I.Culpabilidade e Pena.
1. Introdução.
No Direito penal de matriz liberal, parte-se do princípio de que os seres humanos, de um modo geral, são capazes de orientar sua conduta, decidindo sobre o curso de suas ações ou omissões. Em outras palavras, acredita-se que os indivíduos possuam um grau de liberdade que lhes permite alinhar, ou não, sua conduta às ordens jurídico-penais. Se podem, então, se guiarem conforme às prescrições penais e não o fazem, são ditos culpados, ficando sujeitos a uma pena. A pena seria assim a reação do Estado, prevista em lei, àquele que por culpa não alinhou seu comportamento à norma penal que o exigia.
Por certo, também ocorrem casos em que a dissonância entre norma penal e comportamento esperado não se verifica devido a escolha do indivíduo em afrontar conscientemente à norma (dolo) ou por não a levar em conta por negligência (culpa), mas sim por força de circusntâncias tidas como relevantes para o abandono da conduta exigida pela lei. Tais são os casos das exculpantes. Assim, na coação moral irresistível (art. 22 do CP) ou na embriaguez completa derivada de força maior (art. 28, II, § 1º do CP), por exemplo, exculpa-se o indivíduo pela quebra objetiva da norma. Nessas situações, não há culpa e, logo, não haverá pena. Isso porque, devido àquelas circusntâncias anormais, não se considera que o Direito poderia exigir que a conduta do indivíduo seguisse as prescrições penais.
Ainda: se o não alinhamento do indivíduo à norma ocorreu porque este era incapaz de compreendê-la, ou incapaz de segui-la por sua anormal condição psíquica (nos termos do artigo 26 do CP), não se pode atribuir-lhe uma culpa, pois não se pode exigir que pessoas incapazes de autodeterminação normativa possam ser culpadas de seus atos. E sem culpa é vedado aplicar-lhes uma pena. Para esses casos, prevê-se, então, medidas de segurança, com caráter não retribuitivo, desenvolvidas com o objetivo declarado de contenção da periculosidade das pessoas portadoras de certas patologias mentais que produziram ilícitos penais[i].
Portanto, uma vez constatada a autoria de um ilícito penal (fato típico e antijurídico), se decidirá acerca da culpa de seu autor:
a) Se houver culpa, o autor ficará sujeito a uma pena.
b) Se não houver culpa devido a impossibilidade circunstancial de agir conforme à lei, tida como juridicamente relevante, o autor não poderá sofrer sanções ou medidas.
c) Se não houver culpa por razões psíquicas juridicamente relevantes, nos termos do artigo 26 do Código Penal, autor fica sujeito a uma medida de segurança.
Nas palavras de Santiago Mir Puig[ii]:
“A culpabilidade é o âmbito em que se comprovam as possibilidades psíquicas de motivação normal do autor de um comportamento antijurídico por parte da norma penal. Somente quando tal possibilidade de motivação normal ocorra será o autor ‘culpável’ e terá sentido realizar a ameaça penal em sua pessoa.”
Isso porque, sustenta o citado autor, em situações ou condições psíquicas anormais, a lei dispensa as pessoas que agem ilicitamente de receberem uma pena (dizendo-as “não culpadas”). Isso ocorre não porque em termos absolutos não lhes seria possível atuar conforme à norma (os atos heróicos mostram que isso nem sempre é assim). Mas porque se reconhece que seria tão mais difícil que motivassem seu agir pela exigência da norma penal que se o Direito lhes exigisse tal motivação, estaria tratando-as de forma desigual: exigindo-lhes – dadas suas situações ou patologias específicas – proporcionalmente mais do que exige do cidadão “normal” em situação “ideal”. Assim, em atenção ao princípio da igualdade - interpretado no sentido aristotélico de que se deve tratar os iguais como iguais e os diferentes como diferentes - isentar-lhes de culpa, nessas situações específicas, é tratá-los com justiça.
2. Pena.
2.1 Pena versus presunção de inocência.
Em termos dogmáticos, pena é a sanção imposta pelo Estado como decorrência de um processo penal condenatório definitivo. De forma que tal sanção só poderá ser imposta quando a tese acusatória triunfar em juizo - e de forma definitiva - sobre a presunção de inocência do acusado.
