domingo, 29 de agosto de 2010

A POLÊMICA DA VIATURA VITRINE...

FOLHA DE SÃO PAULO
28/08/2010 - 14h43
Polícia deixa "viatura vitrine" em ruas de SC para aumentar sensação de segurança
RACHEL BOTELHO
DE SÃO PAULO

A Polícia Militar está deixando carros desocupados da corporação em pontos estratégicos de Florianópolis (SC), com as luzes de emergência ligadas, para aumentar a sensação de segurança da população.
A medida, que vem sendo adotada há três meses, é chamada de "viatura vitrine" pela PM. A polícia diz que as ocorrências estão em queda em locais onde os carros ficam estacionados, mas especialistas criticam a prática.
Durante o dia, os carros ficam parados nas cabeceiras das pontes que ligam a ilha onde fica a cidade ao continente, na principal praça do município e na praia de Jurerê Internacional.
Segundo o capitão Alessandro Marques, do Centro de Comunicação Social da Polícia Militar de Florianópolis, a iniciativa está sendo apresentada a mais batalhões e pode ser expandida. "É um recurso extra, para aproveitar o excedente de viaturas", disse.
A experiência vem sendo monitorada e, em alguns meses, os resultados serão avaliados para definir se a iniciativa será mantida.

CRÍTICAS
Luís Sapori, coordenador do Centro de Pesquisas em Segurança Pública da PUC-MG (Pontifícia Universidade Católica), classifica a "viatura vitrine" como sendo "de uma inutilidade absurda".
"O que aumenta o sentimento de segurança é ver o policial, principalmente a pé. Se o policiamento na viatura já não provoca tanto sentimento de segurança, imagine o carro sem policial. É uma perda de tempo e de material", diz. Segundo ele, a ideia não é bem aceita nem mesmo entre as polícias militares do país.
Na opinião de Sandro Sell, professor de direito penal do Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina, os criminosos costumam estar mais bem informados sobre as estratégias da polícia do que a população em geral, o que torna a medida inócua.
Ele critica também o fato de os veículos ficarem estacionados em praças e gramados públicos. "É um mau exemplo da polícia. Ela só pode ocupar esses espaços em emergências."
Segundo o capitão Marques, o policial responsável por cada veículo deve ficar a uma distância que permita observá-lo para, assim, atender a eventuais chamados.
"Esses carros poderiam estar na garagem, mas, assim, a sensação de segurança seria menor", diz.

sábado, 28 de agosto de 2010

ED TV - o talk show do Edmundo Arruda

O professor Edmundo Arruda, um dos fundadores do CESUSC, além de ser um ícone do pensamento crítico no Direito e possuir um dos mais respeitáveis currículos na área jurídica, continua sendo uma mente inquietante. Prova disso é que agora ele apresenta um talk show sobre temas variados (cultura, política, possibilidades e idéias para coçar o cérebro e manter o espectador na cadeira) . No link abaixo, uma entrevista com o Professor Thiago Castilho. Vale a pena conferir.

http://www.tvignati.com.br/index.php?option=com_contushdvideoshare&view=player&id=77&catid=20

