domingo, 18 de abril de 2010

O código de ética dos inglórios

O pedreiro Adimar Jesus da Silva, 40 anos, foi encontrado morto neste domingo numa cela da Delegacia Estadual de Repressão a Narcóticos (Denard) em Goiânia. Ele é réu confesso do assassinato de seis jovens em Luziânia em janeiro deste ano.
Pedreiro Admar de Jesus indicou aos policiais onde estavam os corpos
Segundo informações da delegacia, Adimar foi achado às 13 horas com um lençol amarrado ao pescoço, o que indicaria suicídio. Uma perícia técnica começou a ser feita às 14h30 no local. Adimar foi condenado em 2005 a 10 anos de prisão por atentado violento ao pudor, mas recebeu, em dezembro, o benefício da prisão domiciliar. Solto, cometeu os crimes em Luziânia.   (Fonte: site do IG)

Suicídio? Pode ser. Mas assim como o lençol indica a morte auto-infligida, o histórico da prisão de pessoas nessa situação indica outras possibilidades... Sobre isso já escrevi há alguns anos:

A vingança dos presos não serve à sociedade
É de conhecimento geral o destino que, nas prisões brasileiras, é reservado àqueles que cometeram certos crimes infamantes. Criminosos que molestaram sexualmente crianças ou assassinaram sua progenitora estão, amiúde, condenados à morte pelos colegas de prisão. A sociedade chega a dizer que os citados crimes são intoleráveis na “ética dos presos”. Mas tal conclusão deriva de um total desconhecimento do que seja ética e dos reais motivos dessas execuções. 
Ética não pode ser igualada a um código de vingança. Uma decisão ética é fruto de criteriosa reflexão acerca de como devemos orientar nosso comportamento diante dos outros e da sociedade. Ética é a busca de compatibilizar liberdades, reconhecer igualdades, tolerar diferenças e, por vezes, de impor limites ao agir nosso e alheio. Mas limites razoáveis, proporcionais, reciprocamente válidos.
O que esses presos fazem, assassinando seus colegas de crime, é apenas uma forma de dar vazão a sua violência característica e ao remorso que, eventualmente, manifestam pelo desgosto que, eles mesmos, causaram às suas famílias.
Seriam esses indivíduos os mais indicados para protegerem a integridade sexual das crianças e das mães de nossa sociedade? Mas - e aí está todo o drama - alguns dirão: “Pelo menos eles dão uma resposta à altura do mal que aqueles criminosos fizeram; se dependesse da lei, não lhes aconteceria nada.” Porém o que é a lei? Em tese, numa democracia, a lei deve refletir o consenso dos cidadãos acerca de como a vida individual e coletiva deve ser regulada. Nossas leis não nos foram dadas por Deus ou pela Natureza. Se desejarmos mudá-las, podemos. Portanto, se não estamos satisfeitos com a resposta que a lei dá a certos crimes, que nos organizemos para mudá-la. Pode levar tempo e o resultado não ser bem o esperado. Mas ainda é melhor do que transferir a atividade de responder a certos comportamentos criminosos a outros criminosos, cuja condição moral os desqualifica para a tarefa.
Os chamados “códigos de ética dos presos” nada mais são que a violência vingativa do ambiente carcerário somada à complacência cúmplice de uma parte da sociedade, que prefere delegar tarefas morais aos criminosos a agir como participativos cidadãos.
Fonte: SELL, Sandro. C. Comportamento social e anti-social humano. Florianópolis: Ijuris, 2006.
É claro que ainda não se sabe se foram presos, funcionários ou suicídio que terminou com a vida do acusado. O interessante é que isso - essa responsabilização eventual - passará batido. Já a concessão de progressão de regime pelo juiz (que mandou o Admar mais cedo para as ruas) será vista como algo fora de órbita. Mais grave é que os juristas oficiais acabam entrando nessa também. Na crítica à conduta legalmente possível do magistrado há o subtendido de que se não fosse sua decisão, Admar teria ficado mais uns 2 aninhos na cadeia e, por efeito natural desses dois aninhos, sairia bem, recuperado, livre de inclinações para o mundo do crime...
Fosse solto agora ou depois, daria provavelmente no mesmo. E apontar o dedo ao juiz,  sobretudo os cínicos juristas institucionais, como se esses laudos fossem confiáveis, como se fossem de seguimento obrigatório, ou protegessem de fato a sociedade em sede de pena (que não é medida de segurança!), é querer imputar a um sujeito isolado as mazelas do sistema penal. Se querem que o juiz preveja quem vai ou não delinquir, sugiro que a Mãe Diná faça os laudos. O resto é historinha para agradar a platéia inculta.

Sandro Sell

4 comentários:

  1. Quem é que já não sabia que ele seria morto ou convencido a se matar? Só as otoridades!
    Luís Paulo

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  2. Fico feliz em saber que ainda existe alguém com o pé no chão em meio a essa horda enlouquecida.
    Tanto no caso Adimar, como no caso Nardoni, ou no caso Osmar - aquele da pia batismal -, a opinião pública - e, mais preocupantemente, a de juristas e de autoridades policiais - apressa-se em apontar um culpado ou responsável, ignorando a possibilidade de não se tratar dO (ênfase no "o") culpado ou do responsável.

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  3. É pena que esse crápula não morreu antes. Teria sido melhor pra todo mundo. Agora esse selvagem morreu e ainda vão querer culpar alguém. Era o que faltava essa besta do mato virar vítima. E vocês ainda se acham progressistas... Pelo amor de Deus, utilizem a inteligência privilegiada que Deus lhes concedeu para auxiliar as vítimas de verdade. Não se coloquem ao lado dos que vivem para infernizar seus semelhantes.
    Desculpe o desabafo, mas fui aluna de quase todos vocês (ótimos mestres), assim como sou mãe, e ex-vítima de violência sexual. Queridos: repensem um pouquinho o belo papel que podem desempenhar nessa sociedade.
    Fiquem com Deus!
    M.

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  4. Sandro, minhas suspeitas são ainda maiores.
    A forma de execução em série daqueles meninos não é uma novidade naquela cidade. Há notícias de outras, que nunca foram resolvidas. E que sugerem um modo de operar dos grupos de extermínio. A diferença entre aqueles casos e esses foi o fato de que as mães conseguiram se mobilizar e ganhar visibilidade. Pediram uma resposta. E a resposta foi dada. A custa de quem e para proteger quem? Não tenho tão claro.
    A POLÍCIA foi quem afirmou que o rapaz havia indicado o local onde se encontravam os corpos. Assim como (ainda?) não temos nenhum laudo dos corpos que prove violação sexual.
    Confesso que apesar de poder ser acusada de estar tomada pelo vírus da teoria conspiratória, duvido sempre do aparato da Justiça penal nesses casos. E essa posição de dúvida não é um simples descrédito, mas a forma como eu imagino que podemos fortalecer democraticamente nossas instituições. Ao exigir clareza e explicações.

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