sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Zaffaroni, um mestre para nosso tempo


O Professor Zaffaroni (na foto) é um desses indivíduos que se tornaram grandes por se fazerem pequenos. Ministro de corte suprema, um dos maiores especialistas mundiais em direito penal, sábio em filosofia e conhecedor de sociologia, ele bem que poderia se apresentar como a solução para muitos dos problemas contemporâneos. Poderia dizer: “Eu tenho a fórmula”. Mas não. Ele prefere comparar-se a um açougueiro que só entende de seu pequeno comércio e tipos de carne. A carne que ele vende é o direito penal e suas penas. E esse produto não serve – ao contrário do que se pensa habitualmente – para resolver a questão da criminalidade. Isso mesmo, o direito penal é, em grande parte, uma fraude: ele se diz útil para o que não é. E Zaffaroni não pretende compartilhar desse blefe, típico dos juristas de mídia. Por isso gosta da metáfora do açougueiro: quem só entende de carnes não deve andar por aí dando palpites sobre vinhos. Se o problema é combater a criminalidade, o penalista sensato tem pouco a dizer.
Como comerciante honesto, se alguém chega e diz: “Açougueiro Zaffaroni, eu queria uma pena criminal para combater o terrorismo, qual o senhor sugere?” “Nenhuma” - responderia o mestre portenho - “as penas não servem para isso e não vou lhe fazer uma venda enganosa. “Então” – continua o esperançoso freguês – “de cá uma pena para resolver a criminalidade no Brasil que está descendo dos morros e atacando nossas cidades.” O estoque de Zaffaroni também não teria como atender a esse pedido. “Meu caro freguês” – diria talvez Zaffaroni – “a única coisa que eu posso lhe informar é que você entrou no estabelecimento errado. Esse é um açougue de direito penal. Você me trouxe um menu de problemas: terrorismo e delitos causados pelos desequilíbrios sociais. Eu vendo penas e, como especialista, posso lhe afirmar: meu produto não serve para os seus problemas, que são sociais e não jurídicos.”
Assim como o doente em busca de analgésico deve dirigir-se à farmácia e não ao açougue, os políticos assustados com a criminalidade devem ir atrás de soluções efetivas e não ao balcão das soluções juríco-penais. Neste não se vendem tais soluções, mas apenas discursos fantasiosos, porém, desgraçadamente, de grande apelo eleitoreiro. Não é à toa que a lei dos crimes hediondos e toda essa série de leis mais duras, ultimamente implantadas no Brasil, não nos deram uma sociedade mais segura. A solução do açougueiro-penal não se aplica a problemas sociais. Quem quer eliminar a criminalidade brasileira via pena criminal está delirando, é mal informado ou é cúmplice da visão estúpida que criminaliza uma parte da sociedade (os mais pobres) para dar uma falsa sensação de segurança aos mais ricos.
O direito penal deveria ser reduzido ao mínimo, pensa Zaffaroni. Quem sabe ter em nosso código penal apenas 20 ou 30 delitos, com os quais todos estivéssemos de acordo e nada mais. O resto é “fantasia tipificada”: desejo de solucionar problemas sociais mediante a criação de novos tipos criminais. Exemplificando: não é com o endurecimento das penas para os camelôs que resolveremos o problema da falsificação do novo programa da Microsoft ou das Bolsas Louis Vuitton. O problema não é penal. Mas sim, no primeiro caso, do monopólio de soluções em informática mundial nas mãos de umas poucas empresas das quais somos todos reféns. E é por isso que cedemos lugar ao atravessador “camelô”, que, em geral, sequer faz uso pessoal da mercadoria ilegal que vende. Está lá para servir a uma outra classe social (a mesma que pede penas mais duras para os falsificadores!). A Microsoft & cia, mediante não apenas competência, mas também a práticas comerciais duvidosas, inviabilizou a concorrência na área de softwares e nos tornou reféns de seus produtos. Colocar o camelô na cadeia não resolverá esse dilema entre os direitos de acesso público aos bens de informática e os direitos autorais e comerciais das empresas que os produzem. Tal dilema deverá ser resolvido em outra instância, e não no açougue do penalista.
Sobre a falsificação de bolsas Louis Vuitton e assemelhados, o problema é fashion, mas não menos sério. Só não é criminal. A questão de base é: como uma empresa como essa consegue convencer o consumidor de que a bolsa que produzem vale algo em torno de 10 mil reais? Somente se aproveitando da ingenuidade do consumidor, induzindo-o ao absurdo consumo, mediante produções de marketing hollywoodianas. Se a bolsa Louis Vuitton custasse o que ela vale em termos de uso, não seria falsificada, pois seu preço cairia drasticamente, ainda que pudesse ser um pouco mais elevado, em função de uma alegada maior qualidade. Mas qualidade, em geral, não se falsifica, o que se falsifica é o status, a etiqueta. Se a L. Vuitton quiser se livrar das cópias de seus produtos, basta que venda – ainda com fabuloso lucro – suas bolsas pelo preço que elas efetivamente valem, e não pelo que induziram o compulsivo consumidor a pagar. Não adianta pôr o falsificador na cadeia (resposta penal), a solução é outra. Deixem em paz o açougueiro penal.
Idéias como essas são típicas de Zaffaroni. Um dos poucos juristas de primeira linha que não se renderam ao charme e prestígio que dá falar apenas o que agrada ao público pagante. Não, Zaffaroni é irritante. Desagrada o penalista tradicional, a polícia e muitos de seus colegas juízes. Talvez por isso é que, há pouco em Buenos Aires, quando procuramos os livros dele nas maiores livrarias da capital Argentina, não encontramos. As prateleiras das livrarias portenhas, lotadas de autores brasileiros como Lair Ribeiro e Paulo Coelho e de americanos, como Dan Brown e Sidney Sheldon, não tinham espaço para Zaffaroni. "Podemos consegui-lo em três dias", diziam os livreiros. Como se vê, lá, como aqui, a ignorância é pronta-entrega, já a sabedoria só sob encomenda. Deveria ter tentado no açougue.
Texto publicado em 2006.
Para saber mais:
ZAFFARONI, E. R. Em busca das penas perdidas.
ANDRADE, V. R. P. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal (livraria do Advogado).
Sandro Sell