Sandro Sell

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A arte de pensar

A admiração, já apregoada pelos primeiros filósofos gregos da antiguidade, é um dos requisitos fundamentais na arte de pensar. Ela pode ser vista sob dois aspectos: passivo e ativo. Na admiração passiva, captam-se contemplativamente os estímulos da realidade; na admiração ativa, exige-se o uso da dialética, pois esta obriga-nos a perguntar e responder, tal qual fazia Sócrates, com a sua ironia e a sua maiêutica. Cabe-nos estabelecer uma relação equilibrada entre essas duas formas de construção do conhecimento.
A invenção é o arcabouço teórico do pensamento. É a partir dela que o nosso pensamento se exercita. A maioria das vezes é expressa pela fórmula "lucem demonstrat umbra", ou seja, é a sombra que nos faz conhecer a luz. Pensar, muitas vezes, é suplantar uma situação confusa, nebulosa e irracional. Assim, o pensamento parte sempre do falso para o verdadeiro, do erro para a verdade, da sombra para a luz. Sobre a invenção, Napoleão dizia: "desenvolvo sempre o meu tema de muitas maneiras".
Escolher é excluir. Quando pensamos em algo, recusamos tudo o mais. Para que possamos desenvolver plenamente a arte de pensar, há necessidade de abandonarmos aquilo que não nos interessa, aquilo que não faz parte do nosso projeto de vida. Para tal, o procedimento correto seria: escolha de um assunto de nosso interesse, aprofundando-o o máximo possível, para daí extrair os sucos saborosos do aprendizado. O diaphora eidopois (a diferença que especifica) deve ser muito enfatizada, para entendermos o uso correto das palavras.
A distinção dos termos é outra faceta na arte de pensar. Sob esse mister, não são poucas as palavras que apresentam dubiedades. Para isso, precisamos dar às palavras o seu sentido exato, e se não for possível, o mais próximo de um perfeito entendimento. Usamos constantemente as palavras amor, humildade, egoísmo e orgulho. Será que consideramos os dois lados da questão, como por exemplo, o egoísmo virtuoso e o vicioso? Dentro desse contexto, podemos afirmar que há muitos ateus que são mais religiosos do que os próprios religiosos, porque ter uma religião não significa necessariamente que a pessoa seja religiosa.
A contradição é o esgrima do pensamento. Santo Tomás, em sua Suma Teológica, usava constantemente o sed contra est (mas em contrário se diz). Isso quer dizer que deveríamos rejeitar todo o pensamento que parece correto, a fim de adquirir um conhecimento mais próximo da verdade. As frases, "supor que o impossível exista é um dos preceitos da arte de inventar" e "a arte de pensar consiste em supor, por um momento, que as coisas poderiam ser o contrário do que são", servem perfeitamente para ilustrar essa questão.
O pensamento sempre precisa de combustível. Se não lhe dermos o alimento de que necessita, ele pode se atrofiar. A solução: nunca estejamos de todo ociosos: ora lendo, ora escrevendo, ora refletindo, eis o exercício por excelência.
SÉRGIO BIAGI GREGÓRIO
Fonte de Consulta
GUITTON, J. Nova Arte de Pensar. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1966.

Postado Sandro Sell

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Viatura-vitrine e segurança efetiva



Uso de viaturas "vitrine" é estratégia equivocada da Polícia Militar, defende especialista
Sandro Sell diz, ainda, que a PM desrespeita as leis de trânsito estacionando em passagem de pedestres
A nova estratégia adotada pela Polícia Militar (PM) para tentar aumentar a sensação de Segurança à população pode ter o efeito inverso. É o que aponta o professor de Criminologia do Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (Cesusc), em Florianópolis, Sandro Sell.
Na avaliação do especialista, a colocação de viaturas policiais desocupadas em pontos estratégicos para sugerir à população que a área está sendo patrulhada é uma prática equivocada, já que a informação sobre o esquema de segurança "virtual" é amplamente difundida entre os cidadãos. Para ele, diferentemente do que sugere a PM, o efeito da iniciativa é justamente o contrário.
— Sensação de segurança se dá com a efetiva presença do policial, humana, e não com a apresentação de equipamentos novos e inutilizados. É com policial de prontidão — disse Sell, em entrevista nesta segunda-feira à rádio CBN/Diário.
Na opinião dele, a população sente-se segura quando pode visualisar a presença efetiva da polícia em seu dia a dia — representada por policiais em rondas à pé, montados em cavalos ou em bicicletas em áreas de maior movimento.
Ele reclama, ainda, que a polícia não pode presumir que o criminoso seja menos informado que o restante da população.
— Quem não conhece um policial que lhe falaria que aquelas viaturas não têm efetividade? Todos ficam sabendo disso, de uma forma ou de outra. Não é a divulgação pela imprensa que fará um criminoso ficar sabendo disso — analisa.
Sell também contesta o desrespeito à legislação pela PM, que acaba por estacionar as viaturas em passagens de pedestres, sobe calçadas e em praças centrais. Para o professor, quem deveria "dar exemplo" e cobrar o respeito às leis faz justamente o contrário. O tráfego em locais do tipo só é permitido em situações de emergência, ressalta.
Na avaliação do professor de Criminologia, a PM acaba por fazer um marketing contra a própria instituição. A população conseguiria analisar que, no caso de uma emergência, não haverá um policial por perto para pedir ajuda.
Outro item questionado é o flagrante da prática justamente na região da Capital, que reúne o maior efetivo da Polícia Militar no Estado.
— Tem muito policial servindo cafezinho e cuidando de estacionamento. Sai mais barato para a polícia inutilizar uma viatura nova, que custou caríssimo para a população — diz, referindo-se ao aumento do número de policiais nas ruas.
Denúncia
A polêmica surgiu depois da veiculação de uma reportagem no programa Estúdio Santa Catarina, da RBS TV, no domingo à noite, que flagrou viaturas policiais usadas como "vitrine" em Florianópolis.
A prática é tão comum que consta na escala de serviço da corporação e recebe o nome de "viatura de vitrine". O chefe da Comunicação Social da PM, tenente-coronel João Amorim, disse que deixar um carro vazio com o giroflex ligado em pontos chaves de Florianópolis faz parte da estratégia. Justifica que aumenta a sensação de segurança da população.
Ele argumenta que o policiamento não é feito somente com homens, mas também equipamentos.

sábado, 21 de agosto de 2010

PÓS-GRADUAÇÃO (PENAL E PROCESSO PENAL)!

