Boa tarde, professor! (...)
A imprensa tem divulgado alguns casos de acidente de trânsito com morte, onde foi constatada a embriaguez do condutor. Em alguns casos, o MP tem se manifestado no sentido de apresentar denúncia por homicídio DOLOSO, fundamentando que o condutor, mesmo tendo conhecimento de que seu estado de embriaguez poderia ocasionar acidente com vítima fatal, realizou a ação e, sendo assim, assumiu o risco. Essa fundamentação é razável?Em caso afirmativo, como ficaria uma situação em que um enfermeiro realizasse um procedimento médico, voluntariamente, considerando que, por ser também profissional da saúde com formação acadêmica específica, teria conhecimento, não apenas da ilicitude de seu ato, mas também dos riscos e, inclusive da possibilidade de óbito. No caso do paciente vir a óbito, seria considerado culposo por imperícia? Poderia ser seguida a mesma linha de raciocínio do outro caso e considerar doloso, porque o enfermeiro tinha o conhecimento e assumiu o riscos? Se puder me responder, ficarei muito grata! Obrigada,
Resposta do Professor Sandro Sell (por sua exclusiva conta e risco):
O caso do motorista
A questão da diferença entre dolo/culpa é uma das mais espinhosas no Direito penal e nós estudaremos isso a fundo logo mais (matéria de Direito Penal I).
No entanto, já adianto que me parece (Prof. Sandro Sell) que a resposta técnica adequada para o primeiro caso é que nas situações habituais, em que, embriagado, um motorista causa um acidente com vítima, se trata de delito culposo, pois o "assumir o risco", exigível no dolo (dolo eventual) significa "não se importar com o resultado", "ser indiferente ao resultado lesivo que se poderá produzir", e não simplesmente saber que há riscos em tal atitude, que no caso em análise costumam ser levianamente (daí haver imprudência) descartados pelo motorista.
No entanto, já adianto que me parece (Prof. Sandro Sell) que a resposta técnica adequada para o primeiro caso é que nas situações habituais, em que, embriagado, um motorista causa um acidente com vítima, se trata de delito culposo, pois o "assumir o risco", exigível no dolo (dolo eventual) significa "não se importar com o resultado", "ser indiferente ao resultado lesivo que se poderá produzir", e não simplesmente saber que há riscos em tal atitude, que no caso em análise costumam ser levianamente (daí haver imprudência) descartados pelo motorista.
Em outras palavras, o condutor sabe que dirigir embriagado é arriscado, mas acredita (por tolice) que não lesionará ninguém. Pois se realmente acreditasse que se meteria em um acidente naquela noite, não dirigiria naquele estado. Lembre-se de que, além disso, em casos como esse, o motorista pode matar não apenas uma pessoa encontrada ao acaso, mas a si próprio ou a seus amigos que estiverem de carona... (Será que se esses caroneiros - que conhecem o motorista melhor do que eu e o promotor, acreditassem seriamente que ele era do tipo se-matar-matou entrariam no carro com ele? Bom, poderia ser uma turma de psicopatas, aí tudo bem...)
O dolo do agente, mesmo eventual, tem que se projetar sobre o resultado efetivo: ser capaz de mentalmente antecipar que pode ocorrer o dano (requisito cognitivo) somado à indiferença em produzir o resultado lesivo (requisito volitivo). O bêbado ao volante - nossos conhecidos de festas - sabe o que pode ocorrer, mas não acredita e, muito menos, aceita que isso irá ocorrer...
O problema é que esse motorista, assim como a moça/ rapaz que tem relação sexual com um desconhecido sem proteção contra gravidez/AIDS sabe que é possível que de tal ação resulte a indesejada gravidez ou o contágio da doença, mas acreditam na sorte, na superioridade de seu organismo, na baixa probabilidade de isso ocorrer, em contos de fada... (são imprudentes, agem culposamente). Mas não são indiferentes ao resultado indesejado (“Vou transar, assim sem proteção mesmo, e se eu pegar AIDS, tudo bem!”, é uma frase tão absurda quanto: “Vou dirigir embriagado e se eu matar alguém tudo bem”, - nesses dois casos ou temos pessoas com sérios problemas de conduta – aceitam como resultado provável contrair a doença/ matar os outros ou a si próprios no acidente – e nessas situações, evidentemente há dolo - ou temos sujeitos que subestimam os riscos que correm). No mais comum das vezes, a mocinha grávida sem desejar ou o rapaz com resultado positivo para HIV, vão aconselhar seus amigos: “Vê se não vai ser estúpido de confiar na sorte como eu fiz.” E quem confia quando não devia, acreditando que nada de ruim irá surgir de sua conduta, é um imprudente e não um indiferente assassino.
