terça-feira, 23 de agosto de 2011

Drogas e política

A drogradição sempre existiu no convívio social, embora sob a lógica da sociedade de mercado adquira o estatuto de mercadoria, devendo ser enfrentada em vários fronts, do tratamento ao tráfico, passando pela educação familiar e escolar, batendo às portas do Estado.
Nestas linhas esboço uma compreensão particular da questão do fetiche da droga, lançando algumas idéias para um debate altamente complexo, a ser enfrentado em razão dos efeitos danosos que a drogadicção produz na sociedade: dissolução familiar, violência e morte de um contingente importante da juventude, sem contar outras questões referentes à lavagem do dinheiro resultante do tráfico e as relações promíscuas entre ele e a política em geral.
O combate às drogas tem tido resultados mofinos. A droga circula em todas as cidades brasileiras e em todos os estratos sociais. Varia a intensidade e a qualidade da mesma, de acordo a posição social do drogado.
Estou me referindo às drogas ilegais e aproveito o gancho do posicionamento de Fernando Henrique Cardoso e outros intelectuais que assumem a defesa da maconha nos espaços públicos, o que é louvável e importante. Louvável por que a questão deve ser encarada radicalmente sob o ponto de vista menos da liberdade do indivíduo em uma sociedade pautada no liberalismo avesso aos perigos da semelhança e ao respeito à diferença, e mais sob a constatação ética em defesa dos direitos humanos, de que algo precisa mudar, urgentemente, em face da ineficácia e da anomia que o problema engendra, indo além do que até aqui tem se tentado. Mas penso que a tese do ex-presidente e sociólogo deve ser menos conservadora, menos seletiva, sendo extensiva a todas as drogas.
O consumo de maconha é a porta de entrada para outras drogas, afirmam alguns, colocando-se contra a liberação das outras, consideradas pesadas, mais corrosivas para a saúde dos dependentes. Penso que a questão deve ser pensada em vários níveis. O consumo de cocaína, principalmente,  mantém uma classe diferenciada de consumidores, dos compulsivos e dependentes químicos, aos que a consomem socialmente. Reconheço que as fronteiras entre mais e menos dependentes, e os socialmente mais ou menos adeptos da cheirada nos altos círculos sociais é tênue, e complicada. Mas há um certo nexo que acompanha os que consomem drogas legais como o álcool. Há os desestruturados pelo álcool tomados como alcoólicos e os que sorvem seu uísque ou vinho em ocasiões não habituais e sem intoxicações e tumultos comuns oriundos do mau consumo. Esse contingente dos consumidores ocasionais, ou não habituais não é nada  negligenciável. Mas ele produz a morte e o sofrimento de jovens da mesma maneira, por instigar e manter a indústria da droga. Eu diria mesmo que ele é tão importante ou mais dos que consomem e dependem quimicamente.      Todas as raves do Brasil são embaladas por extasy e nem todos os jovens com essa experiência descambam pra uma dependência crônica. Mas o volume desses adeptos tem um impacto enorme no cômputo geral do tráfico. Poderiam ser atendidos sob a preleção de profissionais sobre os riscos para a saúde e para seus futuros profissionais e existenciais.
O governo deveria a meu ver legalizar todas as drogas, distinguindo os dependentes crônicos dos aficcionados, partindo para novas formas de controle. Isso poderia acompanhar as experiências de outros países, situando áreas para consumo, ou zonas de inclusão desses adeptos, e os estabelecimentos de saúde (SUS e farmácias credenciadas) para acompanhamento dos que se sujeitassem ao tratamento. Em clínicas privadas e clubes supervisionados pelo estado a droga poderia chegar, evitando o que produz a violência resultante do comércio de todas as drogas,   ceifando   a vida de milhares de  jovens,  privando-os  portanto do direito humano à juventude e à cidadania, e de  servir ao nosso país.
A cocaína sai da Bolívia e da Colômbia ao preço máximo de quatro mil dólares por quilo, chegando a Europa ao preço de quarenta e cinco mil euros... No Brasil chega mais barata, embora nem sempre com a qualidade destinada ao mercado europeu. Misturada a muitos outros componentes potencializa a letalidade dos seus efeitos,  ampliando o risco de morte ou lesões profundas.
Não tenho a menor idéia de como o estado entraria nesse mercado, mas a sua intermediação ética é necessária, justificada em defesa do direito fundamental à vida de milhares de garotos. Não somente  poupando boa parte dos mais de quarenta mil jovens que morrem anualmente no país em razão de assassinatos e overdoses, mas preservando milhões de famílias do esgarçamento dos liames sociais que elas implicam, com os parentes, com a comunidade, com o mercado, com o país que deles espera muito para um desenvolvimento aguardado.