Pessoal segue abaixo folder da Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal do Cesusc. Muito boa! As inscrições ainda podem ser feitas.




Postagem: Prof. Ruben Rockenbach

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Dia do advogado

       No dia 11 de agosto de 1827, D. Pedro I instituiu os dois primeiros cursos de ciências jurídicas no Brasil, e por isso comemora-se nesta data o Dia do Advogado. Por isso, resolvi escrever este texto, para parabenizar, não aqueles que são bacharéis em Direito e passaram na prova da OAB, mas aqueles que são VERDADEIROS ADVOGADOS. Aqueles que acreditam que “Irresistível é o fascínio de lutar pela defesa do direito de alguém. Salvar liberdades, honras, patrimônios de toda espécie, materiais e morais.” (Código da Vida de Saulo Ramos.)
       O verdadeiro advogado é aquele que, de forma destemida, luta pela defesa do direito do seu cliente sem esquecer-se da ética e da moral. O verdadeiro advogado tem como principal motivo de vitória o conhecimento jurídico. É a inteligência que fez a diferença, não os “contatos”. Aquele que é um advogado de verdade sabe lidar com a derrota, e mesmo que seja difícil sempre a transforma em uma derrota que desperta e nunca em uma que mata.
        Saber ouvir, saber falar, a humildade, a paciência e a perseverança são adjetivos de um verdadeiro advogado.
        Parabéns a todos aqueles que de forma justa e destemida luta pela defesa de direitos e assim, alcançam a paz social. E que os seguintes versos de Rui Barbosa, jamais possam ser realidade em suas vidas: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”

Paulini Scardua Sabbagh


Já a minha homenagem é...
Conta-se que... o avião estava com problemas nos motores, e o piloto pediu às comissárias de bordo para prepararem os passageiros para uma aterrissagem de emergência. .
Alguns minutos depois, ele chama uma atendente para saber se tudo está bem.
Ela responde:
- Todos estão preparados, com cinto de segurança e na posição adequada. Menos um advogado, que está entregando seu cartão aos passageiros!

(Parabéns aos honrados advogados: de todas as classes que ostentam o lema da justiça, a de que mais se faz piadas e a que menos se tornou uma).

Sandro Sell

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Parceria de primeira linha!

Esse Curso de Processo Civil é o novo livro dos Professores da UFSC Horácio Wanderley Rodrigues e Eduardo de Avelar Lamy.
Conhecendo ambos: (ex-aluno do Horácio - quem não foi? - e ex-colega do Lamy) como não depositar as melhores expectativas nesta obra?  Pelas árvores se presumem os frutos. Parabéns aos dois e à comunidade jurídica em geral pelo lançamento.
Sandro Sell

domingo, 8 de agosto de 2010

O aborto para baixar o crime

Repórter: Professor, o que o Sr. acha daquela tese do Freakomomics?
Professor: ?
Repórter: De que legalizar o aborto baixa a criminalidade... (como no gráfico acima). Deu certo nos EUA. Seria uma boa forma de defender o aborto não?
Professor: ?
Repórter: O Sr. por acaso é contra o aborto?
Professor: (mandou o texto abaixo)