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Drogas e política

A drogradição sempre existiu no convívio social, embora sob a lógica da sociedade de mercado adquira o estatuto de mercadoria, devendo ser enfrentada em vários fronts, do tratamento ao tráfico, passando pela educação familiar e escolar, batendo às portas do Estado.
Nestas linhas esboço uma compreensão particular da questão do fetiche da droga, lançando algumas idéias para um debate altamente complexo, a ser enfrentado em razão dos efeitos danosos que a drogadicção produz na sociedade: dissolução familiar, violência e morte de um contingente importante da juventude, sem contar outras questões referentes à lavagem do dinheiro resultante do tráfico e as relações promíscuas entre ele e a política em geral.
O combate às drogas tem tido resultados mofinos. A droga circula em todas as cidades brasileiras e em todos os estratos sociais. Varia a intensidade e a qualidade da mesma, de acordo a posição social do drogado.
Estou me referindo às drogas ilegais e aproveito o gancho do posicionamento de Fernando Henrique Cardoso e outros intelectuais que assumem a defesa da maconha nos espaços públicos, o que é louvável e importante. Louvável por que a questão deve ser encarada radicalmente sob o ponto de vista menos da liberdade do indivíduo em uma sociedade pautada no liberalismo avesso aos perigos da semelhança e ao respeito à diferença, e mais sob a constatação ética em defesa dos direitos humanos, de que algo precisa mudar, urgentemente, em face da ineficácia e da anomia que o problema engendra, indo além do que até aqui tem se tentado. Mas penso que a tese do ex-presidente e sociólogo deve ser menos conservadora, menos seletiva, sendo extensiva a todas as drogas.
O consumo de maconha é a porta de entrada para outras drogas, afirmam alguns, colocando-se contra a liberação das outras, consideradas pesadas, mais corrosivas para a saúde dos dependentes. Penso que a questão deve ser pensada em vários níveis. O consumo de cocaína, principalmente,  mantém uma classe diferenciada de consumidores, dos compulsivos e dependentes químicos, aos que a consomem socialmente. Reconheço que as fronteiras entre mais e menos dependentes, e os socialmente mais ou menos adeptos da cheirada nos altos círculos sociais é tênue, e complicada. Mas há um certo nexo que acompanha os que consomem drogas legais como o álcool. Há os desestruturados pelo álcool tomados como alcoólicos e os que sorvem seu uísque ou vinho em ocasiões não habituais e sem intoxicações e tumultos comuns oriundos do mau consumo. Esse contingente dos consumidores ocasionais, ou não habituais não é nada  negligenciável. Mas ele produz a morte e o sofrimento de jovens da mesma maneira, por instigar e manter a indústria da droga. Eu diria mesmo que ele é tão importante ou mais dos que consomem e dependem quimicamente.      Todas as raves do Brasil são embaladas por extasy e nem todos os jovens com essa experiência descambam pra uma dependência crônica. Mas o volume desses adeptos tem um impacto enorme no cômputo geral do tráfico. Poderiam ser atendidos sob a preleção de profissionais sobre os riscos para a saúde e para seus futuros profissionais e existenciais.
O governo deveria a meu ver legalizar todas as drogas, distinguindo os dependentes crônicos dos aficcionados, partindo para novas formas de controle. Isso poderia acompanhar as experiências de outros países, situando áreas para consumo, ou zonas de inclusão desses adeptos, e os estabelecimentos de saúde (SUS e farmácias credenciadas) para acompanhamento dos que se sujeitassem ao tratamento. Em clínicas privadas e clubes supervisionados pelo estado a droga poderia chegar, evitando o que produz a violência resultante do comércio de todas as drogas,   ceifando   a vida de milhares de  jovens,  privando-os  portanto do direito humano à juventude e à cidadania, e de  servir ao nosso país.
A cocaína sai da Bolívia e da Colômbia ao preço máximo de quatro mil dólares por quilo, chegando a Europa ao preço de quarenta e cinco mil euros... No Brasil chega mais barata, embora nem sempre com a qualidade destinada ao mercado europeu. Misturada a muitos outros componentes potencializa a letalidade dos seus efeitos,  ampliando o risco de morte ou lesões profundas.
Não tenho a menor idéia de como o estado entraria nesse mercado, mas a sua intermediação ética é necessária, justificada em defesa do direito fundamental à vida de milhares de garotos. Não somente  poupando boa parte dos mais de quarenta mil jovens que morrem anualmente no país em razão de assassinatos e overdoses, mas preservando milhões de famílias do esgarçamento dos liames sociais que elas implicam, com os parentes, com a comunidade, com o mercado, com o país que deles espera muito para um desenvolvimento aguardado.
A legalização deveria ser acompanhada por uma política de saúde pública e uma política educacional mais ampla, com o propósito de conscientizar sobre a tutela dos drogados como de interesse geral e público, questão de segurança nacional.  Ela não eliminaria o tráfico, mas reduziria drasticamente o mesmo. O estado forneceria essas drogas gratuitamente, sob controle médico e psicológico. Não seria gasto mais investimento, em razão da quebra de um dos elos na reprodução dessa mercadoria, em grande medida valorizada por vários mecanismos seletivos de mercado que, a tornando rara,  faz-lhe subir de preço em patamares de progressão geométrica na medida em que ultrapassa fronteiras e mantém as qualidades originais. O crack que tem  sido muito lesivo aos consumidores pobres cairia em termos de consumo. Mais importante, o verdadeiro genocídio da juventude entre 12 e 27 anos seria reduzida consideravelmente.
Essa política poderia começar experimentalmente, em algumas cidades como são Paulo e Rio de Janeiro,  observando o impacto no plano da diminuição dos homicídios, das internações em clínicas especializadas no tratamento de dependentes químicos, dos gastos da repressão militar, na economia de vidas que são roubadas  no confronto entre forças do estado e sociedade civil. Diminuiria também o sofrimento de pais com filhos criados no clima da insegurança do terror das drogas, vale dizer, situados entre a violência entre traficantes e violência da própria polícia, em grande parte corrompida e em estranha parceria com o crime.
A droga que chega aos abastados sempre chegará. Às elites  não faltarão drogas e de qualidade, e aos que nela mergulharem com dependência compulsiva, as clínicas particulares poderão acessar. O drama maior é dos jovens pobres, pois eles são as maiores vítimas,  morrem em grande medida para manter a estrutura endêmica do tráfico da sua fase de intermediação, estabelecida de maneira a envolver uma teia de pequenos agentes, desde a produção à circulação do produto final colocado no consumo, dos morros às grandes mansões.
Confesso que não sei como seria o operacional para uma política ampla em favor da liberação de todas as drogas, indistintamente. Sei que haverá mil complicações e muitos efeitos não esperados, como em toda ação social, mas me parece uma tentativa válida de obstar o incremento da violência contra jovens em nosso país, causadora de tantos malefícios familiares e sociais.
Em termos econômicos esse “gasto”/investimento levaria o estado a diminuir seus custos com o SUS, com a atualização do arsenal bélico das polícias, sempre em concorrência com o alto poder de compra de armas de ponta por parte do narcotráfico. Uma política como essa também cortaria pela raiz a lavagem de dinheiro resultante daquela atividade, sem contar a diminuição da bancada de narcotraficantes herdeiros de Hildebrando Pascoal no congresso nacional e assembléias legislativas em todo o Brasil. Até efeitos positivos se dariam dentro do Poder Judiciário, na medida em que as relações promíscuas entre desembargadores de certos tribunais brasileiros com os moedeiros falsos seria arrefecida pela legalização do consumo controlado de drogas.
Tenho certeza que essas idéias poderiam ter apoio de famílias e dos poderes políticos locais, na medida em que os interessados  tivessem acesso à discussão e a esclarecimentos sobre os maus menores da política defendida de liberação,  em face dos malefícios que a droga tem causado neste último século em todo o planeta.
Os leitores poderiam começar essa discussão com os seus mais próximos, criando, se possível, uma corrente que talvez possa ter o apoio dos estudantes, da UNE, de movimentos sociais distintos, fundados não somente no liberalismo político e cultural que reconhece no diferente, e nos doentes, o direito a melhores formar de tratamento/controle, mas em critérios de um mínimo ético quando pensamos na juventude, no direito que esses jovens à vida, à educação, a um posto no mercado de trabalho, talvez mesmo à capacidade de pensar uma sociedade melhor, menos iníqua e com menores graus de patologia expressivos do mal estar civilizatório.