Dispõe o artigo 5º. da Constituição Federal:
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
A pena é a antítese da inocência presumida nas garantias constitucionais dos Estados de direito. E entre a possibilidade de punição e o status de inocência figura de forma necessária o devido processo legal, com as garantias que lhes são inerentes. Nesse sentido, prevê o artigo 5º. da Constituição Federal:
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Nas palavras de Luigi Ferrajoli[iii]:
“Se a jusrisdição é a atividade necessária para obter a prova de que um sujeito cometeu um delito, até que essa prova não se produza mediante um juízo regular, nenhum delito pode considerar-se cometido e nenhum sujeito pode considerar-se culpado nem ser submetido a pena. Neste sentido, o princípio da jurisdicionalidade – ao exigir, em seu sentido amplo, que não exista culpa sem juízo, e em sentido estrito que não haja juízo sem que a acusação seja submetida a prova e a refutação – postula a presunção de inocência do imputado até a prova em contrário sancionada pela sentença condenatória definitiva.”
A culpabilidade do acusado, apurada no devido processo penal, será condição não apenas para a imposição da pena, mas também para sua extensão e maneira de execução. Isso leva o jurista alemão Clauss Roxin[iv] a definir pena como sendo: “uma sanção jurídico-penal limitada pelo princípio da culpabilidade”.
2.2 Pena e sofrimento.
Em termos de sua configuração prática, podemos, seguindo Carlos Santiago Nino[v], dizer que a pena possui as seguintes características:
a) implica a privação de direitos normalmente reconhecidos, ou outras medidas desagradáveis.
b) coloca seus destinatários em uma posição moralmente negativa.
c) é consequencia de um delito.
d) é aplicada contra o autor desse delito.
e) é aplicada por um órgão do mesmo sistema que definiu o ato do autor como um delito.
Receber uma pena é ser sujeitado a um sofrimento, quer seja uma restrição de liberdade, a suspensão de algum direito, a assunção de alguma obrigação específica ou, ainda, e quase sempre, um certo grau de degradação moral. A idéia é mesmo a de que é preciso “penar”, como forma de aprendizado (fator preventivo) ou de expiação (fator retribuitivo). Não se costuma, portanto, aceitar (salvo exceções em que talvez sequer faça sentido aplicar uma pena) maneiras de responder à culpa penal sem que a idéia de sofrimento – físico e/ou moral - estejam presentes[vi].
O reconhecimento do caráter fustigante da pena tem sido reconhecido desde que o pensamento liberal debruçou-se sobre os cárceres, tomando-os como ponto de reflexão do sistema penal como um todo. E se a maioria dos autores não consegue conceber um sistema social sem penas, pelo menos recomendam que seu caráter de sofrimento seja limitado por critérios legais e principiológicos que, desde Beccaria[vii], objetivam reduzir sua arbitrariedade, ou sua irracionalidade. Tal irracionalidade e arbitrariedade poderia ser exemplificada pelas seguintes características que, em maior ou menor grau, associam-se às sanções penais:
a) seu caráter violento (quer na modalidade da pena, quer na forma de sua execução);
b) suas configurações arbitrárias, feitas por legisladores incompetentes, damagogos e imunes - formal ou informalmente - às próprias penas que criam para os demais;
c) sua fleuma de vingança burocrática, sem atenção devida à vítima e sem funcionalidade preventiva;
d) a seletividade de sua aplicação em desfavor dos estratos mais baixos da população.
Pôr as penas por sob limites legais e principiológicos é a primeira tarefa séria de um Direito penal que não seja mais do que repetição da violência criminalizante. Mas, como tem sustentado Zaffaroni[viii], diminuir a irracionalidade das penas não significa legitimá-las, pois não se pode encontrar a pena racional em nossos sistemas jurídicos, com sua seleção de “clientes” (os que efetivamente chegam ao Poder Judiciário) já viciada pelas demais agências de seleção criminalizante (Poder Legislativo, polícia, imprensa, preconceitos e estereótipos de classe). Assim, para o autor citado, quando se usam princípios de contenção da punibilidade (como o princípio da culpabilidade) não se está dizendo que assim procedendo as penas serão justas e racionais, mas apenas lutando para que sejam menos injustas e menos irracionais. O penalista comprometido com a redução da violência do sistema penal seria, assim, para Zaffaroni, como os médicos da Cruz Vermelha: o fato de estarem na cena de guerra não significa que acreditam que a guerra possa ser justa. Mas ali estão para lembrarem que a razão e os valores humanos precisam fazer parte de qualquer luta.