I. O dever de tomar posição
        Muitas vezes classificamos uma questão como polêmica unicamente por não desejarmos, naquele momento, emitir uma opinião decisiva sobre o assunto. Isso pode ocorrer nos casos em que, apesar de possuirmos uma posição definida, tememos que os outros nos desaprovem por expressá-la. Noutras vezes, qualificamos de polêmica uma questão sobre a qual não temos informações suficientes, ou sobre a qual não refletimos o bastante, querendo com isso mantermos suspenso nosso juízo, até que nos sintamos em condições de emiti-lo. Se no primeiro caso verificamos certa covardia moral: pensamos diferentemente dos demais, mas não queremos que eles saibam disso; no segundo, temos uma atitude de clara prudência intelectual. Destarte, quem pretende opinar sobre temas controversos, melhor que se esclareça antes, sob o risco de acabar dando vazão a toda uma série de ignorâncias, disfarçada sob a forma de argumentos.
       Há ainda aqueles para os quais nada neste mundo é polêmico: tudo tem uma resposta direta, objetiva e correta. É o grupo formado por aqueles que, em regra, não pensam pela própria cabeça: terceirizam suas opiniões a uma doutrina, igreja ou filosofia. Quando se lhes pergunta o que acham disso ou daquilo, eles não têm palavras próprias, escondendo-se por detrás de citações alheias, - seja da Bíblia, do filósofo da moda ou da tradição a que, justamente para não se darem ao trabalho de pensar, filiaram-se. Para esse grupo, pensar é coisa para Jesus, Wittgeistein, Freud ou Maomé, - somente os “iluminados” possuem o monopólio da emissão correta de juízo, aos demais resta a união ao rebanho. Nem mesmo nas lacunas de seus pensadores-idolos, os discípulos da mente alheia ousam pensar em nome próprio. Preferem dizer que “O que Jesus diria nesse caso é o seguinte...”, “O que Freud, se vivesse hoje, provavelmente diria é...” (frases que denotam a desistência de viver do trabalho de seus próprios neurônios...)
    Feito lacaios que julgam sua própria importância pelas riquezas do patrão a que servem, o sujeito que imagina estar isento de pensar porque outros melhores já o fizeram, só serve mesmo para recolher as migalhas restantes do banquete daqueles que não renunciaram a mais nobre das características intelectuais: tomar como seu dever pessoal – e intransferível - o esclarecimento dos dilemas que afligem sua época. E é essa obstinada pessoalidade, esse estilo inconfundível debruçado no debate dos problemas humanos que fazem o leitor se deliciar com um Montaigne, um Foucault, um Nietzche ou um Peter Singer. Lê-los, certamente é correr o risco (elevadíssimo!) de mudar de opinião – e, no reino do espírito, nada pode ser mais excitante do que sair com a ignorância ferida por um esgrimista de primeira linha. Mas se terá obrado mal se, caindo em tentação e preguiça, emergirmos de tais leituras não com as próprias opiniões repensadas, mas carregando, submissamente, a opinião alheia.
      Portanto, não existe outro jeito, você tem que pensar com o cérebro que tem aí, - ou, então, quando alguém perguntar sua opinião, cale-se e instale no seu interlocutor as idéias do seu autor-pen-drive.


II. O aborto e seus debatedores
      Dizer que a questão do aborto é polêmica é mais do que um subterfúgio para não precisarmos emitir uma opinião definitiva: “sou favorável”, “sou contra”. Ela é difícil mesmo, pois reúne e confunde, sem pena, os conceitos de vida, liberdade, moral e direito, nos seus contornos e limites últimos. Quando começa à vida? Na concepção ou com o cérebro em avançado estado de formação? A pretensa liberdade da mulher que não deseja a gravidez supera o pretenso interesse do filho em potencial? O ter assumido o risco de gravidez, quando decidiu ter relações sexuais, não faria com que a balança dos direitos pendesse para o lado do feto? E o Direito, deve se posicionar ao lado de quem? Do mais frágil? E se assim for, quem é o mais frágil relevante na relação mãe-que-não-quer-ser/criança-que-vem-vindo? Alguns dirão: “Você usa mal os termos, nem ela é “mãe”, nem “ele” é criança...” Pode ser, mas não existem nomes neutros aos entes em discussão, qualquer um que se utilize (feto, bebê, embrião, ser indesejado, nascituro, anjo, criança etc.) será prenhe de conotações políticas. Poder-se-ia, por exemplo, em analogia com o que se fez com os “velhos” (termo de descarte), denominar o ente no útero como integrante da “primeiríssima idade”, o que seria tão cheio de segundas intenções quanto chamá-lo de pré-vivente. Conceituar os termos de uma polêmica já em si posicionar-se sobre ela. Não há saída.