Escrito por: 
Edmundo Arruda.
Professor do Departamento de Direito da UFSC.
Diretor do CESUSC.


Publicado por Sandro Sell.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

REPRESSÃO + DROGAS = NARCOEMPRESA ?

Colegas blogueiros, a partir da (re)leitura da obra Capitalismo Gângster: quem são os verdadeiros agentes do crime organizado mundial, do autor Michael Woodiwiss (1), propus aos meus alunos de direito penal uma reflexão acerca dos diversos fatores que cercam as políticas criminais de controle da disseminação, consumo e comércio internacional e mesmo caseiro de drogas ilícitas. Na exposição sobre as políticas criminais de enfrentamento deste tema, encaminhamos como mote provocativo para debate os seguintes questionamentos: seria correto concebermos as políticas repressivas penais de controle do consumo e tráfico ilícito de drogas não como instrumentos de controle de riscos ou redução de tal atividade, mas como ingrediente fundamental de fomento da narcoempresa? Ou então, qual é a motivação que anima tais políticas de absoluta repressão penal, de cunho meramente policialesco e punitivista ?

Para alimentar a reflexão, iniciamos apresentando um rápido “rastreamento” histórico e depois introduzimos alguns dados obtidos a partir do resultado de tais políticas.

Woodiwiss revela que foi no governo Nixon que se inaugurou uma primeira política de “guerra contra as drogas”. Durante todo o tempo que passou na Casa Branca, Nixon transformou o “combate às drogas” em uma de suas principais prioridades. Para programar sua política, Nixon valeu-se da manipulação midiática para incutir o temor às famílias norte-americanas e convencê-las da incapacidade de seus filhos de resistir às tentações ao uso de drogas ilícitas. Nixon alimentou a ilusão de que era possível alcançar um país livre de drogas.(2)

Aliás, Nixon foi o primeiro presidente norte-americano a fazer um esforço concentrado no sentido da internacionalização do combate às drogas, gerando, como sabemos, consequências indesejáveis para muitos países e efeitos catastróficos para alguns, como a Colômbia e o Afeganistão.

Em setembro de 1969, a política antidrogas lançada por Nixon (e que permanece até os dias de hoje) foi retratada na seguinte mensagem enviada a um grupo de agentes públicos formado em seu governo para o enfrentamento desse desafio:

“O presidente está convencido de que o problema do vício de narcóticos nos Estados Unidos chegou a proporções que constituem um perigo para nossa estabilidade nacional. A maior parte dos narcóticos são cultivados e transformados em países estrangeiros e contrabandeados para os Estados Unidos; isso é particularmente verdadeiro em relação à heroína. Nessas circunstâncias, o presidente considera que qualquer país que facilite o tráfico internacional de heroína, ou que contribua para ele de qualquer forma, está cometendo um ato hostil aos Estados Unidos”. (3)

A partir dali, foram intensificados os esforços para convencer outros países, “pela força ou mediante suborno” (Woodiwiss), a aceitar um regime global de controle de drogas baseado nos Estados Unidos.

Contudo, esse esforço, além de não impedir que os norte-americanos que desejassem drogas pudessem comprá-la, foi acompanhado por uma onda de violência e corrupção muito mais ampla do que tudo o que ocorreu durante as chamadas “guerras de contrabandistas” na década de 1920. (4)

A política norte-americana antidrogas nos dias de hoje, a partir de Nixon, vem se baseando em grande parte no encarceramento em massa dos criminosos mais pobres, em geral, e dos envolvidos num comércio crescente de drogas, em particular. Verificou-se que a superpopulação dos presídios e a detenção de centenas de milhares de jovens junto com criminosos profissionais somente resultou na criação de uma quantidade muitíssimo maior de redes de tráfico de drogas do que as que foram desbaratadas. Os problemas decorrentes do crime organizado no setor de drogas nos Estados Unidos vêm se agravando, mas ainda assim o país vem propagando ao resto do mundo que siga seu exemplo na questão do controle das drogas. (5)

Um exemplo devastador desta política nixoniana foi observada na Grã-Bretanha. Adotando um programa distinto do norte-americano, a Grã-Bretanha, a partir da primeira parte do séc. XX, optou por uma política que não se baseava numa proibição absoluta ao consumo de drogas, mas numa estratégia de contenção de riscos, atuando especificamente sobre o usuário e o dependente. Hospitais, clínicas de tratamento de dependentes e programas educativos que visavam prevenir infecções, contaminações e overdoses com o uso de drogas eram métodos investidos pelo governo britânico.

O sistema era imperfeito, mas o mais importante é que ajudava a manter reduzido e pouco lucrativo o mercado negro de drogas, em comparação com o vasto comércio clandestino nos Estados Unidos.

Entretanto, tal política foi superada pela adoção da beligerância norte-americana. Segundo Woodiwiss, em novembro de 2004, um relatório do centro de monitoramento de drogas da União Europeia colocou a Grã-Bretanha no topo da lista de uso de cocaína e maconha do continente. O resultado deste novo paradigma foi o surgimento de barões e figurões das drogas e até mesmo casos de corrupção foram identificados, com os policiais britânicos envolvidos umbilicalmente ao tráfico de drogas. A principal estratégia de atuação proposta pelos políticos foi a repressão progressivamente mais intensa e agressiva, seguindo o modelo norte-americano de práticas mais invasivas e penas mais severas para os condenados. Seguindo ao incremento de penas, um número maior de policiais foi transferido para os setores que lidavam com drogas, agências de inteligência foram criadas, disque-denúncias foram disponibilizadas para informantes e infiltrados e houve promessas de novos presídios. (6)

Em realidade, esta estratégia de força e recrudescimento penal tem sido adotada pela maior potência mundial há mais de 50 anos. E o que tem obtido? Como vimos, o incremento do produto financeiro de tal atividade; o aumento do consumo; e a disseminação de drogas populares e letais como o crack.

O interessante é que apesar do investimento em bilhões e bilhões de dólares por todos estes anos, os EUA apenas conseguiram “conter” cerca de 10% ou no máximo 15% de todo o montante de drogas introduzido em seu próprio território.

Todo o “esforço” americano, reproduzido em território tupiniquim por nossos órgãos e instituições de repressão penal, não impediu que o tráfico de drogas se mantivesse no patamar de 2º item do comércio mundial, superando até o do petróleo, só sendo vencido pelo das armas.

Conforme Woodiwiss (7), já no final da década de 20, Arnold Rothstein, clássico gângster americano, apelidado como o “Grande Financista” do crime, foi talvez o primeiro americano a perceber a lucratividade potencial da proibição do jogo, do álcool e das drogas, tanto por meio do envolvimento direto quanto do patrocínio de empresas que abasteciam essas mercadorias e serviços. (8).

Arnold estava certo. Segundo Luis Nassif, centenas de bilhões de dólares (estipula-se informalmente que 1 trilhão) encontram-se em “circulação” em paraísos fiscais espalhados pelo planeta. Os EUA reciclam um montante que alcança algo em torno de US$ 500 bilhões do negócio. Toda esta circulação de riqueza converte os EUA no país onde a narcoeconomia tem uma importância vital, ocupando, aproximadamente, 5% do PIB e se convertendo no setor mais importante da economia norte-americana. (9)

No Afeganistão, a produção de drogas foi retomada depois da invasão militar dos EUA em 2001. Após a invasão, o país superou a Colômbia e se tornou, naquele período, o maior produtor mundial de drogas (principalmente ópio e heroína) e, em 2003, o negócio faturou 2,3 bilhões de dólares, mais da metade do PIB do país

O insucesso da militarização também pode ser medido pela constatação de que o principal país consumidor de drogas ilícitas é o próprio EUA, seguido pelo Brasil, que ocupa a desonrosa “vice-liderança”, apesar de todo o aparato bélico e policialesco que sempre nortearam a política de “combate” às drogas ilícitas destes países.