3. O princípio da culpabilidade como critério de graduação da pena.
3.1. Culpabilidade e Responsabilidade.
Além de ser pré-condição para a pena, o princípio da culpabilidade serve também para regular sua aplicação. Diz Clauss Roxin[ix]:
“O princípio de que a pena não pode ultrapassar, nem em sua gravidade, nem em sua duração, o grau de culpabilidade, ao contrário do que sucede com o princípio retributivo, não tem origem metafísica, mas é o produto do liberalismo ilustrado e serve para limitar o poder de intervenção estatal. Dele é que derivam uma série consequencias que se contam entre as mais eficazes garantias do Estado de Direito e que por isso mesmo não devem ser abandonadas em nenhum caso. Assim, por exemplo, o princípio formulado por Feuerbach, «nullum crimen, nulla poena sine lege», acolhido na legislação penal da maioria dos Estados civilizados, está estreitamente vinculado a função limitadora da pena que tem o princípio da culpabilidade: quem antes de cometer um ato não pode ler na lei escrita que esse ato é castigado com uma pena, não pode tampouco ter conhecido a proibição e, em consequencia, não tem, ainda que a infrinja, por que considerar-se culpado. O princípio da culpabilidade exige, pois, que se determine claramente o âmbito da tipicidade, que as leis penais não tenham efeitos retroativos e que se exclua qualquer tipo de analogia em desfavor do réu; vinculando, deste modo, o poder estatal a lex scripta e impedindo a a admisnistração de justiça arbitrária. O princípio da culpabilidade serve também para determinar o grau máximo admissível de pena quando se lesiona de modo inequívoco uma lei escrita.”
Como fica claro, para Roxin, a culpabilidade fornece o limite máximo da pena. De forma que este autor reafirma a tese do nulla poena sine culpa. Mas não se segue disso que da culpabilidade há de derivar necesseriamente uma pena. Pode haver culpa sem pena, mas jamais pena sem culpa. Assim como pode haver pena desproporcional à culpabilidade, desde que tal desproporção seja favorável ao condenado e presa a necessidades humanitárias ou de prevenção. Isso pelo simples motivo de que o princípio da culpabilidade é uma garantia do acusado e não um trunfo punitivo do Estado.
Assim, para que haja uma pena, sustenta Roxin, é precsio que o Estado considere o condenado não apenas culpado, mas também “responsável”, ou seja, que acredite que a aplicação de uma pena seja necessária para fins de prevenção do crime.
Exemplificando: no caso do furto de uma caneta “bic” (ou na venda de uns poucos DVDs “piratas” realizado por um desempregado), pode haver culpa, mas não há necessidade de pena, pois tal ato não ameaça a ordem jurídica, não guarda proporção com a pena de prisão prevista ao tipo, e sua não punição não gerará uma sensação de impunidade na população. Portanto, o juiz de Roxin depois de resolvida afirmativamente a questão dogmática sobre se o réu é culpado, deverá, formular a questão de sua eventual responsabilidade: “Dentro do limite imposto pela culpabilidade, é necessária uma pena? Que forma e extensão deveria ter essa pena para que atenda a finalidades político-criminais de evitação do crime e de confiança no sistema penal?”
A tese de Clauss Roxin pretende, então, que a função preventiva da pena seja sempre observada. A pena deve estar pois atrelada tanto à culpabilidade quanto a necessidade de torná-la útil para fins de prevenção. Nulla poena sine necessitate, axioma que, nos dizeres de Ferrajoli[x], em conjunto com o princípio do Nulla lex poenalis sine necessitate, exige economia na lógica penal. A primeira máxima dirigida ao juiz, limitando a pena à mínima necessária, e a segunda, dirigida ao legislador, atrelando a criação de leis penais à efetiva necessidade social.
3.2 Culpabilidade e vulnerabilidade.
Para o jurista argentino Eugênio Raul Zaffaroni, o princípio da culpabilidade daria o limite máximo da pena. Mas, assim como Roxin, não crê que ele por si só possa orientar a aplicação da pena em concreto, limitando como é requerido a violência ligada ao poder de punir. È preciso um complemento à culpabilidade. Mas ao contrário do criterio da necessidade do jurista alemão, Zaffaroni, pensando a partir da “margem”, propõe o princípio da vulnerabilidade, como norte político de aplicação da pena.
A vulnerabilidade enquanto critério limitador da pena surge do reconhecimento do caráter extremamente seletivo das pessoas que são postas em frente ao juiz para receberem a sanção penal. É fato que quanto mais vulnerável for a pessoa – quanto mais ela corresponder ao esteriótipo do inimigo da paz social (pobre, negro, favelado, autor de crimes toscos, de pouca elaboração etc.), mais será selecionado pelas agências legislativas, policiais, imprensa, opinião pública etc., para receber uma pena. Assim, os juízes quase sempre atendem os mesmos “clientes”, fazendo com que, por mais que o julgador procure ser justo com os que chegam diante dele, não pode esquecer de questionar-se do porquê só estes “clientes” chegam e por que razão chegam. Chegam, adverte o Ministro da Suprema Corte Argentina, por sua vulnerabilidade, mais do que por seus crimes – pensar diferente, seria sustentar que as classes que não costumam figurar como rés nos processos penais são incapazes de cometerem crimes.
