Ao que parece, não fomos feitos para a verdade. Não somos animais epistemológicos, nossa capacidade de crer em algo tem mais a ver com nossa necessidade de sobrevivência do que com as exigências rigorosas das descobertas científicas. Tanto é assim que nossas crenças mais importantes são as mais questionáveis: crença no amor do outro (que provas se podem exigir?), crença na existência de Deus (que prova se pode obter?), crença na melhora de nossa situação (como podemos confirmá-la?). Mas sem tais crenças, como sobreviveríamos? Como teríamos filhos, plantaríamos árvores e escreveríamos em blogs ou livros?
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Não é à toa que todos (do Einstein ao Esteves da Tabacaria) esboçam crenças igualmente duvidosas sobre as situações citadas. Todos são igualmente imaturos e ingênuos nas suas crenças sobre o amor, Deus e o destino. O cinema explora bem isso, quando mostra como os homens mais inteligentes comportam-se feitos pré-adolescentes diante de uma menininha bonita: todo o seu saber sobre verdades não lhes dá um passaporte privilegiado ao mundo das pequenas incertezas onde repousam nossas esperanças e felicidades.
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Mas a crença no logaritmo, na lógica quântica, ou na teoria da evolução, é coisa tão pouco necessária a se levar a vida - e dar-lhe continuidade - que poucos realmente as adquirem. Tratam-se de produtos de luxo no supermercado da credulidade. O sujeito as adquire se quiser, mas isso não o torna mais apto para as demandas mais radicais da existência. Quem se lembra do filme Uma mente brilhante, percebe como a genialidade para o existencialmente inútil (embora socialmente fenomenal) de J. Nash convive com sua imbecilidade emocional e existencial.
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Fernando Pessoa remete a isso quando seu rebuscado narrador do poema Tabacaria iguala-se num sorriso ao Esteves-sem-metafísica: o mistério da superfície iguala-se ao mistério do fundo. Fumar charutos ou criar filosofias, no final, resulta na mesma inutilidade: o sujeito sai de tais atividades sem nenhum consolo consistente ao que lhe oprime o peito; são apenas distrações do espírito, para esfumaçar as demandas por um sentido de vida que não seja precário e passageiro.
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Nietzsche parece ter chegado a essa conclusão. Não é sem razão que dizia que suas verdades eram todas verdades sangrentas, sofridas. No entanto, errou na saída. A idéia do seu super-homem, aquele que poderia dançar, afirmar-se corajosamente e triunfar num mundo sem deuses ou amores plenos, era uma saída tão irreal ao seu niilismo, que ele próprio nunca chegou sequer perto dela: viveu enlouquecido, indignado e desprezado. O magistral filósofo (talvez o maior de todos), não conseguiu sequer se livrar do julgo da irmã autoritária, da maldição de um pai severo e das peripécias histriônicas da Lou Salomé.
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Seu Zaratrusta devia ter deixado mais claro que não há escapes verdadeiros para as crises de sentido: apenas distrações. E para isso tentaremos de tudo: beberemos álcool, inventaremos poesia, filosofia e teogonia; passearemos com cachorros e namoradas, baixaremos aquela canção do youtube; teremos filhos, carros e bicicletas; faremos academia, bolos e castelos de lego; tatuaremos o corpo em busca da nossa tribo, desprezaremos outros que não pertencem a ela. Diplomas na parede, prozac na gaveta, terapia agendada. Uma nova promoção (que atesta nosso sucesso na distração), uma nova casa (para guardar velhos troços e fantasmas)...
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Tentaremos também o amor parte 1, o amor parte 2, e, decepcionados, descobriremos que o amor partes 3 a n, é apenas o amor 1 e 2 sob novos corpos. Mas aceitaremos os novos assim mesmo, pois se o amor não nos dá o sonhado sentido da existência, nos dá, ao menos, a temporária idéia de que é possível viver sem um sentido para além do amado. Mas essa distração também cansará. Virá a crise, eas demandas por verdade surgirão de cada lado da cama. Por trás da exigência de “parar de viver uma farsa”, de recuperar “a verdade da relação”, está o essencial motivo: o auto-engano acabou, nossa demanda por sentido está de volta.
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De novo, sozinhos. Cada um com suas velhas crises atribuídas a novos culpados. Cada um se sentindo incompreendido e maltratado do seu lado. Cada um querendo uma briga, uma análise, um processo, a palavra de uma autoridade que lhe diga: “Foi ele (ou ela) o errado!”. Maneira hipócrita de tentar esquecer que o errado mesmo foi acreditar que um outro (tão perdido quanto nós) pudesse resolver o insolúvel. Mas, lutamos, advogamos à altura de nossa indignação e ganhamos o processo. E é, então, que podemos, tranqüilos, com pleno sentimento de posse, chorar sobre a cama que era repartida e agora é apenas nossa, de pleno direito.
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Vencemos! E assim recuperamos nosso sagrado direito de dormir atravessados e sonhar velhas fantasias...
Sandro Sell
Nossa, inspirador e deprimente ao mesmo tempo. Tem toda razão, professor!
ResponderExcluirAmanda R. Roth
Fico feliz por nao ter escrito esse brilhante texto, embora o quisesse muito! Tô cansado da minha fama de dramático! Prefiro pensar realista. Mas não estou sozinho. Obrigado pelo texto, Sandrinho.
ResponderExcluirAbraço,
Thiago (sumido de novo)!
Experimente mudar a cama também ,prof! Velhos móveis atraem novas dores! bjs
ResponderExcluirO Sandro agora caiu no mesmo astral do Thiago Fabres? Ah, não prof! Cada um no seu estilo: o Thiago é nosso charme deprê, enquanto o vc. é o nosso charme palhaço!Continue nos fazendo rir, porque fazer chorar é a especialidade do Thiago! (mas todas querem tal chance, hehehe).
ResponderExcluirAdresa
Sandro:
ResponderExcluirO dia que entenderes que a Razão serve para tudo, menos para o Coração; você estará próximo de entender a Razão "do" Coração!
Márcio Roberto Harger
Bom mesmo é conseguir tentar o amor parte 3 a N, mesmo que seja para descobrir que eles são iguais. Ruim é querer amar e não conseguir. Talvez por não achar a pessoa certa, talvez por cansar de sofrer. No momento, fico com a segunda opção. Mas como toda boa bailarina, sigo os, aparentemente bobos mas muito verdadeiros, versos de Toquinho: "...SE EU CAIR CONTO ATÉ DEZ!" Depois levanta para recomeçar toda a "lenga-lenga". E assim se segue essa rotina de cai e levanta até que um dia para de pé. O importante é não deixar de amar, pois como disse Charles Chaplin: "O homem não morre quando deixa de viver, mas sim quando deixa de amar."
ResponderExcluirBeijo
Meu amigo,
ResponderExcluirA cada dia voce se aperfeiçoa muito mais. Brilhante texto de uma mente brilhante. Sou seu fã.
Abraços, amigo
tá aí, a insustentável leveza do ser. A eterna busca por uma sentido que faça a vida valer a pena faz com que depositemos sob um plano, uma ideia, uma pessoa o peso das nossas expectativas. ahh, o ser humano!
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