a) Os anti-aborto são só atraso?
     Diante de um tema espinhoso como esse, é normal termos uma série de dúvidas que autorizam o indivíduo intelectualmente prudente a iniciar o debate sobre o muro, não por medo de descer, mas por acreditar que em cada lado da discussão há menos argumentos do que filiação a regimentos. Numa ala, estão os religiosos e seu conceito de vida metafísico, que associa a cada embrião uma alma, a cada alma uma missão e a cada missão um realizar-se da vontade de Deus. E como com Deus não se discute, não há o que debater, restando apenas uma resignada submissão. Nesse caso, aborto só o "natural", aquele que, muitas vezes, é o que se desejava, mas para o qual não se contribuiu. A essência aqui não é ser contra o aborto, mas apenas não intervir na sua ocorrência.
    Muitos desses religiosos sequer pararam para pensar pessoalmente a questão do aborto. Com uma pretensão absurda, inferem qual seria a “autêntica vontade de Deus” e se tornam soldados de seu cumprimento. Bem pensado, quase todas as misérias da humanidade (inquisição, nazismo, terrorismo etc.) vêm de pessoas com essa pequenez moral: que deixam de refletir sobre o que acham certo e errado (eximindo-se de sua responsabilidade pessoal) e passam a se considerar simples mensageiros da “vontade divina” ou de algum líder sedutor. Com esses indivíduos não é possível discutir, apenas rezar para que não sejam maioria no poder – caso contrário, voltaremos à Idade Média ou às casas de suplício.
     Mas ao lado do rebanho de religiosos, na luta contra o aborto está também uma série de pessoas – religiosas ou não – que refletiram e acreditam que os melhores argumentos pendem para a não aceitação do aborto, em regra. Afora casos excepcionais – risco de vida à mãe, anencefalia, estupro – esse é o grupo que pretende dar uma chance ao potencial futuro membro da humanidade. Por reflexão, valores e inclinação pessoais insiro-me aqui, sem, entretanto, deixar de sentir certa vertigem quando contemplo minha posição em face da alternativa, na qual se situam a maior parte de meus esclarecidos amigos. Vejamos por quê me sentei longe do meu grupo de eleição pessoal em tantas outras questões.
a) O argumento do risco. Ora, se os pais correram o risco de gerar um bebê – transar pode resultar nisso, minha cara amiga – e o bebê está a caminho, não é mais justo e responsável deixá-lo vir? Quem corre o risco que assuma o “dano”, se é que se pode falar assim. Objeta-se: “Essa criança indesejada, mesmo que decorrente de risco assumido pelos pais, irá comprometer-lhes o futuro!” De acordo. Mas e se, o mesmo casal, dirigindo, apaixonadamente, batesse numa Ferrari, isso também comprometeria seu futuro, não? Por que nesse caso eles têm que assumir os resultados de seu risco criado e no caso do bebê não? “Ah” – objeta-se – “o dano causado pelo acidente é muito menor do que o causado por um filho, que é para vida toda!”. Certo, mas os respectivos “bens” em comparação, causar dano a uma Ferrari ou a um potencial bebê, também são drasticamente desproporcionais... É estranho que ressarcir a Ferrari abalroada seja um dever moral e jurídico e não assumir o dever de cuidado para com o feto-conseqüência-de-risco-assumido seja reivindicado como um direito...
    É de fácil compreensão o princípio jurídico segundo o qual aquele que, com sua conduta consciente, cria um risco indevido para terceiros não pode se eximir do dever de suportar os custos da materialização desse risco. Se tal regra vale para trivilialidades (“Trafegou a 140 km/h, destruiu outro carro, vai pagar”), deve valer também para direitos que envolvem a vida, ainda que nos seus iniciais desdobramentos: “Teve relações sexuais sem cuidado (assumiu o risco), gerou um feto (o resultado do risco assumido), vai ter que protegê-lo. Repare que é assim que se trata o pai-que-não-quer-ser quando, após uma relação amorosa eventual, engravida mulher indesejada. Não vai adiantar ele dizer que foi um erro, que o seguimento de tal gravidez prejudicará seu futuro, que imaginou que ela “se cuidava”. Não há saída: correu o risco de produzir prole, terá que assumi-la. Para o homem, a regra é essa, por que para a mulher seria diferente?
      Os problemas não param aí.