Outras cifras poderão auxiliar na análise da equação que propusemos.

Em uma aparente contradição com todo este aparato militar e com o discurso de erradicação do consumo e comércio de drogas ilícitas, a economia norte-americana obteve (e ainda vem obtendo) lucros estimados em bilhões de dólares com a venda de parte importante dos componentes químicos destinados ao refinamento da cocaína e na produção de drogas sintéticas. Ademais, as companhias químicas norte-americanas, provedoras destes insumos, tem recebido a proteção do próprio governo americano. Segundo noticiou o The Miami Herald, edição de 8 de fevereiro de 1990, na exportação de produtos químicos para fabricação da PBC (Pasta de Base da Cocaína), já se destacavam empresas como a Shell e a Mobil Oil. (10)

Mas há um setor fundamental no processo de disseminação do narcotráfico e no financiamento de tal atividade: o setor bancário.

Bancos espalhados por todo o mundo, e entre eles, por óbvio, bancos americanos, verdadeiros paraísos fiscais, se dedicam ao “refinamento” do dinheiro ilícito obtido com tal atividade. Ou seja, no processo de lavagem (ou branqueamento) do capital oriundo do tráfico, o sistema bancário tem papel fundamental nesta operação.

Como observa Woodiwiss (11), esta política contribuiu para a criação de uma nova raça de “cleptocratas” e sofisticados criminosos empresariais internacionais. Lembra o autor que Suharto na Indonésia, Marcos nas Filipinas e Mobutu no Congo assumiram a liderança, acumulando bilhões de dólares, essencialmente por meio da pilhagem de seus povos e com a cumplicidade dos bancos e instituições financeiras norte-americanas e ocidentais. Na década de 1980, o Banco de Crédito e Comércio Internacional (BCCI) ajudou não apenas estes “cleptocratas”, mas também traficantes de armas e de drogas, e até terroristas, a escaparem com o produto de seus crimes. Em 1991 os indícios mostraram que as práticas bancárias do BCCI simplesmente refletiam uma cultura insidiosa de criminalidade empresarial.

A partir do início da década de 1980, a rede norte-americana do BCCI passou a servir a comerciantes de drogas, mercadores de armas e seus esquemas de lavagem de dinheiro, assim como pessoas envolvidas na evasão de capitais do Terceiro Mundo. (12)

Ademais, as principais instituições financeiras globais, especialmente o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, pouco fizeram para combater as oportunidades de criminalidade organizada no setor. O FMI, inclusive, continuou a fazer empréstimos a Marcos, Suharto e Mobutu e a estimular outras instituições a fazer o mesmo, muito depois que a pilhagem a que eles se entregaram se tornou de conhecimento público. (13)

Conforme o prof. Coggiola (14), em todo este período de boom financeiro advindo com o comércio espúrio de drogas, os bancos criaram paraísos fiscais nos quais se lavava, diariamente e à vista de todos, milhões de dólares. Essa associação criminosa, que envolve banqueiros, se utiliza de um dos mecanismos típicos do sistema financeiro, adotado como instrumento de blindagem de suas operações financeiras e concebido como um princípio intocável: o sigilo bancário. Trata-se de um “pilar da propriedade privada, na confidencialidade dos negócios e na livre disponibilidade do capital” (Coggiola).

A “narcoeconomia”, longe de ser um submundo alheio à norma capitalista, está rigorosamente organizado de acordo com os parâmetros da “economia de mercado”. Os objetivos destas organizações criminosas dedicadas ao tráfico de drogas, como a captura de mercados, monopólio de preços e domínio sobre os segmentos mais lucrativos, são metas tipicamente capitalistas (Coggiola).

Calcula-se que 90% dos lucros do narcotráfico sejam recebidos pelos grandes bancos, por depósitos dos produtores e dos intermediários, e por comissões pela “lavagem” do dinheiro. Depois de caminhar pelas diversas etapas de “refinamento” do capital advindo do comércio espúrio, os narcoempresários investem cerca de 45% em propriedades urbanas e rurais, 20% em gado, 15% em comércio e 10% na construção e no lazer. (15)

Enquanto isso, a distribuição varejista, a dos traficantes dos morros e periferias do Brasil, é a raia mais miúda desse business, não recebendo mais que uma parcela mínima desses 10%. O maior lucro do empreendimento, 90% do total, é dos bancos e seus "respeitáveis" banqueiros e dos estabelecimentos privados empregados nas diversas etapas de lavagem do capital ilícito.

Entretanto, historicamente nossas instituições e órgãos públicos têm dirigido todo o seu “arsenal” investigativo e repressivo justamente a este “grupo” que manipula este percentual ínfimo da economia gerada pelo comércio ilícito.

Enfim, com base nesses dados creio que já podemos encontrar alguns subsídios para responder a questão proposta no início; já teríamos como afirmar se a conjunção repressão + drogas corresponderia a narcoempresa.

Estou certo que tais dados, como tantos outros que cercam a política repressiva e punitivista como única resposta ao comércio e consumo de drogas, nos permite refletir sobre uma necessária mudança de paradigma.

De maneira geral, enquanto a criminalidade empresarial e financeira, sobretudo de lavagem de dinheiro, for considerada secundária em relação ao crime organizado e “enquanto a criminalidade política em todo o mundo for defendida em termos de realpolitik, a economia política global estará continuamente vulnerável à atividade criminosa”. (16)

Ou seja, enquanto o foco das políticas criminais públicas e a atividade dos órgãos e instituições oficiais continuarem a “deitar-se” sobre a criminalidade varejista, dedicando pouca atenção (ou nenhuma) às políticas de contenção de riscos, sobretudo ao investimento em métodos de prevenção, acompanhamento e tratamento do dependente e usuário de drogas; e ao papel internacional e sistemático dos bancos estrangeiros na ascensão dos “cleptocratas” e na lavagem de seu capital ilícito por meio do sistema global de paraísos fiscais, continuaremos provendo e retroalimentando a equação proposta.

Notas

(1) WOODIWISS, Michael. Capitalismo gângster: quem são os verdadeiros agentes do crime organizado mundial. Tradução de C. E. De Andrade, Rio de Ujaneiro: Ediouro, 2007.
(2) WOODIWISS, p. 07.
(3) Woodiwiss, p. 182.
(4) Woodiwiss, p. 21.
(5) Woodiwiss, pgs. 22/23.
(6) Woodiwiss, p. 24.
(7) Woodiwiss, p. 07.
(8) conforme o Manchester Guardian, em 1928, extraído do livro Capitalismo Gângster, p. 17.
(9) Portal Luis Nassif: construindo conhecimento, em http://blogln.ning.com/forum/topics/drogas-ilicitas-tentando?commentId=2189391%3AComment%3A231356, de novembro de 2009, acesso em 11/04/2010.
(10) Osvaldo Coggiola, O tráfico internacional de drogas e a influência do capitalismo, Revista Adusp, 1996, pp. 44-51, em http://www.adusp.org.br/revista/07/r07a07.pdf, acesso em 08/04/2010.
(11) Woodiwiss, p. 233.
(12) Woodiwiss, p. 233.
(13) Woodiwiss, pp. 25/26.
(14) Coggiola, pp. 44-51.
(15) Ney Jansen, Drogas, imperialismo e luta de classes, artigo, revista Urutagua, n.12, 2007, Universidade Estadual de Maringá (PR); e Drogas e capitalismo - Quem são os verdadeiros criminosos, de Rosana Bond, em http://www.kaosenlared.net/noticia/drogas-capitalismo-quem-so-os-verdadeiros-criminosos, acesso em 06/04/2010.
(16) Woodiwiss, p. 26.
(17) Woodiwiss, p. 26.

