segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O sujeito dogmático...

Constrói seu sistema de verdades por contaminação do ambiente em que circula.
Rejeita por princípio qualquer crítica ao “seu” saber, porque como não o construiu, sabe que se for abalado não será capaz de consertá-lo.
Acredita que expressões como “crença milenar”, “isso todo mundo sabe” e “deu na imprensa” são fiadores seguros do conhecimento.
Tem respostas rápidas para qualquer questão, pois não perde tempo refletindo sobre outras possibilidades.
Não concorda antes mesmo de conhecer algo.
Concorda antes mesmo de conhecer algo.
Acha que qualquer reflexão que sugira outras possibilidades de ser ou saber não passa de “viagem”. Por isso respeita os códigos e a matemática – entendendo ou não – mas abomina os saberes reflexivos.
É amante de qualquer força mundana capaz de emprestar aparência de inquestionabilidade ao seu saber: autoridades, letra da lei, palavra do Papa, última jurisprudência do STF, primeiro na lista dos mais vendidos...
Deseja uma patrulha moral do conhecimento. Quem discorda dele é “escroto”, “pervertido”, “criminoso”.
Gosta pertencer a rebanhos, por isso usa expressões que denotam que seu pensamento surge com a manada: “nós acreditamos nisso” (esse “nós” pode ser tanto coletivos genéricos como: brasileiros, catarinenses, alemães, judeus, flamenguistas, católicos, quanto coletivos especializados, como “nós juristas”, “nós psicanalistas”, “nós advogados”, “nós magistrados”, desde que seguidos pela expressão “pensamos assim” – como se qualquer desses coletivos tivesse um pensamento uniforme sobre as coisas!).
Expressa suas crenças mais sofríveis por canais lúdicos para evitar críticas: não defende o racismo, mas conta piadas sobre o “negão que pensa que é gente”; não tem nada contra mulheres, mas seu anedotário é uma catarse de risos sobre a inferioridade que ele jura ser só de brincadeirinha.
Lê por procuração: resumos, críticas de revista, opiniões de terceiros e orelhas de livro lhe dão à cômoda ilusão de que já tem o essencial do texto. (Não sabe que mais do que “pegar as idéias centrais”, a leitura consiste em passear com seu autor por outra lógica de pensamento. Seja um romance ou uma tese, dificilmente é o que se diz que faz diferença, mas sim o estilo com que se conduz texto).
Como vive num mundo acelerado, tudo que não contenha as expressões: “ação”, “espetáculo”, “cenas chocantes”, “pura adrenalina”, “muito show”, lhe dá sono e não justifica o investimento.
A filosofia para ele se faz com um copo na mão e uma música nas alturas da cabeça.
E é nesses momentos de ébria lucidez que das suas entranhas sai o grito reivindicativo-reflexivo máximo de sua existência “Toca Raul!”. Então olha para as pessoas do lado e confidencia, “Bah, isso sim é que é filosofia... Alguém tem um engov?”


Postado pelo Sandro Sell

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O juiz, a mulher e o superfaturamento


Quando Deus perguntou a Adão (por mero espírito formalista, já que era Onisciente) por que sua cria havia transgredido a primeira norma que se tem notícia, - ao menos na mitologia judaico-cristã (“Não comerás da árvore da ciência do bem e do mal”), o imputado nudista respondeu: “A mulher que tu me deste como companheira me deu da árvore e eu comi.
Com isso Adão queria: a) beneficiar-se da delação premiada; b) que o Criador descesse ao pólo passivo da demanda, como responsável pelo vício oculto da coisa dada (Eva).
O jurista alemão Gunther Jakobs sustenta que Adão tinha o direito a interpelar o Excelso Juiz, no sentido “b” acima, pois Deus é que doara  Eva, e:
a) O que uma pessoa responsável sugere ou entrega, vem com a presunção de ser algo confiável;
b) Ainda mais no que se refere a não violar as normas que o próprio Doador estabeleceu;
c) Ainda mais o Doador sendo Deus!
Mas, como é sabido, o Criador não apenas rechaçou a tese da defesa, como puniu cruelmente os réus e ainda considerou a Serpente partícipe, e lhe deu uma pena mais do que rasteira.
Datíssima vênia, Deus se comportou no caso como o juiz substituto do anedotário forense: não só não se dispôs a ouvir outras possíveis interpretações, como na sua certeza de principiante (era a primeira vez que Deus julgava um caso), escarmentou tanto a pena que até hoje ela  se replica em cada novo nascimento: mais uma alminha originalmente pecadora!
Que inferno!
É por isso que tem mesmo que haver o tal do duplo grau de jurisdição. Se me fosse permitido opinar em tão elevada questão, sustentaria que Deus não poderia jamais participar de julgamentos em primeira e última instância: teria que ser Órgão de revisão final, isso sim. Alguns dirão: “Mas pode-se apelar para a Mãe Dele”! Então Deus é brasileiro mesmo: se não há mais saída nas regras públicas, apele-se para os laços personalistas e familiares das autoridades? Era o que faltava, passar, de novo, em termos históricos, de Requerente a Suplicante!
Se for assim, passo a acreditar na opinião oposicionista e treveira sobre o superfaturamento original: com os recursos gastos na construção da Terra daria para fazer pelo menos três Jupiteres. Ao que eu acrescentaria:
E uma mulher mais confiável!

Sandro Sell