sábado, 15 de maio de 2010

Jesus nas salas de audiência

O costume de pôr imagens cristãs nas salas de audiência judiciais teve inicio na Idade Média, inspirada na antiga constituição justiniana, do ano de 524, que salientava a necessidade de que nelas houvesse sempre uma imagem do Nosso Senhor Jesus Cristo.
Na França, isso se traduziu na utilização do crucifixo afixado à parede, como forma de lembrar que havia uma continuidade entre a justiça dos homens e a justiça divina. Para a ala cética dos juristas franceses, tal imagem servia a propósitos mais práticos, como o da legitimação religiosa do juramento processual, de dizer a verdade e nada além dela.
Já na Alemanha, não é o crucifixo, mas a imagem do Cristo no Apocalipse (como a do quadro de Miguel Angelo, acima) que se afixavam as paredes dos tribunais, como lembrança de que a justiça seria feita, nem que fosse ao final dos tempos.
Hoje, muitos questionam a manutenção de tais símbolos (em particular os crucifixos nas salas de audiência), por sua incompatibilidade com a pluralidade religiosa vigente em paises como o Brasil. Se não há uma religião oficial, não podemos atribuir lugar de destaque, em repartições publicas, a símbolos de uma religião particular, ainda que seja a da maioria, - pois a Constituição deve, sobretudo, proteger as minorias (por sua evidente fragilidade) contra as decisões invasivas da maioria sobre direitos e liberdades assegurados.
Numa versão conciliadora, há os que salientam que mais do que um símbolo religioso, o crucifixo é uma advertência contra os erros possíveis num julgamento. Se Jesus que era inocente acabou condenado à morte, devem o juiz e os jurados ser cautelosos para que não se repita o histórico e vergonhoso erro de há dois mil anos. A imagem de Cristo sacrificado na cruz estaria em destaque, então, não para divinizar a justiça humana, mas para assinalar o que nela deve ser evitado.
Embora reconhecendo o valor dos símbolos para a crença nas instituições sociais, a utilização de imagens religiosas como legitimadoras de práticas judiciais pode levar a falsa crença de que uma decisão do Poder Judiciário pode se justificar por motivos místicos, religiosos ou sobrenaturais. Mais grave ainda: pode levar à crença de que um eventual erro de julgamento seria mais tarde reparado pela Justiça Divina, e que, assim, tudo estaria (da condenação do inocente à absolvição do culpado), em última instancia, nos planos de Deus.
Num judiciário republicano, os julgadores têm o dever de assumir ética e solitariamente todas as conseqüências das decisões que tomam, assim como seus efeitos colaterais previsíveis. Nada mais deplorável que a figura daquele que decide por seus caprichos, racionaliza com uma lei conveniente, e depois vai à Igreja tentar livrar sua alminha do inferno em que vive metendo os outros.
Sandro Cesar Sell

Para saber mais:
TEDESCO, Ignácio F. El acusado em el ritual judicial. Buenos Aires: Del Puerto, 2007. (colección Tesis Doctoral).

3 comentários:

  1. A opinião do professor, no final, é sempre o melhor... hehehe

    Abraço

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  2. O Sr. entende de tudo hein?
    Bj Jake

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  3. Ou pior: quão deplorável quem age em nome de uma fé egoísta e não é capaz de reconhecer a sua responsabilidade. Nem vai à igreja depois para lavar a alma (ou as mãos): diz que está em permanente contato com um deus que lhe disse o que fazer e o que não fazer.

    ¬¬

    Particularmente, às vezes, quando em um culto, penso:

    "Que hipócrita que sou! Estou cá e não sou capaz de obedecer às normas eclesiásticas e me render à ameaça de sofrer punição eterna como a Eva e o Adão sofreram por comer da árvore do bem e do mal- visto que o capeta é a serpente que põe a dúvida em nossos pensamentos e, por isso, devemos fugir das perguntas e cumprir inquestionavelmente as leis. Cá estou questionando até o Amém. Que livre e feliz hipócrita que sou!"

    :D

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