O filósofo alemão Frederich Niezstche dizia que não acreditava em um Deus que não soubesse dançar. A música é, na verdade, a imitação do movimento da alma, segundo Platão. Ela nos leva quase sempre em direção ao celeste, ao divino, ao revolvimento mais profundo dos sentimentos humanos. Por isso ela, muita vezes, causa arrepio, frisson, faz até rir ou chorar quando estamos por demais à flor da pele.
Por isso, quando alguma inquietação me vem ao espírito, corro logo ao violão, procuro imediatamente esse movimento em direção ao céu, cantando palavras que imitam algum movimento de minha alma. A frase que dá título a esse pequeno texto é do cantor e compositor popular Zeca Baleiro, na canção denomina “Meu amor, minha flor, minha menina”, que aprendi a tocar, pois atendeu em alguma ocasião o fluxo do meu espírito.
Zeca diz para seu amor, sua flor, sua menina, que “solidão não cura com aspirina, tanto que eu queria o teu amor”. Revela sua inquietude afirmando que “até um canalha precisa de afeto e que “dor não cura com penicilina”.
Com ternura trata teu amor por “minha cara, minha coralina, mais que um Goiás de amor carrego, destino de violeiro, cego, (cego)”. Ressalta, ainda, que “há mais solidão no aeroporto, que num quarto de hotel barato, antes o atrito que o contrato” (queria ele se referir ao casamento?). Mais adiante fulmina, “telefone não basta ao desejo, o que mais invejo é o que não vejo, o céu é azul o mar também. Se bem que o mar às vezes muda, não suporto livros de auto-ajuda, vem me ajudar, me dá seu bem”.
Eu, assim como o Zeca, não suporto livros de auto-ajuda, uma vez que ajudam apenas e tão-somente os próprios autores, ao rechear as suas contas bancárias à custa da dor alheia. Saiam pra lá magos, coelhos, ribeiros, shinyashikis e “segredos” obscuros e charlatães da cura. Dor não cura com penicilina e solidão não cura com aspirina. O Baleiro assim ajuda a compreender melhor a vida e um amor fracassado.
Por isso, faço aqui a minha pequena canção, repudiando os livros de auto-ajuda jurídicos, que deformam a compreensão do mundo, brincam com as dores alheias, com a sangria do cotidiano dos conflitos sociais tratados pelo direito. Tais manuais produzem um conhecimento prêt-a-porter, banalizada, com exemplos ficionais, que beiram ao ridículo.
Com já ressaltou o meu grande mestre Lenio Streck, para se ter uma idéia da dimensão do problema, há um importante manual de direito penal que ensina o conceito de erro de tipo do seguinte modo: um artista se fantasia de cervo e vai para o meio do mato; um caçador, vendo apenas a galhada, atira e acerta o "disfarçado". Fantástico. Quem não sabia o que era erro de tipo agora sabe. Só uma coisa me deixou intrigado: por que razão alguém se fantasiaria de cervo (veado) e iria para o meio do mato? Mistério, muito mistério. O mesmo livro explica o significado de nexo causal, a partir do seguinte exemplo sobre causas preexistentes: "o genro atira em sua sogra, mas ela não morre em conseqüência dos tiros, e sim de um envenenamento anterior provocado pela nora, por ocasião do café matinal". Que coisa, não? Mas tem mais tragédia familiar: o que seria causa "superveniente" no direito penal? O manual dá a solução, com o seguinte exemplo: "após o genro ter envenenado sua sogra, antes de o veneno produzir efeitos, um maníaco invade a casa e mata a indesejável (sic) senhora a facadas". Significa dizer que o genro foi salvo pelo maníaco (seria o maníaco do parque, que teria escapado da prisão?) Mistério, não?
E assim vai. Quero trazem um exemplo do autor mais usualmente acolhido pelos estudantes. Trata-se da sua abordagem do tema do princípio da consunção: diz ele que, no conflito aparente de norma, opera-se o princípio da consunção quando o peixão (norma mais ampla) engole o peixinho (norma menos ampla). Que querido, que didático, não acham? Agora podemos ficar tranqüilos!
Ou ainda, o mesmo autor revela que “chave falsa”, majorante do crime de furto, “é a chave que não é a verdadeira”. Genial, não? Os exemplos poderiam se reproduzir aos milhares. Encerro por aqui, para não cansar a paciência dos leitores.
Apesar disso, a gente vai levando, ouvindo muita música, cantando, dançando, amando, resistindo a todo custo à banalização da vida e do mal, combatendo duramente, sem perder a ternura, a escuridão do pensamento, o olhar enganador, manipulador e dissimulado, pois “nem sempre se vê, lágrimas no escuro, nem sempre se vê, mágica no absurdo”. Mas o Lobão já é uma outra história, fica para uma outra conversa.
Abraço,
Thiago Fabres de Carvalho.
É Thiagão,
ResponderExcluirO teu texto segue por dois caminhos, que apesar de extranhos e conflitantes, num primeiro momento, tornam-se vizinhos e compreensíveis. De fato, não se cura solidão com asperina, ainda mais a solidão do amor, do cheiro da flor, da doce menina. Dizem que amor se cura com outro amor. No que se refere à dor, acho que uma boa dose de um bons porres com os amigos, depois uma boa companhia (não os amigos é claro) podem resolver esse acalanto. Mas a tua pista é boa: o canto. A música, a dança, o encontro com a alma, o divino, isso mesmo!
A única relação que consegui fazer com os manuais e a menina (a da solidão e da aspirina) é, certamente, o apego, ao tema e talvez, à inconsolável solidão.
Mas é isso cara, espero ler mais teus textos e ouvir mais Zeca Baleiro ou Lobão (partes da tua trilha sonora).
Boa sorte na caminhada,
Mario Barbosa
"O segredo" e seu famosíssimo filme tornam-se objetos de curiosidade: Existe um segredo, mas você tem que trabalhar duro [e muito, meu caro!] para "alcançá-lo". Você é o que você atrai, mas, é claro, não esqueça de trabalhar!
ResponderExcluirO grandioso segredo, para mim, seria ganhar dinheiro dormindo. Ter que trabalhar... Isso todos nós já sabíamos.
E mais: parte-se do princípio que quem escreve um livro de auto-ajuda é, digamos assim, bem sucedido em vários aspectos - pelo menos deveria ser. Mas se eles, os literatos-salvadores-da-pátria, dependem da venda de suas preciosas obras para se auto-ajudar, como poderão eles nos dar exemplo?
Belo texto!
"Quando vem rompendo o dia eu me levanto e começo logo a cantar..."
ResponderExcluirA música além de alegrar o coração, desperta a alma.. por isso que vivo cantando por todos os cantos, na rua na chuva na fazendo ou numa casinha de sapê...rs
Ótimas texto!
beijos
Muriel