b) O argumento ecológico. É irônico que certos ecologistas queiram que aceitemos a abstração ético-jurídica do “direito das gerações futuras” (portanto não devemos extinguir as baleias, pois os nossos virtuais bisnetos têm o direito de conhecê-las), mas defendem que aqueles que já estão em parte aqui (geração presente virtual) podem ser abortados. Nossos bisnetos – que nem nasceram, se é que vão - são sujeitos de direito (“o meio ambiente é deles também”), enquanto o feto é apenas objeto para deliberação e eventual devastação alheia. Muito estranha essa lógica em que meu bisneto tem mais direito hoje (enquanto futura geração) do que quando estiver efetivamente na barriga da minha possível futura neta... Além disso, com argumentos ecológicos, alguns sustentam que o aborto seria saudável para o planeta, pois um futuro com menos pessoas será melhor para todos (todos quem?!). Isso é dar mais importância aos chapéus do que às cabeças, pois a capacidade de suporte da vida humana na Terra (quantos humanos nela cabem?) é menos função do número de pessoas do que de nossas escolhas de vida, - até o momento baseadas no consumismo de petróleo, plásticos e perfumarias. Mudando nossa forma de vida, poderemos multiplicar, em muito, o número de humanos na Terra. Portanto, há escolhas mais sensatas para diminuir a poluição do que nos voltarmos contra a proliferação de nossa espécie.
c) Anencéfalos. Mas em se tratando de aborto, a estranheza é mesmo a regra. A Igreja e seu séqüito fazem campanha contra o abortamento do anencefálico (feto sem cérebro), aquele que jamais sobreviverá, por conta própria, fora do corpo materno. Aceitam que uma mãe com diagnóstico de gravidez anencefálica sofra os nove meses de gestação, com seus padecimentos e constrangimentos públicos (“para quando é o bebê?), pois ela carrega em si a tal da “missão divina”. Nesse caso, a proteção ao novo “ser” é inócua, já que ele não vingará, tornando mais do que razoável que a balança do Direito penda para o lado da gestante, cujo sofrimento é real e, laicamente falando, inútil. Uma mãe católica de um feto anencefálico pode se sentir no dever de suportar tal gravidez com espírito de sacrifício cristão, situação que respeitamos. Mas querer obrigar uma mãe não religiosa a passar o mesmo calvário é mais do que falta de caridade: é importunação invasiva ao direito de crença e liberdade alheios.
d) Filhos de estupro. E enquanto com seus lobbies, religiosos tentam evitar a legalização do aborto do anencefálico, por ser “uma obra de Deus”, deixam de citar que situação mais polêmica já se encontra em nossa legislação: o aborto autorizado decorrente de estupro. De um ponto de vista de moral religiosa, aceitar o aborto do feto viável porque seu pai agiu criminosamente, parece ser desconsiderar as “linhas tortas da escrita divina” e aceitar que o filho pague pelos pecados do pai. Quer a mãe esteja ou não sofrendo de maneira insuportável com a gravidez proveniente de uma relação forçada – que pode ter sido com o ex-namorado -, seu bebê, por estar amaldiçoado na origem, não merece a menor proteção jurídica? Uma saída para esses casos, ainda na seara religiosa, desde que constatada mente o sofrimento da mãe-vítima não fosse insuportável, não seria esperar que o bebê nascesse para, então, dá-lo em adoção? Como os religiosos – tão cheios de argumentos em favor do anencefálico – justificam sua inércia nesse ponto?
     De nossa parte sustentamos que, embora a presunção de legalidade deva oscilar, em situações de estupro, no sentido da vontade da mulher, deve-se lembrar, também, de que há casos cujas circunstâncias da relação não consentida, bem como a personalidade dos envolvidos, não autorizam, de per si, a presunção de que o feto gerado seja apenas um “produto de crime”, que poderá, então, ser destruído sem mais. É preciso desvendar, em cada caso, as devidas gradações de constrangimento e sofrimento, que vão desde um nível insuportável (num verdadeiro estado de necessidade psicológico: ou sacrifica-se o feto ou a mãe se destrói) até casos bem menos dramáticos, que possibilitam saídas menos drásticas.
    É claro que no caso do estupro a mãe não assumiu o risco da gravidez, razão pela qual o poder de escolha lhe deva ser dado. Nessa situação, por óbvio, também não há que se falar da participação do pai nessa decisão, pois alguém não pode reivindicar direitos decorrentes de seu crime.
    Mas num país em que os religiosos são tão ativos contra o aborto de fetos clinicamente inviáveis, chama a atenção seu silêncio em face do aborto dos fetos “moralmente inviáveis”.