Não se nega, com o princípio da vulnerabilidade, que haja crimes e culpas nos estratos mais miseráveis da população. Mas se reconhece que a seleção quase que unicamente desses para o processo penal ocorre, em parte, por questões sociais ligadas ao estereótipo negativo que carregam e, só em outra parte, pelo esforço pessoal de vulnerabilidade que empreenderam. Zaffaroni chama de “esforço pessoal de vulnerabilidade” a decisão de uma pessoa de afrontar, mediante práticas ilícitas, o sistema punitivo. E é óbvio que quanto mais negativo for o estereótipo do sujeito menos esforço ele precisará fazer para irritar o sistema penal e receber uma pena.
Em contrapartida, quanto menos o sujeito é vulnerável, quanto mais consegue esconder suas práticas criminosas em discursos legitimantes, menos estará prestes a receber uma pena. Como brinca o mestre portenho: aquele que urina em um rio está mais sujeito a responder por um crime ambiental do que qualquer empresário que descarregue milhares de litros de poluentes no mesmo rio, em desacordo com as normas jurídico-penais. O que levou a polícia a levar o primeiro à delegacia e a partir daí começar um procedimento penal? O que levou as autoridades a tratarem a situação do empresário como um problema econômico e dar-lhe mil e uma chances de mudar sua conduta antes de qualquer procedimento penal? A conduta? O dano? A culpa? Não: a diferença de vulnerabilidade.
Se assim é, para conservar alguma justiça, a pena deve ser atenuada de acordo com o grau de vulnerabilidade do sujeito: ou seja, pelo grau de facilidade com que o sistema penal tem para selecioná-lo (não se pode apenar a vulnerabilidade de estereótipo) e limitada pela culpabilidade naquilo que consistiu seu esforço por ser selecionado, ou seja, pelo ilícito praticado.
Assim, se se quiser reduzir o âmbito de arbitrariedade sobre os clientes que lhes são entregues prioritariamente, o juiz deve levar a questão dos diferentes graus de vulnerabilidade em consideração. Diz Zaffaroni[xi]:
“A quantificação penal reconheceria como limite máximo a culpabilidade do ato, porém não explicitamos com isso o corretivo fático que permitiria estabelecer penas por debaixo de esse limite. A nosso juízo, isto pode praticar-se a partir da vulnerabilidade que a pessoa oferece ao exercício do poder punitivo. É um dado da realidade que quanto maior é o esforço que uma pessoa há feito para fazer-se vulnerável ao exercício do poder punitivo, menor será o espaço da agência judicial para baixar a pena do limite assinalado pela culpabilidade e vice-versa.
“Deste modo, a quantificação penal consistente sempre na tarefa de impor a pena menos violenta possível, colocaria um limite máximo (magnitude «0») que estaria dado pela culpabilidade do ato. O espaço de poder da agência judicial para quantificar a pena por debaixo desse limite (magnitude «-1», «-2», etc.) dependerá sempre do esforço que haja feito a pessoa por alcançar a situação de vulnerabilidade em que o há surpreendido o poder punitivo, esforço de que formará parte a magnitude do conteúdo do injusto, entre outros dados (caracteres pessoais que correspondam ao estereótipo, por exemplo).
“Uma pessoa cujas características pessoais coincidam com as do estereótipo criminal, basta com que incorra em um injusto leve para que seja vulnerável. Por regra geral, a vulnerabilidade alcançada com pouco esforço [como no caso do pequeno traficante] concede à agência judicial um espaço de poder muito considerável para impor penas mínimas ou muito leves, sem que as agências restantes do poder punitivo tenham argumentos ou elementos para criticá-la ou desprestigiá-la. Inversamente, ante a esforços muito grandes [como no caso de um poderoso político que participe de uma rede de pedofilia], a agência judicial carece de poder para proceder de igual forma.
“Partindo do principio de que a pena mais leve é a menos violenta, a agência judicial tem poder no primeiro caso para baixar a magnitudes -1, -2 etc., mas não pode fazê-lo no segundo, sob pena de sofrer desprestígio, críticas e perda de poder, caso em que não lhe restará outro meio que manter-se na magnitude “0” (indicada pela culpabilidade do ato).”
