sexta-feira, 12 de março de 2010

A bagatela da insignificância

Precisaria se chegar ao Supremo Tribunal Federal, a ultima ratio da Justiça verde-amarela, para se concluir que se Ebreu receptou um walk man de 94 reais, arrependeu-se e o devolveu às autoridades para que seu legítimo dono o recuperasse, era perfeitamente viável (porque sem violência, sem clamor público ou prejuízo efetivo à vítima) à aplicação do princípio da insignificância? E que sem tal aplicação haveria evidente desproporção entre a lesão provocada pelo réu e o castigo previsto na lei? 

O que leva a justiça pública a recorrer sem dó nos delitos de pouca monta, em que a vítima de carne osso (a titular de fato do bem jurídico) já se deu por satisfeita e o acusado já se mostra arrependido?

Seria o medo de que os pobres em geral percam o medo da lei? Ou seja, o medo de que aconteça com eles o que já aconteceu com os mais ricos?

Mas não há o que temer! Os cassetetes, nossos centros de triagem abarrotados, nossas algemas que desafiam a súmula 11 do STF, a palavra de um único policial com base de condenação, o "ouvir dizer" como base da cautela de prisão, as preventivas mantidas "pelos seus próprios termos", o esgotamento dos prazos processuais, dos  recusros financeiros e das esperanças da famíla do acusado. Isso sem falar na estigmatização, na despedida do emprego, na vergonha (sim, muitos pobres também a sentem...).

Não há o que temer de fato! Mesmo aplicando a bagatela do princípio da insignificância, o sistema penal ainda poderá manter os pobres sob controle. E ai deles se meterem a ricos!

A obstinação por perseguir o insignificante pode parecer simplesmente uma forma de cumprir o dever do jus puniende, mas creio não ser assim. Diante de casos em  que há ausência de prejuízo, de violência e a presença comprovada de arrependimento do autor, a sanha persecutória do sistema penal revela uma importante caracetrística de segmento nada desprezível da burocracia de penalização brasileira: a perda de sintonia constitucional, a perda de contato com os interesses da população, a negação do princípio da eficiência do Estado, a prática do muito barulho por nada.

Felizmente, nesse caso, o STF valorizou seu trabalho, quem sabe na esperança de que novas bagatelas não atrapalhem mais as verdadeiras causas da justiça.

Postado por Sandro Sell
Abaixo a decisão recente do STF, com os requisitos para a aplicação do Princípio da Insignificância 



DJe-045 DIVULG 11-03-2010 PUBLIC 12-03-2010
EMENT VOL-02393-02 PP-00372
Ementa
EMENTA: HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME DE RECEPTAÇÃO. OBJETO DE VALOR REDUZIDO. DEVOLUÇÃO ESPONTÂNEA À VÍTIMA. REQUISITOS DO CRIME DE BAGATELA PREENCHIDOS NO CASO CONCRETO. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA. 1. A incidência do princípio da insignificância depende da presença de quatro requisitos, a serem demonstrados no caso concreto: a) mínima ofensividade da conduta do paciente; b) ausência de periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. A via estreita do habeas corpus não admite um profundo revolvimento de provas nem o sopesamento das mesmas. A aplicação do princípio da insignificância só será permitida se os autos revelarem claramente a presença dos requisitos mencionados. 3. No caso, a receptação de um walk man, avaliado em R$ 94,00, e o posterior comparecimento do paciente perante à autoridade policial para devolver o bem ao seu dono, preenchem todos os requisitos do crime de bagatela, razão pela qual a conduta deve ser considerada materialmente atípica. 4. Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal de origem.

Decisão

Decisão: Concedida a ordem. Votação unânime. Ausente, licenciado,
neste julgamento, o Senhor Ministro Celso de Mello. Ausente,
justificadamente, neste julgamento, a Senhora Ministra Ellen
Gracie. 2ª Turma, 09.02.2010.

Um comentário:

  1. Embora seja louvável a decisão do Supremo Tribunal Federal, os quatro requisitos impostos são repetitivos, porquanto, se há mínima ofensividade da conduta do paciente, não existe periculosidade social da ação e é reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento, sendo por óbvio inexpressiva a lesão jurídica provocada.
    Acho que qualquer uma delas, isoladamente, já resolveria o problema.
    Mesmo assim, vale o precedente.
    Abraços.

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