Postado por Jádel da Silva Júnior, Cesusc, Direito Penal.m(15/04/2010)

sábado, 20 de agosto de 2011

Sistema criminal...



Os crimes que fazem o medo e a miséria humana são também sua fonte de diversão (imagine cinema sem crimes?), de emprego (indústria da segurança, de alarmes a portões), de equilíbrio da economia (imagine quanto custaria um dvd ou o windows se não fosse a pirataria?), de informação (se não fosse o crime, só restaria o sexo para fazer audiência), de tecnologia (os cartões e seus chips e as minicâmeras que hoje você tem no celular, por exemplo, tiveram no combate ao crime seu start), de conforto urbano (shopings e condomínios fechados), de união forçada da família (reunidos em casa com medo da violência), de grande parte do serviço religioso (sem o crime não haveria o espetáculo da confissão e do arrependimento...), de tecnologia policial (sem o crescimento do crime ainda estaríamos no tapa-na-cara e não no moderno gás-pimenta como meio de prova), de professores de direito penal, criminólogos, criminalistas (todos os garotos deste blog, que combatem o crime, protestam pelo criminalizado e choram com as vítimas, - e que temem ser vítimas)...
Sem o crime, Brasília seria impossível...
Sem o crime nossa vida melhoraria, mas também mudaria de um modo que dificilmente nos damos conta...
Sem o crime, talvez tivéssemos que aprender a gostar dos outros, brincar com os favelados, misturar nossos filhos às crianças de rua...
Sem o crime talvez nos déssemos conta de que os criminosos violentos eram tão poucos, mesmo nos "bairros perigosos" que, por isso mesmo, deveríamos ter nos misturado mais, que podíamos ter saído à rua e feito amizade, que deveríamos ter acolhido o que se marginalizava...
Sem o crime talvez nos déssemos conta de que o crime havia se tornado uma desculpa para nos tornarmos indiferentes... 
Postado pelo Sandro Sell

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A maldição do colar

     Na rua quase deserta de um bairro pobre, passeia uma moça com um colar de diamantes, cuja função ornamental não é capaz de justificar minimamente o valor que a sua sociedade convenceu-se de que representa. A jóia verdadeira é, assim como o crime, uma convenção social: existe, enquanto jóia de grande valor, apenas na medida em que muitas pessoas atribuem relevância à distinção entre verdadeiro e falso. Se o colar valesse pelo que aparenta, as boas falsificações fariam seu preço cair ao nível da bagatela, e a mulher dessa história não seria imprudente na sua caminhada. 
     Cruzando o seu caminho, há um sujeito que espreita com cobiça a jóia. Está tentado a cometer o crime de possuí-la, com o uso de violência se necessário. Para fazer isso, ele precisará, por óbvio, quebrar uma regra criminal. Por isso, se o fizer, muitos dirão que ele foi “mal socializado” nas normas de sua cultura, pois orienta sua conduta por um código cultural paralelo, à margem dos valores que lhe deveriam ter sido inculcados. 
     Mas é falacioso crer que seu roubo significará uma falta de adesão às normas sociais. Ao contrário, se ele não aderisse à norma social que atribui um valor metafísico aquela jóia “verdadeira”, ou se não aderisse à norma social de que ter coisas assim valiosas é bom e útil, ele não se sentiria tentado pela ostentação do símbolo valioso. A tentação de que ele sofre é da mesma natureza que a dos possuidores legitimados de jóias: deriva da crença de que as coisas têm sempre preço e que uma jóia verdadeira vale mais do que seus simulacros idênticos. 
       A vítima e seu algoz só viverão esses papéis porque ambos reconhecem as normas sociais que inflacionam o valor dos diamantes verdadeiros: ambos foram socializados na mesma cultura e ambos transgrediram regras: de prudência, no caso dela; criminal no caso de ele vir a roubá-la. Em outras palavras: foi o compartilhamento de valores culturais que os colocou nessa lastimável situação. 
       A moça e sua jóia, assim como a criança e seu tênis “de marca” partilham das mesmas normas que o criminoso e o pivete que os ameaçam: crêem que aqueles símbolos são quase mágicos e que justificam comportamentos para além do razoável para obtê-los. È o fetiche do materialismo que transforma coisas em objetos de adoração sacrificial, pelos quais vale a pena endividar-se, desonrar-se, levar um tiro ou morrer. Só após um desfecho trágico é que o torpor fantasmático cederá e todos os personagens concluirão que, feitos os índios da anedota eurocêntrica, estavam entregando sua liberdade em troca de espelhinhos e adereços vistosos. A mãe da moça no dia de finados, a mãe do moço no dia de visitas amaldiçoam, cada uma a seu modo, o mesmo colar e seu poder de entrelaçar duas biografias tão diferentes, de achar algo em comum para ligar a jovem princesinha ao ogro de periferia. 
    Essa é uma das contradições estruturais de nossas sociedades desiguais: para convencer os mais ricos a consumirem símbolos caros (Ferraris, diamantes etc.) é preciso que tais símbolos sejam reverenciados pelos que não podem obtê-los: o que gerará uma tensão entre os meios disponíveis para possuí-los e a vontade inflacionada pelo fetiche publicitário. Que, em alguns casos, isso gere um ou outro crime (de furto de uma Ferrari, por exemplo), ainda é tido como preferível a ter que deixar de utilizar o veículo-jóia, ou ter que disfarçá-lo de um carro meramente funcional. No fundo, a cobiça dos outros, do honesto e do potencial ladrão só reforçam o sonho Ferrari, assim como o número de admiradores parece melhorar a performance de um ídolo. 
     Bem pensado, não há um déficit e sim uma socialização exagerada, radical, na conduta do ladrão cobiçoso: ele tem sede de possuir o que todos – de seus amigos a moça da propaganda – disseram que lhe faria sentir-se melhor, mais bonito, mais poderoso, menos ogro. Assim como o guerrilheiro, o fundamentalista e o crente fanático, ele aderiu de forma tão exagerada aos fins de sua cultura que só consegue ver como detalhes a opção dos meios disponíveis para obtê-los. 
   Na realidade de hoje, o bandido patrimonial e o consumista não representam falhas no processo de socialização, mas seus mais estrondosos sucessos. Graças a eles, a economia gira, empregos são gerados, seguranças são contratados, alarmes e armas sobem de preço, shoppings substituem as antigas praças e morar em prédios torna-se um atrativo imobiliário. No fundo, esses personagens ditam as normas do mundo. Não é sem-razão que para cada milhão de horas de espaço midiático concedido a celebridades consumistas e bandidos desalmados, dedicam-se quinze minutos a algum cientista, algum literato ou a alguma alma dedicada ao bem do próximo, com suas falas cheias de utilidades aborrecidas e suas vidinhas “alternativas”, próprias de quem não se socializou como deveria. 
(...)
Sandro Sell

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Culpabilidade e pena

I.Culpabilidade e Pena.