A legalização deveria ser acompanhada por uma política de saúde pública e uma política educacional mais ampla, com o propósito de conscientizar sobre a tutela dos drogados como de interesse geral e público, questão de segurança nacional.  Ela não eliminaria o tráfico, mas reduziria drasticamente o mesmo. O estado forneceria essas drogas gratuitamente, sob controle médico e psicológico. Não seria gasto mais investimento, em razão da quebra de um dos elos na reprodução dessa mercadoria, em grande medida valorizada por vários mecanismos seletivos de mercado que, a tornando rara,  faz-lhe subir de preço em patamares de progressão geométrica na medida em que ultrapassa fronteiras e mantém as qualidades originais. O crack que tem  sido muito lesivo aos consumidores pobres cairia em termos de consumo. Mais importante, o verdadeiro genocídio da juventude entre 12 e 27 anos seria reduzida consideravelmente.
Essa política poderia começar experimentalmente, em algumas cidades como são Paulo e Rio de Janeiro,  observando o impacto no plano da diminuição dos homicídios, das internações em clínicas especializadas no tratamento de dependentes químicos, dos gastos da repressão militar, na economia de vidas que são roubadas  no confronto entre forças do estado e sociedade civil. Diminuiria também o sofrimento de pais com filhos criados no clima da insegurança do terror das drogas, vale dizer, situados entre a violência entre traficantes e violência da própria polícia, em grande parte corrompida e em estranha parceria com o crime.
A droga que chega aos abastados sempre chegará. Às elites  não faltarão drogas e de qualidade, e aos que nela mergulharem com dependência compulsiva, as clínicas particulares poderão acessar. O drama maior é dos jovens pobres, pois eles são as maiores vítimas,  morrem em grande medida para manter a estrutura endêmica do tráfico da sua fase de intermediação, estabelecida de maneira a envolver uma teia de pequenos agentes, desde a produção à circulação do produto final colocado no consumo, dos morros às grandes mansões.
Confesso que não sei como seria o operacional para uma política ampla em favor da liberação de todas as drogas, indistintamente. Sei que haverá mil complicações e muitos efeitos não esperados, como em toda ação social, mas me parece uma tentativa válida de obstar o incremento da violência contra jovens em nosso país, causadora de tantos malefícios familiares e sociais.
Em termos econômicos esse “gasto”/investimento levaria o estado a diminuir seus custos com o SUS, com a atualização do arsenal bélico das polícias, sempre em concorrência com o alto poder de compra de armas de ponta por parte do narcotráfico. Uma política como essa também cortaria pela raiz a lavagem de dinheiro resultante daquela atividade, sem contar a diminuição da bancada de narcotraficantes herdeiros de Hildebrando Pascoal no congresso nacional e assembléias legislativas em todo o Brasil. Até efeitos positivos se dariam dentro do Poder Judiciário, na medida em que as relações promíscuas entre desembargadores de certos tribunais brasileiros com os moedeiros falsos seria arrefecida pela legalização do consumo controlado de drogas.
Tenho certeza que essas idéias poderiam ter apoio de famílias e dos poderes políticos locais, na medida em que os interessados  tivessem acesso à discussão e a esclarecimentos sobre os maus menores da política defendida de liberação,  em face dos malefícios que a droga tem causado neste último século em todo o planeta.
Os leitores poderiam começar essa discussão com os seus mais próximos, criando, se possível, uma corrente que talvez possa ter o apoio dos estudantes, da UNE, de movimentos sociais distintos, fundados não somente no liberalismo político e cultural que reconhece no diferente, e nos doentes, o direito a melhores formar de tratamento/controle, mas em critérios de um mínimo ético quando pensamos na juventude, no direito que esses jovens à vida, à educação, a um posto no mercado de trabalho, talvez mesmo à capacidade de pensar uma sociedade melhor, menos iníqua e com menores graus de patologia expressivos do mal estar civilizatório.

Escrito por: 
Edmundo Arruda.
Professor do Departamento de Direito da UFSC.
Diretor do CESUSC.


Publicado por Sandro Sell.

Um comentário:

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