terça-feira, 4 de maio de 2010

Teorias causais-explicativas do crime

Embora as teorias que sustentam que o crime é uma questão de ponto de vista, um olhar mais que uma prática, tenham contribuído para a compreensão do quanto de marginalizado há no marginal do cotidiano, ainda há a necessidade de alguma teoria causal-explicativa efetivamente capaz de esclarecer os motivos que tornam a entrada no mundo socialmente consensado como transgressivo mais atrativa para umas do que para outras pessoas. Pois, por mais que superássemos os preconceitos sociais - ligados à raça, renda, etnia ou moralidade -, por mais que diminuíssemos a avassaladora inflação de tipos penais - que tratam o ato de fumar maconha, estuprar, matar, vender cd pirata e desviar milhões de dinheiro público sob a mesma e indiferente rubrica (crimes), ainda restaria, após toda a decantação razoável, pessoas que transgrediriam por vontade e consciência os códigos mais elementares da vida em sociedade. Matar por cobiça, apropriar-se do que é legal e legitimamente alheio, abusar de forma significativa dos mais vulneráveis e coisas desse tipo.
Há condutas que nem com todo o formalismo positivista pode-se evitar o efeito de serem tidas como evidenciadoras de uma transgressão ululante; assim como há condutas que nem com todo o formalismo positivista – pense-se na campanha contra a compra de cds piratas – se consegue consensualizar enquanto prática criminosa. O conceito social de crime não é algo que se dobra facilmente às conveniências legislativas. Esse conceito social é, por certo, histórico, cultural e geográfico, mas o que no mundo humano não é assim? Nem sempre o conceito formal de um delito é apenas a síntese linguística de uma farsa e um erro.
Isso seria "essencializar" o conceito de crime, dar-lhe uma ontologia, ainda que histórica (sic)? É possível. Mas há outra saída possível, para além de ficar criticando e - assim - legitimando como inimigo, o conceito de crime & criminoso das leis e do senso comum? Algo assim como permanecer na "má consciência do bom criminólogo" (Pavarini) que continua eternamente sentado em cima do galho que está serrando? Chegar a uma teoria agnóstica do crime - como fez o mestre de todos nós, Zaffaroni, em relação às penas - seria mesmo uma saída honrosa, um quietismo justificável de domingo quando, na manhã de segunda-feira, se há de sentar novamente como ministro de Suprema Corte e decidir sobre penas? Quem não acredita na doença deve continuar sendo médico? Ou não seria mais coerente que virasse açougueiro – para usar uma metáfora do próprio mestre portenho?
Hoje se fala em um consenso histórico mais bastante estável dos Direitos Humanos (em que, numa lógica evolucionista, costuma-se acrescentar novas gerações de direitos às conquistas do passado, sem mexer naquilo que já foi estabelecido). Um conceito de direitos humanos implica também o dar existência concreta ao horizonte de sua negação efetiva, contra o qual ele é erigido. Em outras palavras: o mundo dos crimes aos direitos humanos tem a mesma essência absoluta ou histórica relatividade em face a esses próprios direitos humanos.
E depois de questionada toda a farsa midiática do Julgamento de Nuremberg, depois de levantada toda a negação do status de vítima dos civis de Hiroshima e Nagazaki (apesar da foto), ainda haveria que se explicar por que razão alguns (e não todos) aderiram ao nazismo dos campos de concentração, aceitaram testar as bombas nucleares sobre crianças e pacatos cidadãos, jogaram aviões contra as torres gêmeas ou mataram o índio pataxó. E também decidir o que fazer com os que assim fizeram, já que não queremos que tais atos se repitam...
Depois de retirarmos as traves e os argueiros dos nossos olhos, depois de reconhecermos o histórico relativo de cada definição de crime, precisamos ainda sustentar alguma funcionalidade nesse conceito, de atribuir-lhe uma essência num horizonte de uma vida de fragilidade e apropriação desigual de recursos que há de ser partilhada por todos. Alguns crimes hão de haver. E alguns criminosos hão de ser localizados pelo sistema penal e os motivos de sua conduta explicada pela ciência, como tudo o mais.


Postado pelo Sandro Sell
Que é muito chegado ao minimalismo penal, e que não consegue ser abolicionista por ter tão pouca fé na natureza humana quanto nas instituições que foram criadas para controlá-la, aperfeiçoá-la, educá-la...

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