1. Introdução.
No Direito penal de matriz liberal, parte-se do princípio de que os seres humanos, de um modo geral, são capazes de orientar sua conduta, decidindo sobre o curso de suas ações ou omissões. Em outras palavras, acredita-se que os indivíduos possuam um grau de liberdade que lhes permite alinhar, ou não, sua conduta às ordens jurídico-penais. Se podem, então, se guiarem conforme às prescrições penais e não o fazem, são ditos culpados, ficando sujeitos a uma pena. A pena seria assim a reação do Estado, prevista em lei, àquele que por culpa não alinhou seu comportamento à norma penal que o exigia.
Por certo, também ocorrem casos em que a dissonância entre norma penal e comportamento esperado não se verifica devido a escolha do indivíduo em afrontar conscientemente à norma (dolo) ou por não a levar em conta por negligência (culpa), mas sim por força de circusntâncias tidas como relevantes para o abandono da conduta exigida pela lei. Tais são os casos das exculpantes. Assim, na coação moral irresistível (art. 22 do CP) ou na embriaguez completa derivada de força maior (art. 28, II, § 1º do CP), por exemplo, exculpa-se o indivíduo pela quebra objetiva da norma.  Nessas situações, não há culpa e, logo, não haverá pena. Isso porque, devido àquelas circusntâncias anormais, não se considera que o Direito poderia exigir que a conduta do indivíduo seguisse as prescrições penais.
Ainda: se o não alinhamento do indivíduo à norma ocorreu porque este era incapaz de compreendê-la, ou incapaz de segui-la por sua anormal condição psíquica (nos termos do artigo 26 do CP), não se pode atribuir-lhe uma culpa, pois não se pode exigir que pessoas incapazes de autodeterminação normativa possam ser culpadas de seus atos.  E sem culpa é vedado aplicar-lhes uma pena. Para esses casos, prevê-se, então, medidas de segurança, com caráter não retribuitivo, desenvolvidas com o objetivo declarado de contenção da periculosidade das pessoas portadoras de certas patologias mentais que produziram ilícitos penais[i].   
Portanto, uma vez constatada a autoria de um ilícito penal (fato típico e antijurídico), se decidirá acerca da culpa de seu autor:
a)      Se houver culpa, o autor ficará sujeito a uma pena.
b)      Se não houver culpa devido a impossibilidade circunstancial de agir conforme à lei,  tida como juridicamente relevante, o autor não poderá sofrer sanções ou medidas.
c)      Se não houver culpa por razões psíquicas juridicamente relevantes, nos termos do artigo 26 do Código Penal, autor fica sujeito a uma medida de segurança.
Nas palavras de Santiago Mir Puig[ii]:
“A culpabilidade é o âmbito em que se comprovam as possibilidades psíquicas de motivação normal do autor de um comportamento antijurídico por parte da norma penal. Somente quando tal possibilidade de motivação normal ocorra será o autor ‘culpável’ e terá sentido realizar a ameaça penal em sua pessoa.”
Isso porque, sustenta o citado autor, em situações ou condições psíquicas anormais, a lei dispensa as pessoas que agem ilicitamente de receberem uma pena (dizendo-as “não culpadas”). Isso ocorre não porque em termos absolutos não lhes seria possível atuar conforme à norma (os atos heróicos mostram que isso nem sempre é assim). Mas porque se reconhece que seria tão mais difícil que motivassem seu agir pela exigência da norma penal que se o Direito lhes exigisse tal motivação, estaria tratando-as de forma desigual: exigindo-lhes – dadas  suas situações ou patologias específicas – proporcionalmente mais do que exige do cidadão “normal” em situação “ideal”. Assim, em atenção ao princípio da igualdade - interpretado no sentido aristotélico de que se deve tratar os iguais como iguais e os diferentes como diferentes - isentar-lhes de culpa, nessas situações específicas, é tratá-los com justiça.

   2. Pena.
2.1 Pena versus presunção de inocência.
 Em termos dogmáticos,  pena é a sanção imposta pelo Estado como decorrência de um processo penal condenatório definitivo. De forma que tal sanção só poderá ser imposta quando a tese acusatória triunfar em juizo - e de forma definitiva -  sobre a presunção de inocência do acusado.

Dispõe o artigo 5º. da Constituição Federal:
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
           
 A pena é a antítese da inocência presumida nas garantias constitucionais dos Estados de direito. E entre a possibilidade de punição e o status de inocência figura de forma necessária o devido processo legal, com as garantias que lhes são inerentes. Nesse sentido, prevê o artigo 5º. da Constituição Federal:

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
   

 Nas palavras de Luigi Ferrajoli[iii]:

“Se a jusrisdição é a atividade necessária para obter a prova de que um sujeito cometeu um delito, até que essa prova não se produza mediante um juízo regular, nenhum delito pode considerar-se cometido e nenhum sujeito pode considerar-se culpado nem ser submetido a pena. Neste sentido, o princípio da jurisdicionalidade – ao exigir, em seu sentido amplo, que não exista culpa sem juízo, e em sentido estrito que não haja juízo sem que a acusação seja submetida a prova e a refutação – postula a presunção de inocência do imputado até a prova em contrário sancionada pela sentença condenatória definitiva.”

            A culpabilidade do acusado, apurada no devido processo penal, será condição não apenas para a imposição da pena, mas também para sua extensão e maneira de execução. Isso leva o jurista alemão Clauss Roxin[iv] a definir pena como sendo: “uma sanção jurídico-penal limitada pelo princípio da culpabilidade”.

2.2 Pena e sofrimento.

            Em termos de sua configuração prática, podemos, seguindo Carlos Santiago Nino[v], dizer que a pena possui as seguintes características:

a) implica a privação de direitos normalmente reconhecidos, ou outras medidas  desagradáveis.
b) coloca seus destinatários em uma posição moralmente negativa.
            c)  é consequencia de um delito.
d) é aplicada contra o autor desse delito.
e) é aplicada por um órgão do mesmo sistema que definiu o ato do autor como um delito.

            Receber uma pena é ser sujeitado a um sofrimento, quer seja uma restrição de liberdade, a suspensão de algum direito,  a assunção de alguma obrigação específica ou, ainda, e quase sempre, um certo grau de degradação moral. A idéia é mesmo a de que é preciso “penar”, como forma de aprendizado (fator preventivo) ou de expiação (fator retribuitivo). Não se costuma, portanto, aceitar (salvo exceções em que talvez sequer faça sentido aplicar uma pena) maneiras de responder à culpa penal sem que a idéia de sofrimento – físico e/ou moral - estejam presentes[vi].

