sábado, 5 de junho de 2010

Às trevas

Ao remanejar vagas e suas respectivas competências em um dado setor de um órgão juridicional, recebi algumas reivindicações - tardias, por sinal - para que algumas funções fossem distribuídas de forma diferente.
Perfeito: as modificações trariam benefício à pessoa que se sentia sobrecarregada e, com sua melhor qualidade de trabalho, poderia evoluir em suas afazeres e acarretar melhores resultados em nosso trabalho.
Foi preciso, contudo, a pessoa ter se sentido desestimulada a trabalhar para compeli-la a reivindicar uma mudança - imagine o quanto, então, ela vinha pensando "o quão boas seriam determinadas mudanças", tendo em vista que o desânimo não se aloca em alguém de um dia para o outro.
Ninguém notou, por óbvio, a sua necessidade, a sua insatisfação. Ao contrário: suas manifestações de sua inércia era tidas como da própria personalidade e concluía-se pelo seu parco desenvolvimento. Uma conclusão errônea, vê-se a tempo, e embasada na superfície.
Não se aprofundou na causa do problema porque não foi permitida a sua exposição.
Ninguém notou porque não se vive em pura e plena observação; é claro: vive-se. Cada um cuida de seus afazeres, cada qual preocupa-se em dar conta do seu recado (excluo, por óbvio, aqueles que não se dão a própria preferência e tratam ñão de cuidar da vida dos outros, mas de fazê-la uma novela ou um caso para julgamento).
Ninguém lê pensamentos. No máximo, lê-se nas entrelinhas, mas não se pode exigir sensibilidade de todos, principalmente porque tantos se protegem em muralhas e tanques de guerra e fazem de sua defesa um ataque (para fazer sangrar, mesmo).
Por isso, é preciso falar, faz-se necessária a comunicação, é imprescindível a interação.
Conversas sobre a questão: é o que solucionou o caso narrado.
Para tanto, foi necessária uma exposição. Abertura analítica de causa e efeito, reconhecimento do que se sentiu e do que se pensou: não só para o outro (atitude secundária), mas, primeiramente, para si.
Se não há clareza do que ocorre consigo próprio, como haverá uma interação suficiente em sua pretensa intersubjetividade?
Como haverá uma satisfação de seus desejos? Como haverá a sua realização como ser humano?
Como querer que seu meio melhore sem que seu interior seja curado? ..... .... ... ... ... .. .. .. .. .. .. GRAZY AB...........

5 comentários:

  1. Num texto pouco conhecido, Foucault trata das "tecnologias do eu" e mostra, assim como na Verdade de Saber, como o falar sobre si se tornou a estratégia básica de objetificação do sujeito para seu posterior controle (a psicologia, a psicanálise, mas antes os rituais da confissão católica.. e, hoje, as técnicas de moderna administração), todos querem que você fale muito sobre você (que classifique de 1 a 10 seus sentimentos, pensamentos e comportamentos) para poderem, em tese, lhe ajudar... Mas por que muitos insistimos em não falar? Tento algumas sugestões: 1. Porque as coisas não estão claras nem para nós mesmos (sabemos que algo nos incomoda mas não exatamente o que nos tiraria de tal incomodção); 2. Porque quando falamos assim, corremos o risco de ficarmos presos a uma fala que tinha prazo e situação específicas ("você não me entendeu: não é desse serviço que eu não gosto: é desse serviço nessas condições, nesse momento"); 3. Porque achamos que os que estão à nossa volta são capazes de nos ajudar a encontrar não apenas saídas, mas também a definir causas de insatisfações que atribuíamos a origem errada. Em suma: não é fácil falar (a não ser que seja com uma Grazy da vida, mas ela é a exceção, pois é raro alguém que fala - escreve - tão bem, ser também um bom ouvinte).Sandro

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  2. Grazy, querida!!! Certamente você não é apenas uma gestora, mas também uma líder zelosa. Sua visão humana da questão é admirável. Concordo com você com relação ao dialogo ser (muitas vezes) uma boa forma de buscar a solução... porém, quando decidimos nos expor podemos ficar muito vulneráveis, pois "tudo que disser poderá e será usado contra você", de forma muitas vezes cruel, distorcida, desumana... Às vezes, pode ser melhor ouvir o filósofo contemporâneo, Capitão Nascimento... "Pede pra sair!!!"
    Grande beijo. Adorei o texto.

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  3. Sandro, tenho me deparado mais com a sugestão 3
    :/
    E obrigada ^^

    Violene, muito obrigada :)
    Não há como se fazer um bom trabalho sem a (boa) vontade de todos, em consenso sobre os seus termos.

    com relação à vulnerabilidade, penso junto contigo. Não é fácil de colocar à exposição e à disposição, sob pena de que seus "medos" sejam, posteriormente, jogados na cara. Por isso mesmo eu insisto na necessidade de que o interior de cada um esteja curado ou em vias de ser resolvido. Assim, caso alguém use tal medo contra a pessoa que se revelou, esta perguntar "e daí? é a forma com que eu sinto ou que sinto".
    Para não estar vulnerável aos outros, creio que seja preciso ser fortemente sincero consigo mesmo.

    E vamos lá: quem usa um medo exposto para ofender uma pessoa expressa um sadismo não superado na infância (ah, ando lendo Melanie Klein :D ) e, no fim das contas, não merece consideração porque transforma uma possível fraqueza em algo vergonhoso. E isso é cruel.

    :)))

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  4. Embora tenda a concordar com o Sandro (aliás, eu não sei o que fazer para superar essa dependência edipiana do "ex" professor)e nisso concordar que falar não é simples assim, pois entre o pensado e o dito há uma distância tão grande quanto entre o dito e o compreendido. Porém, mesmo ponderado isso, o que fazer senão se abrir? Só o diálogo pode esclarecer alguma coisa (não só para o outro, como para nós mesmos). Se não falarmos (coisa que a Grazi salientou bem)ficaremos esperando pela adivinhação alheia e, se o outro não for bom nesse joguinho de "desvenda meus anseios", restará a insatisfação e o culpar os outros pelas nossas dores escondidas. Parabéns pelo texto.

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  5. mt bom!
    Parabéns


    Muriel

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