terça-feira, 8 de junho de 2010

Corrupta resignação



 Enquanto isso, na vizinha e estancieira Montevidéu, seu maior escritor faz a seguinte reflexão: 

“Ele me perguntou se eu achava que tudo estava melhor ou pior do que cinco anos atrás, quando ele foi embora. `Pior`, responderam minhas células por unanimidade. Mas depois tive que explicar. Ufa, que tarefa.
Porque, na verdade, a corrupção sempre existiu, o acordo também, as negociatas, idem. O que está pior, então? Depois de muito espremer o cérebro, cheguei à conclusão de que o que está pior é a resignação. Os rebeldes passaram a semi-rebeldes, os semi-rebeldes a resignados. Creio que, nesta luminosa Montevidéu, as duas agremiações que mais progrediram nestes últimos tempos foram os maricas e os resignados. `Não se pode fazer nada`, as pessoas dizem. Antes só quem queria conseguir algo ilícito é que subornava. Agora quem quer conseguir algo lícito também suborna. E isso significa relaxo total.

Mas a resignação não é toda a verdade. No princípio foi a resignação; depois, o abandono do escrúpulo; mais tarde a co-participação. Foi um ex-resignado quem pronunciou a famosa frase: `Se os de cima levam o deles, eu também levo o meu`. Naturalmente, o ex-resignado tem uma desculpa para sua desonestidade: é a única forma de os outros não tirarem vantagem dele. Ele diz que se viu obrigado a entrar no jogo, porque caso contrário seu dinheiro valeria cada vez menos e seriam cada vez mais numerosos os caminhos corretos que se fechariam para ele. Continua mantendo um ódio vingativo e latente contra aqueles pioneiros que o obrigaram a seguir esse caminho. Talvez seja, no final das contas, o mais hipócrita, já que não faz nada para se safar. Talvez seja também o mais ladrão, porque sabe perfeitamente que ninguém morre de honestidade...”

Mário Benedetti,  A Trégua

Lá ou aqui, pior que o corrupto congênito é o corrupto feito à covardia e resignação. Falo do sujeito que ocupa o cargo de fiscalização certo, mas com o ânimo errado; não daquele que semeia a desonestidade (esse pelo menos assume seu lugar no mundo), mas daquele que não tem nada com isso... e que paga para não ver.
 
Sandro Sell

3 comentários:

  1. Mas de certa forma, não estaríamos todos (ou quase todos, a maior parte...) coniventes com a corrupação, ou melhor, corrupções? Digo, quantos de nós vemos (ou até mesmo praticamos) corrupação no dia a dia e não fazemos nada... Ou seja, estamos resignados!
    Bom, parece então que há mais um mal a se combater, além da corrupção... a resignação.


    Abraço, professor.

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  3. A inversão de valores é "ampla, geral e irrestrita", ironicamente inversa à aspiração democrática que tentava ganhar fôlego no apagar das luzer do regime militar. O controle é exercido sobre os que deviam controlar.

    Parabéns pelas postagens!

    ResponderExcluir