O dolo do agente, mesmo eventual, tem que se projetar sobre o resultado efetivo: ser capaz de mentalmente antecipar que pode ocorrer o dano (requisito cognitivo) somado à indiferença em produzir o resultado lesivo (requisito volitivo). O bêbado ao volante - nossos conhecidos de festas - sabe o que pode ocorrer, mas não acredita e, muito menos, aceita que isso irá ocorrer...
O problema é que esse motorista, assim como a moça/ rapaz que tem relação sexual com um desconhecido sem proteção contra gravidez/AIDS sabe que é possível que de tal ação resulte a indesejada gravidez ou o contágio da doença, mas acreditam na sorte, na superioridade de seu organismo, na baixa probabilidade de isso ocorrer, em contos de fada... (são imprudentes, agem culposamente). Mas não são indiferentes ao resultado indesejado (“Vou transar, assim sem proteção mesmo, e se eu pegar AIDS, tudo bem!”, é uma frase tão absurda quanto: “Vou dirigir embriagado e se eu matar alguém tudo bem”, - nesses dois casos ou temos pessoas com sérios problemas de conduta – aceitam como resultado provável contrair a doença/ matar os outros ou a si próprios no acidente – e nessas situações, evidentemente há dolo - ou temos sujeitos que subestimam os riscos que correm). No mais comum das vezes, a mocinha grávida sem desejar ou o rapaz com resultado positivo para HIV, vão aconselhar seus amigos: “Vê se não vai ser estúpido de confiar na sorte como eu fiz.” E quem confia quando não devia, acreditando que nada de ruim irá surgir de sua conduta, é um imprudente e não um indiferente assassino.
Agora, isso não quer dizer que não podemos decidir que as leis para os crimes culposos com embriaguez no trânsito sejam mais severas, que se ache meios de se evitar o triste ceifar de vidas que tal tem gerado. O que não é possível é presumir uma intenção na cabeça do infeliz, que bebe e dirige, que confronta com a tolerância e a amizade que neles depositamos.
Quando nos despedimos de alguém que bebeu demais e vai dirigir, chamamos sua atenção e, se ele não nos ouve, o xingamos de estúpido, mas não começamos a gritar no meio da festa "Segurem, segurem, lá vai um assassino." Isso parece que resume tudo.
O caso do enfermeiro
No caso do enfermeiro, para que ele respondesse pelo resultado morte enquanto crime dois seriam os requisitos: a) efetivamente tratar-se de um procedimento privativo de médico; b) o procedimento ter sido feito de forma incorreta/imperita. Agora se o enfermeiro usou a mesma técnica que utilizaria o médico (técnica correta segundo a lex arts), em uma situação que um médico prudente teria feito o mesmo, e, ainda assim, o paciente morreu, não foi sua falta de saber que matou o paciente (já que com o médico o resultado seria o mesmo), mas o risco normal do procedimento necessário. Neste caso, o enfermeiro não deve responder pela morte, mas apenas pela prática de ato privativo de médico.
Basta pensar que ao paciente deve ser preferível o procedimento correto feito pela pessoa errada do que o procedimento incorreto feito pela pessoa certa.
Mas, em todo caso, é preciso que se deixe claro que a presença de um médico cauteloso no lugar do enfermeiro em questão não seria capaz de evitar o dano que ocorreu. Se com um médico tal não ocorreria, é porque o fato de ser enfermeiro foi fundamental para que houvesse a morte. E nesse caso, o enfermeiro responderia culposamente pelo resultado. E não dolosamente, pelas razões já expostas acima.
Postado por Sandro Sell
Questiono o seguinte, caso saiba responder-me, em materia de direito civil, ou seja, ainda no ambito do dolo, alguem que produza determinado resultado ilícito, éticamente, como seria avaliado o dolo?
ResponderExcluirUm motorista que dirige embreagado mais e pego para faz er o teste do bafometro pode responder por sua intervencao penal pela sua conduta e consequente responsabilizacao penal
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