O reconhecimento do caráter fustigante da pena tem sido reconhecido desde que  o pensamento liberal debruçou-se sobre os cárceres, tomando-os como ponto de reflexão do sistema penal como um todo. E se a maioria dos autores não consegue conceber um sistema social sem penas, pelo menos recomendam que seu caráter de sofrimento seja limitado por critérios legais e principiológicos que, desde Beccaria[vii], objetivam reduzir sua arbitrariedade, ou sua irracionalidade. Tal irracionalidade e arbitrariedade poderia ser exemplificada pelas seguintes características que, em maior ou menor grau, associam-se às sanções penais:

a)      seu caráter violento (quer na modalidade da pena, quer na forma de sua execução);
b)       suas configurações arbitrárias, feitas por legisladores incompetentes, damagogos e imunes - formal ou informalmente - às próprias penas que criam para os demais;
c)       sua fleuma de vingança burocrática, sem atenção devida à vítima e sem funcionalidade preventiva;
d)      a seletividade de sua aplicação em desfavor dos estratos mais baixos da população.

  Pôr as penas por sob limites legais e principiológicos é a primeira tarefa séria de um Direito penal que não seja mais do que repetição da violência criminalizante. Mas, como tem sustentado Zaffaroni[viii], diminuir a irracionalidade das penas não significa legitimá-las, pois não se pode encontrar a pena racional em nossos sistemas jurídicos, com sua seleção de “clientes” (os que efetivamente chegam ao Poder Judiciário) já viciada pelas demais agências de seleção criminalizante (Poder Legislativo, polícia, imprensa, preconceitos e estereótipos de classe). Assim, para o autor citado, quando se usam princípios de contenção da punibilidade (como o princípio da culpabilidade) não se está dizendo que assim procedendo as penas serão justas e racionais, mas apenas lutando para que sejam menos injustas e menos irracionais. O penalista comprometido com a redução da violência do sistema penal seria, assim,  para Zaffaroni, como os médicos da Cruz Vermelha: o fato de estarem na cena de guerra não significa que acreditam que a guerra possa ser justa. Mas ali estão para lembrarem que a razão e os valores humanos precisam fazer parte de qualquer luta.


3. O princípio da culpabilidade como critério de graduação da pena.

3.1. Culpabilidade e Responsabilidade.
Além de ser pré-condição para a pena, o princípio da culpabilidade serve também para regular sua aplicação. Diz Clauss Roxin[ix]:

“O princípio de que a pena não pode ultrapassar, nem em sua gravidade, nem em sua duração, o grau de culpabilidade, ao contrário do que sucede com o princípio retributivo, não tem origem metafísica, mas é o produto do liberalismo ilustrado e serve para limitar o poder de intervenção estatal. Dele é que derivam uma série consequencias que se contam entre as mais eficazes garantias do Estado de Direito e que por isso mesmo não devem ser abandonadas em nenhum caso. Assim, por exemplo, o princípio formulado por  Feuerbach, «nullum crimen, nulla poena sine lege», acolhido na legislação penal da maioria dos Estados civilizados, está estreitamente vinculado a função limitadora da pena que tem o princípio da culpabilidade: quem antes de cometer um ato não pode ler na lei escrita que esse ato é castigado com uma pena, não pode tampouco ter conhecido a proibição e, em consequencia, não tem, ainda que a infrinja, por que considerar-se culpado. O princípio da culpabilidade exige, pois, que se determine claramente o  âmbito da tipicidade, que as leis penais não tenham efeitos retroativos e que se exclua qualquer tipo de analogia em desfavor do réu; vinculando, deste modo, o poder estatal a lex scripta e impedindo a a admisnistração de justiça arbitrária. O princípio da culpabilidade serve também para determinar o grau máximo admissível de pena quando se lesiona de modo inequívoco uma lei escrita.”

Como fica claro, para Roxin, a culpabilidade fornece o limite máximo da pena. De forma que  este autor reafirma a tese do nulla poena sine culpa. Mas não se segue disso que da culpabilidade há de derivar necesseriamente uma pena. Pode haver culpa sem pena, mas jamais pena sem culpa. Assim como pode haver pena desproporcional à culpabilidade, desde que tal desproporção seja favorável ao condenado e presa a necessidades humanitárias ou de prevenção. Isso pelo simples motivo de que o princípio da culpabilidade é uma garantia do acusado e não um trunfo punitivo do Estado.  
Assim, para que haja uma pena, sustenta Roxin, é precsio que o Estado considere o condenado não apenas culpado, mas também “responsável”, ou seja, que acredite que a aplicação de uma pena seja necessária para fins de prevenção do crime.  
Exemplificando: no caso do furto de uma caneta “bic” (ou na venda de uns poucos DVDs “piratas” realizado por um desempregado), pode haver culpa, mas não há necessidade de pena, pois tal ato não ameaça a ordem jurídica, não guarda proporção com a pena de prisão prevista ao tipo, e sua não punição não gerará uma sensação de impunidade na população. Portanto, o juiz de Roxin depois de resolvida afirmativamente a questão dogmática sobre se o réu é culpado, deverá, formular a questão de sua eventual responsabilidade: “Dentro do limite imposto pela culpabilidade, é necessária uma pena? Que  forma e extensão deveria ter essa pena para que atenda a finalidades político-criminais de evitação do crime e de confiança no sistema penal?”
            A tese de Clauss Roxin pretende, então, que a função preventiva da pena seja sempre observada. A pena deve estar pois atrelada tanto à culpabilidade quanto a necessidade de torná-la útil para fins de prevenção. Nulla poena sine necessitate, axioma que, nos dizeres de Ferrajoli[x], em conjunto com o princípio do Nulla lex poenalis sine necessitate, exige economia na lógica penal. A primeira máxima dirigida ao juiz, limitando a pena à mínima necessária, e a segunda, dirigida ao legislador, atrelando a criação de leis penais à efetiva necessidade social.

