quinta-feira, 17 de junho de 2010

Verdade, amor e solidão

Ao que parece, não fomos feitos para a verdade. Não somos animais epistemológicos, nossa capacidade de crer em algo tem mais a ver com nossa necessidade de sobrevivência do que com as exigências rigorosas das descobertas científicas. Tanto é assim que nossas crenças mais importantes são as mais questionáveis: crença no amor do outro (que provas se podem exigir?), crença na existência de Deus (que prova se pode obter?), crença na melhora de nossa situação (como podemos confirmá-la?). Mas sem tais crenças, como sobreviveríamos? Como teríamos filhos, plantaríamos árvores e escreveríamos em blogs ou livros?
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Não é à toa que todos (do Einstein ao Esteves da Tabacaria) esboçam crenças igualmente duvidosas sobre as situações citadas. Todos são igualmente imaturos e ingênuos nas suas crenças sobre o amor, Deus e o destino. O cinema explora bem isso, quando mostra como os homens mais inteligentes comportam-se feitos pré-adolescentes diante de uma menininha bonita: todo o seu saber sobre verdades não lhes dá um passaporte privilegiado ao mundo das pequenas incertezas onde repousam nossas esperanças e felicidades.
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Mas a crença no logaritmo, na lógica quântica, ou na teoria da evolução, é coisa tão pouco necessária a se levar a vida - e dar-lhe continuidade - que poucos realmente as adquirem. Tratam-se de produtos de luxo no supermercado da credulidade. O sujeito as adquire se quiser, mas isso não o torna mais apto para as demandas mais radicais da existência. Quem se lembra do filme Uma mente brilhante, percebe como a genialidade para o existencialmente inútil (embora socialmente fenomenal) de J. Nash convive com sua imbecilidade emocional e existencial.
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Fernando Pessoa remete a isso quando seu rebuscado narrador do poema Tabacaria iguala-se num sorriso ao Esteves-sem-metafísica: o mistério da superfície iguala-se ao mistério do fundo. Fumar charutos ou criar filosofias, no final, resulta na mesma inutilidade: o sujeito sai de tais atividades sem nenhum consolo consistente ao que lhe oprime o peito; são apenas distrações do espírito, para esfumaçar as demandas por um sentido de vida que não seja precário e passageiro.
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Nietzsche parece ter chegado a essa conclusão. Não é sem razão que dizia que suas verdades eram todas verdades sangrentas, sofridas. No entanto, errou na saída. A idéia do seu super-homem, aquele que poderia dançar, afirmar-se corajosamente e triunfar num mundo sem deuses ou amores plenos, era uma saída tão irreal ao seu niilismo, que ele próprio nunca chegou sequer perto dela: viveu enlouquecido, indignado e desprezado. O magistral filósofo (talvez o maior de todos), não conseguiu sequer se livrar do julgo da irmã autoritária, da maldição de um pai severo e das peripécias histriônicas da Lou Salomé.
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Seu Zaratrusta devia ter deixado mais claro que não há escapes verdadeiros para as crises de sentido: apenas distrações. E para isso tentaremos de tudo: beberemos álcool, inventaremos poesia, filosofia e teogonia; passearemos com cachorros e namoradas, baixaremos aquela canção do youtube; teremos filhos, carros e bicicletas; faremos academia, bolos e castelos de lego; tatuaremos o corpo em busca da nossa tribo, desprezaremos outros que não pertencem a ela. Diplomas na parede, prozac na gaveta, terapia agendada. Uma nova promoção (que atesta nosso sucesso na distração), uma nova casa (para guardar velhos troços e fantasmas)...
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Tentaremos também o amor parte 1, o amor parte 2, e, decepcionados, descobriremos que o amor partes 3 a n, é apenas o amor 1 e 2 sob novos corpos. Mas aceitaremos os novos assim mesmo, pois se o amor não nos dá o sonhado sentido da existência, nos dá, ao menos, a temporária idéia de que é possível viver sem um sentido para além do amado. Mas essa distração também cansará. Virá a crise, eas demandas por verdade surgirão de cada lado da cama. Por trás da exigência de “parar de viver uma farsa”, de recuperar “a verdade da relação”, está o essencial motivo: o auto-engano acabou, nossa demanda por sentido está de volta.
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De novo, sozinhos. Cada um com suas velhas crises atribuídas a novos culpados. Cada um se sentindo incompreendido e maltratado do seu lado. Cada um querendo uma briga, uma análise, um processo, a palavra de uma autoridade que lhe diga: “Foi ele (ou ela) o errado!”. Maneira hipócrita de tentar esquecer que o errado mesmo foi acreditar que um outro (tão perdido quanto nós) pudesse resolver o insolúvel. Mas, lutamos, advogamos à altura de nossa indignação e ganhamos o processo. E é, então, que podemos, tranqüilos, com pleno sentimento de posse, chorar sobre a cama que era repartida e agora é apenas nossa, de pleno direito.
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Vencemos! E assim recuperamos nosso sagrado direito de dormir atravessados e sonhar velhas fantasias...

Sandro Sell

8 comentários:

  1. Nossa, inspirador e deprimente ao mesmo tempo. Tem toda razão, professor!
    Amanda R. Roth

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  2. Fico feliz por nao ter escrito esse brilhante texto, embora o quisesse muito! Tô cansado da minha fama de dramático! Prefiro pensar realista. Mas não estou sozinho. Obrigado pelo texto, Sandrinho.
    Abraço,
    Thiago (sumido de novo)!

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  3. Experimente mudar a cama também ,prof! Velhos móveis atraem novas dores! bjs

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  4. O Sandro agora caiu no mesmo astral do Thiago Fabres? Ah, não prof! Cada um no seu estilo: o Thiago é nosso charme deprê, enquanto o vc. é o nosso charme palhaço!Continue nos fazendo rir, porque fazer chorar é a especialidade do Thiago! (mas todas querem tal chance, hehehe).
    Adresa

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  5. Sandro:

    O dia que entenderes que a Razão serve para tudo, menos para o Coração; você estará próximo de entender a Razão "do" Coração!

    Márcio Roberto Harger

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  6. Bom mesmo é conseguir tentar o amor parte 3 a N, mesmo que seja para descobrir que eles são iguais. Ruim é querer amar e não conseguir. Talvez por não achar a pessoa certa, talvez por cansar de sofrer. No momento, fico com a segunda opção. Mas como toda boa bailarina, sigo os, aparentemente bobos mas muito verdadeiros, versos de Toquinho: "...SE EU CAIR CONTO ATÉ DEZ!" Depois levanta para recomeçar toda a "lenga-lenga". E assim se segue essa rotina de cai e levanta até que um dia para de pé. O importante é não deixar de amar, pois como disse Charles Chaplin: "O homem não morre quando deixa de viver, mas sim quando deixa de amar."
    Beijo

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  7. Daniel Nascimento e Silva27 de setembro de 2011 às 09:49

    Meu amigo,
    A cada dia voce se aperfeiçoa muito mais. Brilhante texto de uma mente brilhante. Sou seu fã.
    Abraços, amigo

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  8. tá aí, a insustentável leveza do ser. A eterna busca por uma sentido que faça a vida valer a pena faz com que depositemos sob um plano, uma ideia, uma pessoa o peso das nossas expectativas. ahh, o ser humano!

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