Se Roxin, falando a partir da Alemanha, oferece soluções funcionais para o sistema penal de uma sociedade menos desigual, Zaffaroni, que fala pela América Latina, precisa ir além e lembrar como as desigualdades sociais aviltantes de nossa região se transformam em políticas penais persecutórias aos mais vulneráveis. Por isso seu critério de correção da culpabilidade pode parecer mais “militante”, e de fato é, em relação ao Claus Roxin. O que só serve para demonstrar que o bom penalista é aquele que faz as categorias tradicionais do Direito penal prestarem contas à realidade concreta em que estão inseridas. Ser culpado em Berlim é uma coisa, ser culpado em Buenos Aires, Brasília ou Caracas, é outra. E cada um desses autores disso.
3.3 Culpabilidade e algo mais
Tomando por base esses dois autores, Roxin e Zaffaroni, que figuram entre os mais respeitados penalistas contemporâneos, podem sintetizar que:
1) A culpabilidade pelo fato cometido dará a extensão máxima possível da pena, pois agir de outra maneira seria desrespeitar a Constituição e a tradição penal liberal;
2) A pena não pode ser aplicada quando, apesar de haver culpa, não for necessária, nem aplicada em desconformidade com finalidades preventivas (Roxin).
3) A pena não pode ser aplicada sem levar em consideração os motivos que levam alguns a chegarem com mais facilidade ao sistema penal do que outros. Deve o juiz ter isso em mente para evitar punir a vulnerabilidade do sujeito para além de sua culpabilidade (Zaffaroni).
Escrito por: Sandro C. Sell
[i] No caso dos menores de 18 anos, a não culpabilidade penal é presumida de forma absoluta pela lei. O que não impede que aos adolescentes que praticam injustos penais se aplique medidas sócioeducativas, destinadas a aumentar sua motivação para guiarem-se pela lei.
[ii] PUIG, Santiago Mir. Funcion de la pena y teoria del delito en el Estado social y democratico de derecho. Barcelona: Bosch Editorial, 1982. P. 106.
[iii] FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón:Teoría del garantismo penal Madrid: Editorial Trotta, S.A., 1995. P. 547.
[iv] ROXIN, Clauss. Culpabilidad y prevención em derecho penal. Editorial Reus, Madrid, 1981. P. 50.
[v] NINO, Carlos Santiago. Los límites de la responsabilidad penal – una teoría liberal del delito. Buenos Aires: Editorial Astrea, 1980. Pp. 199 e seguintes.
[vi] Não por outro motivo consignou-se na Lei 11.340/ 2006 (“ Lei Maria da Penha”): Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa. Lembra-se que tal artigo tinha em mira justamente as práticas de respostas penais menos drásticas trazidas pela Lei 99099/95 (“Lei dos Juizados Cíveis e Criminais”).
[vii] BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das penas. Cuja primeira edição é de 1764, e que constitui uma das obras fundantes do Direito penal moderno, ao procurar colocar a relação entre Estado e acusado/condenado sob o controle da lei, da razão e de pesrpectivas humanistas.
[viii] ZAFFARONI, Eugenio Raul. Hacia um realismo marginal. Caracas: ed. Monte Avila Latinoamericana, 1992. P. 110.
[x] FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón:Teoría del garantismo penal Madrid: Editorial Trotta, S.A., 1995.
P.463.
[xi] ZAFFARONI, Eugenio Raul. Hacia um realismo marginal. Caracas: ed. Monte Avila Latinoamericana, 1992. P. 110.
Sandro,
ResponderExcluirParabéns pelos dois textos, bom saber que vc volta a compartilhar seus conhecimentos e sua arte pedagógica via blog.
Particulamente em relação ao texto sobre Teoria da Pena, muito interessante o vínculo feito entre a função não explícita da pena e a facilitação do ambiente prisional para propagação do crime organizado, caso não se trata-se de um objeto ilícito, pareceria uma hipótese de concessão de uso para fim especial do direito administrativo. Brincaderias a parte, de qualquer modo penso que uma aproximação maior do sistema prisional sob a ótica do direito administrativo pode ensejar um avanço qualitativo no debate, particularmente no que se refere aos critérios de publicidade dos atos administrativos, justificação das decisões como tambem maior eficiência da função punitiva, sem desconsiderar a dimensão jurisdicional da execução penal.
Sobre o último texto, muito oportuna análise do princípio da vulnerabilidade de Zafarroni como correção latino-americana ao princípio da culpabilidade. Certamente, trata-se de uma síntese pertinente entre a tradição liberal européria e as condições materiais de nuestra América.