Os pró-aborto são os mais avançados?
     Do outro lado da linha, encontram-se os “moderninhos”, que, afora as exceções de praxe, costumam ser tão alienados quanto os religiosos, pois sua posição não deriva de melhores argumentos, mas de uma filiação aos grupos de vanguarda. Situam-se aí aquelas pessoas cuja cabeça é o amálgama de uma pitada de psicanálise, meio livro de Foucault e 200 horas de canal GNT. É a turma dos que pensam que ter uma posição ética avançada é o mesmo que se posicionar do lado “mais moderno” da questão. Não custa lembrar que, em ética, não interessa muito para que lado você penda, o que interessa é que seus argumentos em prol da posição escolhida sejam válidos, universalizáveis e auto-retornáveis. Em outras palavras, exige-se que seus argumentos não decorram de falta de esclarecimento ou de confusões lógicas, mas que derivem do uso da razão aliada a uma ampla base de dados e, finalmente, exige-se que, num debate ético, ninguém defenda posições que não aceitaria como justas para o seu caso em particular (aquele que considera que fora um dever de sua mãe levar até o fim sua gravidez demonstra impostura ao defender o aborto). Emitir uma opinião ética é como jogar uma pedra para cima e ter coragem suficiente para não sair de baixo.
    Vejamos as pedras que, ultimamente, têm atirado os moderninhos.
    Primeira: dizem que o aborto é um direito exclusivo da mulher. Para pagar a pensão, levar ao colégio, educar e assumir os traumas, o filho é de ambos os pais, mas para decidir sobre seu nascimento, é só da mulher? Estranho. Ora, quem disse que a mulher gera o filho sozinha? Objeta-se: “Mas muitas delas criam os filhos sozinhas!” Tal situação é verdadeira e, certamente, está errada, mas é mais fácil consertar isso do que autorizar o aborto como uma forma de compensar a ausência de responsabilidade do pai. Se dois devem ser responsabilizados pelo bebê nascido, dois devem ser chamados a opinar sobre o cancelamento, por aborto, de seu nascimento, - salvo, por óbvio, quando este decorrer de imperiosa recomendação médica ou de estupro.
   E se a mulher quiser abortar e o homem não? “O corpo é dela”, dirão. Ora, já falamos que ao voluntariamente optar em manter relações sexuais com o agora pai, ela assumiu o risco de engravidar; portanto – afora o caso de estupro ou fraude –, sua barriga está sendo utilizada em decorrência de ação voluntária dela própria, - se queria seu corpo fora disso, não deveria ter-se exposto ao risco da maternidade. Mas se engravidou, – tenha sido por desejo, imprudência ou “acidente” - e o futuro pai diz que quer o filho, deve ser obrigação da mulher levar até o fim a gestação, como decorrência do direito à vida do nascituro, associada ao risco voluntariamente assumido pela mãe. O corpo é da mulher, é verdade, mas o corpo em formação dentro de si, não.
   Suponhamos um exemplo extremo: Uma mulher engravida, sendo a criança muito desejada por ambos os pais. Mas eis que, no curso da gravidez, eles se separam e a mulher, em ato de vingança, pretende o aborto. Pergunta-se: juridicamente, se o aborto fosse legalizado, não haveria nada que esse pai pudesse fazer para dissuadir a mulher de sua torpe vingança? Ora, já não costuma ser arbitrada ao pai, judicialmente, – em nome da futura criança – a obrigação de alimentar a gestante se esta, em função da miséria em que se encontra, não tem condições de alimentar-se de acordo com o requerido para a sua saúde e a do bebê de ambos? Se o pai tem o dever de sustentar seu filho mesmo antes do nascimento, deve ter o direito de preservar-lhe a vida em qualquer fase da gestação.
    Quando à discussão acerca de “quando começa a vida”, ela pode ter um grande interesse científico, mas eticamente têm se convertido em toda sorte de sofismas. Favoráveis ao aborto, em geral, gostam de ser também avançados em termos ecológicos, e então nos pedem para que atribuamos valor às formas mais elementares de vida na Terra, falando de seu valor intrínseco ou funcional na Natureza. Mas quando tratam de sua própria espécie, querem um conceito de vida cheio de limites e outros senões. É certo que não sabemos determinar com exatidão o momento em que começa a vida humana, mas, como é comum em nosso Direito, sempre que não sabemos algo com exatidão, presumimos uma resposta em benefício do mais vulnerável: in dúbio pro reo, in dúbio pro mísero, in dúbio pro operário, por que não in dubio pro vida? Por que presumir em favor do feto? Pela simples razão de que se estivermos errados quanto ao início da vida, e fizermos a gestante arcar com os nove meses da gravidez, que poderia ter sido interrompida quando o feto ainda não tinha vida, ela terá perdido praticamente um ano de vida não-grávida; isso é lamentável, pois cada um sabe dos transtornos que isso acarreta. Mas e se estivermos errados quanto ao início da vida, acreditando que ela ocorre mais a frente do que realmente é correto, e cancelarmos a vida de um novo ser, como quantificar – e reparar - tal prejuízo? Ora o fato de que jamais ficaremos sabendo de tal prejuízo (fetos não berram) não é motivo para não nos atormentarmos com tal possibilidade.