3.2 Culpabilidade e vulnerabilidade.
Para o jurista argentino Eugênio Raul Zaffaroni, o princípio da culpabilidade daria o limite máximo da pena. Mas, assim como Roxin, não crê que ele por si só possa orientar a aplicação da pena em concreto, limitando como é requerido a violência ligada ao poder de punir. È preciso um complemento à culpabilidade. Mas ao contrário do criterio da necessidade do jurista alemão, Zaffaroni, pensando a partir da “margem”, propõe o princípio da vulnerabilidade, como norte político de aplicação da pena.
A vulnerabilidade enquanto critério limitador da pena surge do reconhecimento do caráter extremamente seletivo das pessoas que são postas em frente ao juiz para receberem a sanção penal. É fato que quanto mais vulnerável for a pessoa – quanto mais ela corresponder ao esteriótipo do inimigo da paz social (pobre, negro, favelado, autor de crimes toscos, de pouca elaboração etc.), mais será selecionado pelas agências legislativas, policiais, imprensa, opinião pública etc., para receber uma pena. Assim, os juízes quase sempre atendem os mesmos “clientes”, fazendo com que, por mais que o julgador procure ser justo com os que chegam diante dele, não pode esquecer de questionar-se do porquê só estes “clientes” chegam e por que razão chegam. Chegam, adverte o Ministro da Suprema Corte Argentina,  por sua vulnerabilidade, mais do que por seus crimes – pensar diferente, seria sustentar que as classes que não costumam figurar como rés nos processos penais são incapazes de cometerem crimes.
Não se nega, com o princípio da vulnerabilidade, que haja crimes e culpas nos estratos mais miseráveis da população. Mas se reconhece que a seleção quase que unicamente desses para o processo penal ocorre, em parte, por questões sociais ligadas ao estereótipo negativo que carregam e, só em outra parte, pelo esforço pessoal de vulnerabilidade que empreenderam. Zaffaroni chama de “esforço pessoal de vulnerabilidade” a decisão de uma pessoa de afrontar, mediante práticas ilícitas, o sistema punitivo. E é óbvio que quanto mais negativo for o estereótipo do sujeito menos esforço ele precisará fazer para irritar o sistema penal e receber uma pena.
Em contrapartida, quanto menos o sujeito é vulnerável, quanto mais consegue esconder suas práticas criminosas em discursos legitimantes, menos estará prestes a receber uma pena. Como brinca o mestre portenho: aquele que urina em um rio está mais sujeito a responder por um crime ambiental do que qualquer empresário que descarregue milhares de litros de poluentes no mesmo rio, em desacordo com as normas jurídico-penais. O que levou a polícia a levar o primeiro à delegacia e a partir daí começar um procedimento penal? O que levou as autoridades a tratarem a situação do empresário como um problema econômico e dar-lhe mil e uma chances de mudar sua conduta antes de qualquer procedimento penal? A conduta? O dano? A culpa? Não: a diferença de vulnerabilidade.
Se assim é, para conservar alguma justiça, a pena deve ser atenuada de acordo com o grau de vulnerabilidade do sujeito: ou seja, pelo grau de facilidade com que o sistema penal tem para selecioná-lo (não se pode apenar a vulnerabilidade de estereótipo) e limitada pela culpabilidade naquilo que consistiu seu esforço por ser selecionado, ou seja, pelo ilícito praticado.
Assim, se se quiser reduzir o âmbito de arbitrariedade sobre os clientes que lhes são entregues prioritariamente, o juiz deve levar a questão dos diferentes graus de vulnerabilidade em consideração. Diz Zaffaroni[xi]:
            “A quantificação penal reconheceria como limite máximo a culpabilidade do ato, porém não explicitamos com isso o corretivo fático que permitiria estabelecer penas por debaixo de esse limite. A nosso juízo, isto pode praticar-se a partir da vulnerabilidade que a pessoa oferece ao exercício do poder punitivo. É um dado da realidade que quanto maior é o esforço que uma pessoa há feito para fazer-se vulnerável ao exercício do poder punitivo, menor será o espaço da agência judicial para baixar a pena do limite assinalado pela culpabilidade e vice-versa.
“Deste modo, a quantificação penal consistente sempre na tarefa de impor a pena menos violenta possível, colocaria um limite máximo (magnitude «0») que estaria dado pela culpabilidade do ato. O espaço de poder da agência judicial para quantificar a pena por debaixo desse limite (magnitude «-1», «-2», etc.) dependerá sempre do esforço que haja feito a pessoa por alcançar a situação de vulnerabilidade em que o há surpreendido o poder punitivo, esforço de que formará parte a magnitude do conteúdo do injusto, entre outros dados (caracteres pessoais que correspondam ao estereótipo, por exemplo).
“Uma pessoa cujas características pessoais coincidam com as do estereótipo criminal, basta com que incorra em um injusto leve para que seja vulnerável. Por regra geral, a vulnerabilidade alcançada com pouco esforço [como no caso do pequeno traficante] concede à agência judicial um espaço de poder muito considerável para impor penas mínimas ou muito leves, sem que as agências restantes do poder punitivo tenham argumentos ou elementos para criticá-la ou desprestigiá-la. Inversamente, ante a esforços muito grandes [como no caso de um poderoso político que participe de uma rede de pedofilia], a agência judicial carece de poder para proceder de igual forma.
“Partindo do principio de que a pena mais leve é a menos violenta, a agência judicial tem poder no primeiro caso para baixar a magnitudes -1, -2 etc., mas não pode fazê-lo no segundo, sob pena de sofrer desprestígio, críticas e perda de poder, caso em que não lhe restará outro meio que manter-se na magnitude “0” (indicada pela culpabilidade do ato).”

Se Roxin, falando a partir da Alemanha, oferece soluções funcionais para o sistema penal de uma sociedade menos desigual, Zaffaroni, que fala pela América Latina, precisa ir além e lembrar como as desigualdades sociais aviltantes de nossa região se transformam em políticas penais persecutórias aos mais vulneráveis. Por isso seu critério de correção da culpabilidade pode parecer mais “militante”, e de fato é, em relação ao Claus Roxin. O que só serve para demonstrar que o bom penalista é aquele que faz as categorias tradicionais do Direito penal prestarem contas à realidade concreta em que estão inseridas. Ser culpado em Berlim é uma coisa, ser culpado em Buenos Aires, Brasília ou Caracas, é outra. E cada um desses autores disso.

            3.3 Culpabilidade e algo mais
Tomando por base esses dois autores, Roxin e Zaffaroni, que figuram entre os mais respeitados penalistas contemporâneos, podem sintetizar que:
1)      A culpabilidade pelo fato cometido dará a extensão máxima possível da pena, pois agir de outra maneira seria desrespeitar a Constituição e a tradição penal liberal;
2)      A pena não pode ser aplicada quando, apesar de haver culpa, não for necessária, nem aplicada em desconformidade com finalidades preventivas (Roxin).
3)      A pena não pode ser aplicada sem levar em consideração os motivos que levam alguns a chegarem com mais facilidade ao sistema penal do que outros. Deve o juiz ter isso em mente para evitar punir a vulnerabilidade do sujeito para além de sua culpabilidade (Zaffaroni).

Escrito por: Sandro C. Sell

[i] No caso dos menores de 18 anos, a não culpabilidade penal é presumida de forma absoluta pela lei. O que não impede que aos adolescentes que praticam injustos penais se aplique medidas sócioeducativas, destinadas a aumentar sua motivação para guiarem-se pela lei.
[ii] PUIG, Santiago Mir. Funcion de la pena y teoria del delito en el Estado social y democratico de derecho. Barcelona: Bosch Editorial, 1982. P. 106.
[iii] FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón:Teoría del garantismo penal Madrid: Editorial Trotta, S.A., 1995. P. 547.
[iv] ROXIN, Clauss. Culpabilidad y prevención em derecho penal. Editorial Reus, Madrid, 1981. P. 50.
[v] NINO, Carlos Santiago. Los límites de la responsabilidad penal – una teoría liberal del delito. Buenos Aires: Editorial Astrea, 1980. Pp. 199 e seguintes.
[vi] Não por outro motivo consignou-se na Lei 11.340/ 2006 (“ Lei Maria da Penha”): Art. 17.  É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa. Lembra-se que tal artigo tinha em mira justamente as práticas de respostas penais menos drásticas trazidas pela Lei 99099/95 (“Lei dos Juizados Cíveis e Criminais”).
[vii] BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das penas. Cuja primeira edição é de 1764, e que constitui uma das obras fundantes do Direito penal moderno, ao procurar colocar a relação entre Estado e acusado/condenado sob o controle da lei, da razão e de pesrpectivas humanistas.  
[viii] ZAFFARONI, Eugenio Raul. Hacia um realismo marginal. Caracas: ed. Monte Avila Latinoamericana, 1992.  P. 110.
[ix][ix] ROXIN, Clauss. Cupabilidad y prevencion em derecho penal. Madrid: Reus, 1981. P. 46.
[x] FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón:Teoría del garantismo penal Madrid: Editorial Trotta, S.A., 1995.
P.463.
[xi] ZAFFARONI, Eugenio Raul. Hacia um realismo marginal. Caracas: ed. Monte Avila Latinoamericana, 1992.  P. 110.