quarta-feira, 7 de setembro de 2011

O defeito de não gostar de futebol

Não sei se nasci sem todos os itens de série ou se houve uma falha congênita. O caso é que, mesmo sendo de 1970 não consigo amar o futebol – também não gosto muito de samba (meu índice de má-sujeitisse deve estourar em 10 pontos a escala de Richter). Reconheço que disso se pode presumir em mim falta de brasilidade, ou, até, de virilidade. Um Brasil se faz com chuteiras e bundas, deveria ter dito Monteiro Lobato. E quem não chuta rebolando ou não se abaixa de chuteiras está sobrando e ofendendo.  O Brasil não é para sacis. 
O caso é tão grave e perigoso que não amar o futebol deveria merecer proteção pública. Deveria gerar vagas preferenciais nos estacionamentos, isenção de impostos e solidariedade. Haveria de ganhar a proteção da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Criança Esperança. Mereceria um bolsa-espírito-de-porco, acesso a abrigo anti-foguetes e tampões anti-vulvuzelas.
Pobre de quem não nasceu com o instinto certo, ou quem a criação não reforçou o valores comunitários da justiça do 11 contra 11, do gosto pelas camisas suadas autografadas, do empurra-empurra entre machos no estádio, da genialidade na perseguição coletiva à pelota ingrata. Pelota desenvolvida em um laboratório alemão ou americano, arrancada do couro de uma companheira de pasto e costurada pelas mãos mais que hábeis dos que caíram em desgraça penal. Só mesmo o futebol poderia juntar na mesma empreitada Her Fritz Von Stratenberg e o Réu Wellington Roni Fon de Souza. Capital internacional e costura à mão algemada.
 Tudo isso é apenas um lamento de um inadaptado, e mesmo o tom de mágoa ou crítica deve ser entendido a partir disso. Queria gostar do que habitualmente se gosta, como a maioria das minorias do gosto: gays, lésbicas e aquelas outras siglas de quem gosta de identidades bem definidas. Queria ter sido o garotinho do papai, com meião e bandeirinha, mas, sinto muito, pai: eu falhei... talvez por isso você sempre tenha preferido a meu irmão... (ops! Deixa pra terapia).
É como ser mudo. Nada de interessante há para dizer na segunda-feira se não se sabe exatamente como chutou o Neymar no domingo. Para entrar no assunto, é preciso não apenas ter práticas de observação empírica, ou simplesmente assistir ao futebol: é preciso escutar os hermeneutas, os atravessadores, os comentaristas que dirão o exato sentido e horizonte de compreensão de cada lance. É a verstehen dos parvos. É o tira-teima da assepsia da falha dos sentidos pela aufklärung midiática.
Antes eram só os homens e seus aspirantes, os garotinhos, que amavam o futebol. Agora são também as mulheres e as menininhas que entram com orgulho para essa religião estranha, esse mundo em que poucos são convocados e muito menos os escolhidos. Como elas são sexualmente mais bem resolvidas, preferem ir assistir ao futebol masculino; não perdem seu tempo vendo mulheres de shortinho correndo. Seus maridos também não. E é aí que o futebol aproxima o casal. È bizarro! O inverso seria sua mulher insistindo para você ir com ela assistir ao concurso garota verão. Você só não captou a semelhança entre as duas situações porque quando a levou no estádio você está bêbado, meu irmão...    
O futebol é a pedagogia contra as drogas – por isso os traficantes cariocas odeiam o Flamengo, - contra o crime, dá-lhe Corinthians; da busca do fair-play do grenal, da valorização da criança na escola, pois em nenhum outra instituição, ter estudado faz tanta diferença na sua carreira. È uma lição de cidadania ensinada pelos mestres Eurico & Ricardo. O futebol é de Jesus, do Cacá e dos múltiplos Ronaldos. É do povão e de quem der mais para a sua transmissão.       
Não se trata, como na minha década inaugural, de dizer “isso é farsa, é ideologia”, não porque não seja, mas porque não resta o que não seja. Não se trata também de questionar por que razão os pais não ensinam seus filhos os nomes de cientistas, escritores, políticos sérios (há um projeto secreto da NASA procurando), enfim, alguns nomes que não se destaquem pelo que fazem com as pernas. Não: qualquer garotinho do papai há de saber a escalação do time do papai e dizer, com ritmo e métrica, para os titios no bar, da oficina, do escritório...
Não vai demorar muito para um juiz decretar (Maria Berenice?) que pai que não leva seu filho ao estádio deve responder por abandono esportivo; ou que mãe que fala mal do time do pai deve responder por alienação parental. Xingar o time alheio logo será injúria qualificada, insuscetível de graça ou anistia. Vai ser a lei “Romário da Penha”, aquela em que quem está no lado errado do campo é expulso liminarmente.
Até as aulas de Direito penal mudaram. Ninguém mais quer saber, meu saudoso Nelson Hungria, de Tício matar Caio. Agora é só Bruno matando Elisa, Romário não pagando e Edmundo, como sempre, atropelando...  
Enfim, nessa terra em que o presidente é mulher, um rei é negro (e o outro é coxo), tudo poderia ser diferente. Poderia ter samba, futebol, e algo mais (que não fosse pagode e beach soccer). Não, meus amados, não é antipatia, não é rabugice, é apenas inadequação. Se tivesse um jeito de eu amar futebol, amaria e seria amigo dos meus cunhados. Mas não consigo e queria apenas dizer isso em alto e bom som:

