haverá proposições que não se poderá provar serem verdadeiras ou falsas. Desta maneira, não existe um sistema completo, uma vez que sempre haverá proposições que para prová-las deveremos importar/trazer de fora elementos a este sistema. Ou, em outros termos, nenhuma teoria formal pode ser simultaneamente poderosa, consistente e completa.

12. Aqui, pois, nossa legitimação para “fugir” do direito. Tudo no desiderato de afastar os dogmas do direito (ou, como denunciou Jacques Derrida[6], seu “fundamento místico de autoridade”) e, especificamente, os fundamentos jurídicos utilizados nas reiteradas negativas de liberdade do acusado F.B.P.S..

13. Utilizaremos, então, o romance do escritor austro-húngaro Franz Kafka chamado “O processo”[7].

c) “O PROCESSO” – ROMANCE DE FRANZ KAFKA: aplicação

14. Em “O processo” Kafka nos conta a história de Josef K. (personagem principal do enredo), um bancário que aos 30 anos de idade é surpreendido por uma ordem de detenção. Franz Kafka inicia a obra constatando: “alguém certamente havia caluniado Josef K., pois uma manhã ele foi detido sem ter feito mal algum[8]. De fato, ao acordar pela manhã e ainda esperando a entrega matinal de seu café, Josef K. é preso sem motivos sabidos e submetido a um processo tortuoso, demorado, permeado de rituais, burocracias e incompreensível. Um dos guardas encarregados de efetuar a prisão de Josef K. anuncia: “o senhor está detido”. Ao passo que Josef K. retruca: “é o que parece, mas por quê?”. Finaliza o guarda: “não fomos incumbidos de dizê-lo”. Assim dá início uma das maiores obras literárias do século XX. A narrativa possui um tom nebuloso e desorientado, aparentando que o personagem principal encontra-se no centro de um “labirinto” tipicamente Kafkiano. No cerne da questão está a confusão mental de Josef K. ante as sequências de acontecimentos surreais que se desenrolam na trama. Uma irrealidade que beira às raias da loucura. Por inúmeras vezes o personagem acredita que sua detenção é uma brincadeira promovida por seus amigos e está sempre se questionando pelo fato de ser acusado e não conseguir descobrir a mínima culpa da qual o pudessem acusar[9]. Josef K. nunca é informado dos motivos pelos quais está sendo acusado (não se sabe ao certo as causas reais da perseguição) e, ao mesmo tempo, afirma sua completa inocência (embora não saiba responder ser inocente de quê). A acusação jamais é apresentada. Em verdade, após lutar incessantemente para descobrir do que é acusado, Josef K. percebe que a culpa é inerente a ele e não pode fazer nada contra isto. Ao final, na obra de Kafka, o personagem central é assassinado na véspera de seu trigésimo primeiro aniversário por dois senhores absolutamente desconhecidos. Deitado em uma rocha e com uma faca de açogueiro colocada em seu coração, Josef K. pensava internamente: “Havia ainda possibilidade de ajuda? Existiam objeções que tinham sido esquecidas? Sem dúvida, estas existiam. A lógica, na verdade, é inabalável, mas ela não resiste a uma pessoa que quer viver. Onde estava o juiz que ele nunca tinha visto? Onde estava o alto tribunal ao qual ele nunca havia chegado?[10]. Com efeito, a mencionada obra Kafkiana indireta e simbolicamente nos induz ao convencimento de que a razão pode pouco contra a violência irracional (Josef K. luta o tempo todo contra as circunstâncias para descobrir sua acusação e ao final morre alegando sua inocência frente ao processo que segue suas leis próprias).

d) O PROCESSO – CASO DE F.B.P.S.: liberdade

15. Em relação ao processo objeto de análise o “labirinto” Kafkiano de “O processo” nos servirá como pilar fundamental para postular a revogação da prisão preventiva e a consequente liberdade do acusado F.B.P.S.. A arte e seu critério de valor de rechaçar a existência de valores e verdades fixas e imutáveis em busca das paixões alegres, àquelas que Spinoza afirmou tratar-se de molas propulsoras da potência humana – transformar o mundo na medida em que transformamos a nós mesmos[11] (quanto maior é a alegria que nos afeta, tanto maior é a perfeição a que chegamos).