Mas isso é pouco em face do novo modismo pró-aborto.
Baixando o crime na clínica. A nova onda pró-aborto é insuperável: querem utilizá-lo para baixar o crime. O ex-governador do Rio achava que isso devia fazer parte de um pacote amplo de soluções em segurança pública. Numa cidade como o Rio de Janeiro, isso deverá significar uma política de redução de custos operacionais: ao invés de matarmos os filhos adolescentes dos mais pobres, não deixaremos sequer que essa espécie de gente procrie. Será que surgirá o departamento de obstetrícia do Bope? E assim, ao invés de se investir em saúde e educação, investir-se-á na eliminação de futuros pacientes e estudantes. Solução mais econômica impossível! Poderíamos também criar uma mutação do vírus ebola que só atingisse gente da zona norte! As possibilidades são tantas...
“Mas as estatísticas internacionais mostram uma relação entre aborto e queda da marginalidade”. Isso é discutível mesmo nos EUA. O artigo de Steven Levitt que deu origem a essa polêmica (muito mal explicado em Freakonomics, que é de onde os “especialistas” retiraram a idéia) enumera vários fatores que teriam contribuído para diminuir o crime nos EUA na década de 1990. Entre eles estão o aumento do efetivo policial, a estabilização do mercado de crack, o aumento da população carcerária e a legalização do aborto. Mas lembremos o contexto ideológico do artigo de Levitt: os Republicanos atribuíram à política de “Tolerância Zero” à queda vertiginosa na taxa de homicídios em Nova York, durante a administração Giulliani. Levitt, que é um intelectual democrata, construiu toda uma argumentação para tirar o mérito da Tolerância Zero, sustentando que a criminalidade só baixa por motivos “liberais”, como o aborto.
     Objeta-se: “Não interessa quem ele seja, o que interessa é que utilizou estatísticas para fundamentar seu pensamento, não usou?” Mais ou menos: ele usou as estatísticas com as quais simpatizava. Por exemplo: dos anos de 1980 para os 90, quando há a queda na criminalidade, a pena de morte nos EUA praticamente quadruplicou em número de execuções. Teria ela alguma relação com essa baixa? Por ser uma agenda republicana – a pena de morte - Levitt preferiu não analisá-la. Em suma: é possível que mais abortos seja igual a menos crime (faltam dados conclusivos), mas seria pelo fato de que bebês indesejados enveredam mais para uma vida criminosa? A explicação não parece muito mecânica? A principal causa do crime, que os criminólogos vivem a repetir que sempre vêem em conjunto, agora foi descoberta e isolada? É a gravidez que deveria ter sido abortada? Estranho.
    Pode-se ser, sensatamente, contra ou a favor do aborto, mas não vejo como fundamentá-lo enquanto tecnologia de extermínio de criminosos presumidos. Sim, porque a política é para os pobres (desde quando as classes mais abastadas no Brasil dependem da lei do aborto – ou de qualquer lei - para fazerem o que querem?). O pré-natal não chega até à moça pobre, a informação anticoncepcional também não. O aborto chegaria? Por onde, pelo SUS? Risível.
     Para evitar o alegado risco trazido pelos indesejados filhos da pobreza, há modos mais eficazes e menos polêmicos: educar as meninas das comunidades pobres – se elas tiverem perspectiva e informação, saberão planejar sua vida e não se encherão de filhos antes dos 20 anos. Distribuir eficientemente anticoncepcionais e preservativos. E quanto aos filhos indesejados (para as mães ou para o Estado?) que ainda assim teimarem em nascer? Não há solução mágica. Se queremos reduzir o risco de que concluam que uma vida honesta neste país não vale a pena (levante à mão quem nunca se interrogou sobre isso), precisarmos lhes dar creches e retirar as balas “perdidas” do entorno de suas orelhinhas: quem é embalado pelo zunido de tiros, pela lógica, deveria mesmo se tornar bandido, mas – milagre brasileiro – a maior parte desses sobreviventes de guerra (que nem mesmo têm reconhecido o direito de desenvolverem traumas), levará uma vida tão miserável quanto decente.
   O que está sobrando nessas comunidades não são crianças, mas bandidos, policiais violentos e balas, muitas balas.
   Em suma, sou muito a favor de discutirmos o tema do aborto. Em regra sou contra sua generalização, mas aceito os bons argumentos dos que pensam diferentemente. Mas, sob hipótese conhecida alguma, concordo em usá-lo como forma de política pública de extermínio às responsabilidades dos Estados.
   Antes se discutia se o feto tinha vida, agora se discute se ele é criminoso. Mais um passo à frente e surgirá uma lei dizendo que o bebês indesejados nascidos no Brasil só poderão deixar a maternidade sob autorização judicial. Um outro passo à frente e nos veremos no inferno.


Sandro Sell