Meu nome é Sandro Sell, tenho 40 anos e não gosto de futebol.

E espero de vocês que, ainda assim, me dêem as boas-vindas.     



Sandro Sell

6 comentários:

  1. Entendo, concordo e acho que o Futebol não deveria ser vinculado com o estado. Meu nono dizia sábias palavras como: "enquanto um professor dentro de sala ganhar um misero salário, jogadores dentro de campo, irão ganhar salários milinários".

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  2. Entendo, concordo e acho que o Futebol não deveria ser vinculado com o estado, afinal é uma atividade ecônomica como qualquer outra. Meu nono dizia sábias palavras como: "Enquanto um professor dentro de sala ganhar um misero salário, jogadores dentro de campo irão ganhar salários milinários" Parabéns pelo post, enquanto acharmos que o futebol é sinônimo de patriotismo, ele será sempre uma maquina política.

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  3. Rosa Maria Somavilla Dutra Hasckel8 de setembro de 2011 às 15:33

    Prof. Sandro. Concordo plenamente e entendo sua "angústia" por não gostar de futebol. Meu marido passa pela mesma situação e eu, idem-rs. Ás vezes, parece que estamos no "planeta errado" ou "nascemos errados".Enfim, enquanto nossa presidenta joga a culpa nos servidores (entre eles os professores) pela incerteza econômica que vive o país e privilegia o futebol (fala-se aqui nos milhões que serão destinados a copa do mundo)o país vai continuar a ser o país do futebol, das bundas e da música (muitas vezes de gosto duvidoso).
    Abraços e belo texto
    Rosa Maria DIN31

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  4. Genial como sempre, professor. Também não sou dos mais fãs do futebol. Cheguei a pagar alguns meses a sociedade do meu time e daria pra contar nos dedos as vezes que fui ao estádio... O srº sempre será bem vindo! A propósito, suas atualizações fizeram falta no blog. Abraço

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  5. Neste país de chuteiras,,,quem ñ dança conforme a música é forçado a se contentar em ficar no anonimato!!!....Sou daqueles que odeiam o Futebol e vejo que cada vez mais estão nos afogando nessa lama imunda....Atualmente fiquei pasmo ao ver no canal aberto da Cultura um programa destinado a infantos discutindo o Futebol como numa mesa redonda do esporte,,,pq ñ um programa com crianças discutindo o futuro do Brasil na area de educação e social-politica!!!! É UM BELO PAÍS, MAS SOFRE COM A IGNORÂNCIA DE SEU POVO ACOMODADO.

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