terça-feira, 23 de novembro de 2010

Dá-me um porão, uma mãe dominadora e uma boneca e eu te darei um serial killer

     Na criminalística do Discovery Channel e nos filmes policiais, é freqüente o FBI contribuir com seu “especialista em perfil”, para levantar, a partir do modus operandi do criminoso, o grupo psicológico (sic) a que esse pertence. Algo como: “Isso revela que o criminoso é homem, branco, obsessivo, provavelmente na faixa dos 40 anos, que vive sozinho, tem aversão a mulheres, e que deve ter sido criado apenas pela mãe, ou por uma tia.” O solitário quarentão caucasiano, com tendência homossexuais reprimidas, com personalidade oscilando entre a perversidade e a busca neurótica de ordem (colecionador de miniaturas), é um clássico nos perfis traçados pelo CSI, nas entrevistas com médicos forenses, e na fala autorizada de policiais aposentados.          Como eles chegam a esse perfil? Não sei. Mas tenho minhas hipóteses:

   a) O FBI – e seus clones - possui uma psicologia que não se ensina em Harvard, Sorbonne ou em qualquer outra universidade do mundo. É uma psicologia gnóstica que, assim como o Santo Graal, é mantida no mais rígido segredo por uma irmandade que mata ou morre para que os profanos não a conheçam. Nesse caso, a menos que Dan Brown arregasse as mangas e a desvende, continuaremos sendo alienados pela inconclusiva psicologia acadêmica
b) Tal psicologia é na verdade uma psicanalisada rasteira, de senso comum. O especialista em perfis olha para a vítima mulher, vilipendeada e morta, sem que nada lhe fosse roubado, e calcula que uma maldade desse tipo só pode ser obra de um homem que não ama as mulheres. Logo é solitário. E por que não ama as mulheres? Porque foi educado, muito provavelmente, por uma mãe repressora, que o trancava no porão, onde ele passava as tardes torturando gatos e decepando a cabeça da boneca da irmã. Aí se junta tudo:animais, bonecas, porão, fungo, repressão, dominação feminina, uma pitada de homossexualidade, a crise dos 40, o divórcio, a compulsão por comida, vizinhas gostozinhas se exibindo para garotões sarados. E uma mente martelando “por que não eu”, “essas vadias não reconhecem meu valor”, “prostitutas!”, “vou mostrar do que sou capaz”, “tenho que limpar o mundo”, uma faca, um rolo de silver tape...  E qualquer pacato vizinho vira um psicopata.
c) A pefilista sabe, pela conjuração dos astros, que quem matou aquele crime é provavelmente de Áries com ascendente em gêmeos e daí tira essa conclusão, ou qualquer outra permitida por essa ciência milenar, a Astrologia, a que Marcuse, por não conhecê-la a fundo,  dizia ser a "metafísica dos parvos".

Você deve ter notado que nesses perfis o criminoso não costuma ser negro nem árabe. Minhas hipóteses para isso:
a) Negros e árabes nos EUA são tomados como suspeitos “intuitivos”: quando um crime é dado como sem resolução significa que todo negro e todo árabe, num raio de 50 km do ocorrido, já foi detido, surrado e liberado por falta de provas. Ou seja, o perfilista só chega quando os suspeitos habituais já foram descartados;
b) Apresentar o suspeito como sendo branco, ainda que depois se comprove ser um negro, permite ocultar o erro de cálculo, alegando que a polícia sempre soube ser um negro, e falou que era branco só para “não atrapalhar as investigações”; mas se fosse o contrário, ou seja, se a polícia soubesse que era um branco e, para ocultar, fez de conta que era um negro, iria sofrer acusações de preconceito e racismo.

Disso tudo concluo que o suspeito do perfil  do especialista é o resultado de uma bricolagem entre o não-sei-quem-foi e o quero-que-você-pense-que-eu-sei, com pitadas de politicamente correto e 3 palavras de algum livro da década de 1950, com o título de “Aberrações sexuais na infância e a degeneração da nossa mocidade.” Agora vou terminar de assistir o filme e vê se eu já posso ser perfilista de Hoolyood.
Sandro Sell.

Foto: A garota com cara de má que, no fundo, é um doce sendo torturada pelo bom pai de família que, no fundo, é um psicopata. Do filme:  Os homens que não amavam as mulheres. 


3 comentários:

  1. Professor!!! Dia desses você disse que quase não escrevia mais no blog... Que bom que voltou!!!

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  2. To tentando voltar, mas esse clima de fim de ano atrapalha... Bjs Sandro

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  3. hahaha acho que o professor já está um ótimo perfilista, não?!

    Mas aquela junção toda da opção "B" ficou muito bom!!

    Abraço

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