16. De fato, F.B.P.S. está privado de sua liberdade sob uma acusação incerta, insegura e que ainda não se corporificou no inteiro teor do processo criminal. Paira sobre o acusado uma prisão fundamentada em um crime que de nada se conhece (artigo 265 do Código Penal – figura delitiva que sustenta a prisão preventiva). Frise-se que não está se afirmando a inocência absoluta de F.B.P.S., até mesmo porque o próprio acusado reconheceu em seu interrogatório a prática de determinados atos em desfavor das vítimas. No entanto, sua liberdade está restringida por causas reais inexistentes. É como se – assim como o personagem Josef K. – a culpa lhe seja inerente e nenhum argumento agirá em seu favor! Desde que a prisão do acusado foi levada a efeito está se perguntando: em qual das condutas legalmente previstas no artigo 265 do CP incorreu o acusado? Atentou contra a segurança ou o funcionamento de serviço de água? Luz? Força ou calor? Ou qualquer outro de utilidade pública? A resposta, porém, continua sendo aguardada. Enquanto isso se percorre o caminho novamente e se afirma: a acusação lançada contra o denunciado sedimenta que F.B.P.S. teria atentado contra o funcionamento de serviço de utilidade pública por meio de telefonemas e correios eletrônicos e estas condutas não se amoldam ao tipo penal do artigo 265 do Código Penal (fls. II-IV). E, mais, em relação à interrupção ou perturbação de serviço telegráfico ou telefônico, há delito específico (eis a acusação nos termos da exordial acusatória: artigo 266 do Código Penal). É dizer: no crime previsto no artigo 265 do CP não se encaixa a telefonia, que encontra amparo no artigo 266 do diploma penal. E, o que é mais grave!, a imputação ao artigo 265 do Código Penal é que sustenta a possibilidade da prisão preventiva (fls. 58-61). Assim, o acusado está preso preventivamente pela acusação do artigo 265 do CP (único dos crimes em que restou acusado que permite a prisão preventiva). Ocorre, no entanto, que não há no inteiro teor do processo criminal qualquer (e qualquer!) elemento apto a indicar que o acusado F.B.P.S. incorreu na conduta delitiva inserta no artigo 265 do Código Penal (“atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviço de água, luz, força ou calor, ou qualquer outro de utilidade pública”).  

17. O que argumentar juridicamente diante desta situação? Defender-se de quê? Fundamentar a liberdade com base em quê?

e) PAIXÕES ALEGRES E REINVENÇÃO: pedido

18. Certamente o final deste processo não deve ser o mesmo daquele narrado por Kafka (Josef K. luta o tempo todo contra as circunstâncias para descobrir sua acusação e ao final morre alegando sua inocência frente ao processo que segue suas leis próprias).

19. O que deve morrer ao final? Devem ser sepultadas as paixões tristes, os dogmas imutáveis, a dogmática jurídica cerrada, a idéia de uma verdade absolta, de uma única versão, de uma possibilidade apenas.

20. E, o que deve explodir? Vir à tona? A idéia de que nossos hábitos e práticas não constituem a única racionalidade existente, de que devemos nos reinventar constantemente, de que não podemos ficar na repetição do mesmo negando toda a diferença e fechando o caminho a outras formas de representação e de ação. Reinventar! Acreditar no devenir, no fluxo constante da história. Por uma nova ética, nova construção de valores, nova responsabilidade humana frente aos outros, outras e nós mesmos. Somos encarregados de manter o movimento perpétuo, de transformar permanentemente todas as coisas: “eu sou o espírito que sempre nega, e isso com razão porque tudo que existe merece acabar”, disse o diabo de Goethe ao se apresentar a Fausto. Devemos pensar, é dizer: pensar de outro modo[12].

AO TEOR DO EXPOSTO, acreditando nas paixões alegres, na pulsão da vida, em nossa constante e interminável análise e, sobretudo, na potência ontológica e política (tudo está por fazer e por ser reinventado), a defesa requer seja revogada a prisão preventiva.

Por: Prof. Ruben Rockenbach



[1] Extraído do sítio eletrônico http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/2822,1.shl. Acesso em 15/04/2010.
[2] Ver as obras do pintor espanhol Pablo Picasso, em especial “Guernica” (e seu contexto).
[3] HERRERA FLORES, Joaquín. O nome do riso: breve tratado sobre a arte e dignidade. Tradução de Nilo Kaway Junior. Porto Alegre: Movimento; Florianópolis: CESUSC; Florianópolis: Bernúcia, 2007, p. 19.
[4] BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.
[5] FREUD, Sigmund. Análise terminável e interminável. Em: Obras Completas, Edição Standard Brasileira, vol. XXIII. Rio de Janeiro: Imago, 1969.  
[6] DERRIDA, Jacques. Fuerza de la ley. El fundamento místico de la autoridad. Madrid: Editorial Tecnos, 2002.
[7] KAFKA. Franz. O processo. Tradução de Modesto Carone. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
[8] Obra citada, p. 07.
[9] Obra citada, p. 17.
[10] Obra citada, p. 227-228.
[11] SPINOZA, Baruch. Ética demonstrada según el orden geométrico. Tradução de Vidal Peña. Madrid: Alianza Editorial, 2006.
[12] Neste sentido: DELEUZE, Gilles. Empirismo y subjetividad. Barcelona: Gedisa, 1992.